Enquanto a maioria das pessoas conhece, ainda que superficialmente, a Peste Negra e sua devastação na Europa, poucos ouviram ou leram sobre a Peste Justiniana ou sobre a Terceira Pandemia de peste bubônica, no século XIX. Esta começou na fronteira do Tibete com a China e se espalhou lentamente até Hong Kong, onde chegou em 1894, e daí se alastrou para todos os portos do mundo pelos navios a vapor. A pandemia atingiu principalmente Índia e China; Austrália, Escócia, Brasil e EUA. Nestes dois últimos países, os surtos foram locais e logo contidos.
Supõe-se que a origem dela se localize na província chinesa de Yunnan, começando em 1855. A disseminação das doenças transmissíveis ainda era lenta nessa época. O agente de transmissão viajava de navio para alcançar o mundo. Curiosamente, a Terceira Pandemia não entrou na Europa. Ressalte-se que os tempos eram outros. Pasteur já havia descoberto os micróbios. Entre aqueles que estudaram com ele, estava o cientista franco-suíço Alexander Yersin, que identificou a bactéria causadora da Peste Negra em Hong-Kong no ano de 1894. Em sua homenagem, ela recebeu o nome científico de “Yersinia pestis”. Os responsáveis por uma doença que matou tantas pessoas e exerceu imenso terror não eram mais os judeus, as feiticeiras, os gatos etc. Era um ser vivo microscópico.
Definiu-se o tripé em que se sustentava a peste bubônica: bacilo causador, rato preto hospedeiro e pulga vetor. Como os ratos e outros roedores também morriam, entendeu-se que a alta mortalidade deles obrigava as pulgas a buscarem novos corpos para se alimentarem, passando a picar pessoas e animais domésticos. Matar ratos para combater a doença liberava as pulgas para atacarem humanos mais rapidamente. As pesquisas mostraram que a bactéria causadora inibe seletivamente a resposta imune inata, que é a primeira linha de defesa do organismo. Algo como um ladrão desligando o controle de luz de uma casa para melhor trabalhar.
Seguindo de perto os livros “O enigma da Peste Negra”, de Fernando Portela Câmara (Rio de Janeiro: E-papers, 2015), e “A história e suas epidemias”, de Stefan Cunha Ujvari (Rio de Janeiro/São Paulo: Senac, 2003), assustamo-nos com a forma implacável de morte causada pela bactéria. “O hálito, os vômitos, as fezes e a urina desses doentes têm um odor intensamente pútrido. É frequente, nesses casos, a gangrena de extremidades (dedos dos pés e das mãos, podendo se estender, algumas vezes, para os testículos e a ponta do nariz) e órgãos internos (baço, fígado, pulmões, ponta do coração, rins, intestinos)”. Assim Câmara resume suas manifestações.
Contribuíram para a disseminação da peste a guerra civil chinesa e a construção de ferroviais nas planícies geladas da Manchúria até a Rússia. Houve perturbação na ecologia dos gerbilos (ratos-do-deserto) e marmotas, intensificando seu contato com populações de trabalhadores, militares e refugiados. A exportação de peles de marmota a partir de 1908 também contribuiu para a propagação da doença. Em 1910, caçadores mongóis e membros da tribo Buriat perceberam uma mortandade de marmotas no campo e fugiram. Era uma forma pragmática antiga de detectar a epidemia.
Existe uma corrente de pesquisadores que associa os surtos de peste bubônica a mudanças climáticas. Ocorreu um resfriamento natural no século VI d.C., provocando um colapso na agricultura e atingindo o império romano em cheio. Na mesma época, ocorre a Peste Justiniana. Da mesma forma, houve um forte resfriamento natural no século XIV, depois de um breve aquecimento global natural. Ao mesmo tempo, alastrou-se a Peste Negra. A forte explosão do vulcão Krakatoa, na Indonésia, em 1887-88, não apenas detonou completamente a ilha em que se situava, como a poeira lançada na atmosfera envolveu o mundo todo e bloqueou parcialmente a radiação solar. Com isso, ocorreu um resfriamento natural que deve ter contribuído para a pandemia.
Desde a revolução industrial do final do século XVIII, emanações gasosas, principalmente de gás carbônico, estão mudando a composição da atmosfera. Atualmente, as mudanças climáticas produzidas por atividades humanas tornam-se cada vez mais acentuadas. Tempestades devastadoras, secas inclementes, ventos fortes, aumento da temperatura média global podem contribuir para novas ondas epidêmicas e pandêmicas. As epidemias de peste bubônica costumavam acontecer depois de chuvas intensas que causavam o crescimento da vegetação consumida por roedores. Já se pode estabelecer uma relação entre chuvas intensas e a propagação da dengue, da malária e de outras doenças transmitidas por vetores.
Sendo causada por uma bactéria, a peste bubônica pode atualmente ser combatida com antibióticos. Mas o tratamento deve começar logo aos primeiros sinais, pois ela progride em poucos dias, levando à morte.