Baseado na vida e obra de Antonin Artaud, o texto “Artaud e Seu Duplo”, de Wilson Coêlho, faz parte da 15ª edição do projeto Leituras Santas, na próxima quarta-feira (7), às 21h, no Instagram @santapacienciacasacriativa. Com os atores Joilson Bessa, Lucas Machado, Gaia Paz e Beatriz Agra. Imagens e som de Nathan Silva. Fotografia: Alexandre Ferram.
Antonin Artaud nasceu em Marselha, no dia 4 de setembro de 1896, e faleceu em Paris, no dia 4 de março de 1948. Foi um poeta, ator, roteirista e diretor de teatro francês.
Em 1937, Antonin Artaud, devido a um incidente, é tido como louco. Internado em vários manicômios franceses, cujos tratamentos são hoje duvidosos, ele é transferido após seis anos para o hospital psiquiátrico de Rodez, onde permanece ainda três anos.
Em Rodez, Artaud estabelece com o Dr. Ferdière, médico-responsável do manicômio, uma intensa correspondência. Uma relação ambígua se estabelece entre os dois: o médico reconhece o valor do poeta e o incentiva a retomar a atividade literária, mas, julgando a poesia e o comportamento de seu paciente muito delirante, ele o submete a tratamentos de eletrochoque que prejudicam sua memória, seu corpo e seu pensamento.
Existe aqui um afrontamento entre dois mundos: o da medicina e razão social. e o do poeta cuja razão ultrapassa a lógica normal do “homem saudável”.
As cartas escritas de Rodez são para Artaud um recurso para não perder sua lucidez. Elas revelam um homem em terrível estado de sofrimento, nos falando de sua dor através de uma escritura mais íntima e mais espontânea. São os diálogos de um desesperado com seu médico e, através dele, com toda a sociedade.
“Não quero que ninguém ignore meus gritos de dor e quero que eles sejam ouvidos”.
Para Artaud, o teatro é o lugar privilegiado de uma germinação de formas que refazem o ato criador, formas capazes de dirigir ou derivar forças.
Em 1935, Artaud conclui o "Teatro e seu Duplo" (Le Théâtre et son Double), um dos livros mais influentes do teatro deste século. Na sua obra, ele expõe o grito, a respiração e o corpo do homem como lugar primordial do ato teatral; denuncia o teatro digestivo e rejeita a supremacia da palavra. Esse era o Teatro da Crueldade de Artaud, onde não haveria nenhuma distância entre ator e plateia, todos seriam atores e todos fariam parte do processo, ao mesmo tempo.
Em Rodez, além de suas cartas (lettres au docteur Ferdière), ele elabora uma prática vocal, apurada dia a dia, associada a manifestações mágicas. A voz bate, cava, espeta, treme; a palavra toma uma dimensão material, ela é gesto e ato.
Artaud volta a Paris em 1946, onde, dois anos depois, é encontrado morto em seu quarto no hospício do bairro de Ivry-sur-Seine. Neste período, além de uma importante produção literária, ele desenha, prepara conferências e realiza a emissão radiofônica "Para acabar com o juízo de Deus" (Pour en finir avec le jugement de dieu), onde sua vontade expressiva se alia a um formalismo cuidadoso.
Se nos anos 30 o teatro, para Artaud, é “o lugar onde se refaz a vida”, depois de Rodez ele é essencialmente o lugar onde se refaz o corpo. O “corpo sem órgãos” é o nome deste corpo refeito e reorganizado que, uma vez libertado de seus automatismos, se abre para “dançar ao inverso”.
“A questão que se coloca é de permitir que o teatro reencontre sua verdadeira linguagem: linguagem espacial, linguagem de gestos, de atitudes, de expressões e de mímica, linguagem de gritos e onomatopeias, linguagem sonora, onde todos os elementos objetivos se transformam em sinais, sejam visuais, sejam sonoros, mas que terão tanta importância intelectual e de significados sensíveis quanto a linguagem de palavras.”
O seu trabalho ainda inclui, ensaios e roteiros de cinema, pintura e literatura; diversas peças de teatro, inclusive uma ópera; notas e manifestos polêmicos sobre teatro, ensaios sobre o ritual do cacto mexicano peyote entre os índios Tarahumara (Les Tarahumaras), aparições como ator em dois grandes filmes e outros menores. Artaud escreveu: "Não se trata de assassinar o público com preocupações cósmicas transcendentes. O fato de existirem chaves profundas do pensamento e da ação segundo as quais todo espetáculo é lido é coisa que não diz respeito ao espectador em geral, que não se interessa por isso. Mas, de todo o modo, é preciso que essas chaves estejam aí, e isso nos diz respeito” — em "TEATRO E SEU DUPLO".