Paulo Renato Porto
05/09/2020 11:35 - Atualizado em 05/09/2020 11:42
Os preços de alguns produtos da cesta básica dispararam nos últimos meses nos supermercados de Campos. Com a pandemia de Covid 19, itens como feijão, arroz, óleo de soja e carne saltaram para percentuais de aumento entre 40% e até 100%. Segundo comerciantes, em março houve uma corrida aos supermercados, por conta do avanço do novo coronavírus, o que fez aumentar a demanda, mas não explicam as altas de hoje.
— No início, o consumidor começou estocar produtos, mas tudo logo se acalmou. Com o consumo voltando ao normal e a renda despencando, imaginei que tudo voltasse à normalidade, mas a procura continuou maior que a oferta. Começou a faltar produtos porque o dólar em alta favorece as exportações e desabastece o mercado interno — disse o presidente Sindicato do Comércio Varejista de Campos, Roberto Viana.
Antes do advento da Covid 19, a empresária do ramo de alimentação, Sara Grigolate, 60 anos contabilizava um lucro de até R$ 6,00 na venda de cada quentinha. Mas com o aumento dos custos de alguns itens, o ganho caiu quase pela metade.
— Trabalho com uma marca de arroz pelo qual pagava R$ 11,00 pelo pacote. Quando começou essa pandemia, o preço saltou para R$ 15,00, chegando até R$ 17,00. No final de semana me deparei com o preço de R$ 20,00 no pacote de cinco quilos. Pagava R$ 3,90 pelo quilo do feijão, agora está a R$ 7,90. A lata do óleo de soja custava R$ 3,00, hoje chega a R$ 6,00. A carne, de R$ 12,00 subiu para R$ 20,00. Logo, a diferença tem sido grande. É assustador porque não tenho como repassar o aumento para o cliente, ainda mais nesta conjuntura. O jeito é trabalhar mais e ganhar na quantidade. A saída é fazer uma pesquisa para buscar um preço melhor”, sugeriu.
Ao lado do marido e do filho, Andressa da Silva Chagas, de 23 anos, também ficou espantada com o preço do arroz. “Fizemos a última compra no último dia 20. O arroz que estava a R$ 13,40, agora está a R$ 20,00. Mas havia marcas de R$ 25,00”.
Outros comerciantes alegam que a culpa é dos fornecedores, que atribuem a variação da alta em razão dos preços repassados pelos produtores. Estes alegam estarem em período de entressafra e exportando mais; outros argumentam que a alta do dólar tem incentivado as exportações e causado escassez no mercado interno.
O problema chegou ao presidente Jair Bolsonaro que nesta sexta-feira (04), disse que se reunirá com donos de supermercado e representantes para discutir sobre a alta do preço em itens da cesta básica, como arroz e feijão. Bolsonaro pediu “sacrifício e patriotismo” ao setor. A declaração ocorreu durante conversa com apoiadores em Eldorado Paulista (SP).
Pesquisador — Especialista no cultivo do arroz, o engenheiro agrônomo e pesquisador Silvino Amorim Neto, da Estação Experimental da Pesagro em Campos, explica o aumento do preço do cereal. “Na pandemia, as famílias têm ficado mais tempo em casa, então cresceu o consumo interno de arroz no Brasil e também em outros países. Isso fez com que o preço do pacote de cinco quilos saísse dos R$ 13 a R$ 14 para R$ 22 e até mais”, disse.
Uma pesquisa divulgada pela Universidade de São Paulo (USP) revelou que o consumo de feijão, frutas e hortaliças aumentou 10% durante a pandemia. Os especialistas acreditam que a ameaça da Covid-19 fez com que a população procurasse por alimentos capazes de aumentar a proteção imunológica do organismo.
A pesquisadora do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP, Maria Alvim, disse que o isolamento também contribuiu para que as pessoas começassem a cozinhar mais em casa. “Além disso, o brasileiro está mais tempo em casa. Quem pode fazer a quarentena e se isolar está cozinhando”.
Os pesquisadores da USP ouviram mais de 10 mil pessoas entre janeiro a maio deste ano.
Equilíbrio — Silvino Amorim Neto afirma que não há desequilíbrio entre a demanda e oferta de arroz no Brasil que produz cerca de 13 milhões de toneladas por ano. “Não há desequilíbrio entre produção e consumo. Tudo que o Brasil produz é para o consumo interno, pouco sobra para a exportação. Mas vivemos um momento atípico. Os preços que estavam muito baixos desestimulavam os produtores, mas que haja um equilíbrio para que não tenhamos um descompasso entre a oferta e a procura”, avaliou.
O economista Alcimar Chagas Ribeiro aponta os desajustes da pandemia nas atividades econômicas. “A redução de oferta não pode ser descartada. Embora a agricultura não sofresse paralisação na pandemia campo, a atividade hoje conta com uma integração de outras etapas dos processos de produção até que o produto chegue à mesa do consumidor. Há o transporte, a logística, o empacotamento, entre outras etapas, que tiveram dificuldades na pandemia”, analisou.
O pesquisador da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) também apontou o aumento do consumo com a concessão do auxílio emergencial pelo governo federal, entre os fatores que contribuíram para o aumento dos preços. “O auxílio inclusive superou o benefício do Bolsa Família e contemplou famílias que consomem essencialmente produtos da cesta básica”, lembrou.
Procon — Em contato com a reportagem, a Superintendência de Comunicação da Prefeitura de Campos informou que a Superintendência do Procon "já está tomando as medidas para apurar se está havendo aumento abusivo de preços nos supermercados e, na próxima semana, vai reforçar a fiscalização nestes estabelecimentos com foco, principalmente, nos itens da cesta básica. O trabalho é semelhante ao realizado no início da pandemia, quando foram constatadas denúncias de preços abusivos e empresas foram notificadas, a partir de análises realizadas pelas equipes técnica e jurídica do órgão".