A rigor, o título da crítica é o mesmo do filme dirigido por J. Michel Muro, em 1987, com roteiro de Roy Frumkes, nos Estados Unidos. Ele foi colocado na prateleira do gênero “terror”, sempre carente de critérios. Na verdade, trata-se de uma comédia cáustica ao estilo de “Feios, sujos e malvados”, do genial Ettore Scola, lançado em 1976. Suspeito até que o filme de Scola inspirou o de Muro, tais as semelhanças entre ambos. A questão é que o título original do filme de Muro é “Street trash”. Talvez pelo título ele tenha sido considerado um filme trash, que não é um gênero. Trash é uma palavra muito ampla para caracterizar um gênero. Drama, comédia, suspense, terror podem figurar na categoria “trash”. Da minha parte, tanto “Street trash” quanto “O pneu assassino” poderiam ser exibidos no Cineclube para discussão.
“Street trash” é ambientado num ferro velho cujo dono é um homem extremamente obeso e estuprador. Trabalha para ele uma descendente de japoneses sempre assediada. Os carros deteriorados servem de abrigo a um contingente de pessoas marginalizadas, desempregadas, miseráveis, sujas, inescrupulosas, bem ao estilo de Scola. Em “Feios, sujos e malvados”, uma família miserável vive numa favela italiana com muitos membros que se trapaceiam. Em “Street trash”, só há uma relação de parentesco e nenhuma solidariedade entre aqueles que habitam um mundo miserável.
Como é comum, na favela do ferro velho, existe um chefe ou um valentão. Ele é um veterano da guerra do Vietnã abandonado pelo mundo. Sua arma, segundo consta, é uma faca feita com osso de um humano que ele matou. Uma prostituta muito miserável é sua companheira indesejável. Nesse mundo de marginais em todos os sentidos, há um espertalhão que tende a ocupar o papel de mocinho, como acontece no cinema dos Estados Unidos. Ao lado do ferro velho, há locais de prostituição, boates e comércio. O dono de uma pequena loja encontra um abandonado engradado de bebidas e resolve colocá-las à venda sem saber do que se trata.
Os principais consumidores são os habitantes do ferro velho. O primeiro deles, compra uma garrafa e prova seu conteúdo num banheiro imundo. Não é bebida alcoólica, mas um solvente mortal. O corpo do homem derrete e é tragado pelo vaso sanitário. Sua mão fica presa à corrente da descarga. Outras decomposições ocorrem, levando a uma investigação policial. Como no Brasil, a distância entre bandido e mocinho é mínima, quiçá inexistente. Todos matam e todos morrem. A luta entre fracos e fortes gera momentos impagáveis. O obeso dono do ferro velho explode como a Dona Redonda, de novela “Saramandaia”, do imaginativo Dias Gomes. “Street trash” envereda também pelo surrealismo.
A intenção do roteirista e do diretor é descortinar os submundos que existem nas grandes cidades de países considerados ricos. Scola mostra uma favela de Roma. Muro mostra outra em Nova Iorque. Em ambos, a intenção é retratar o ser humano colocado em situação de miséria. Trapaça, violência, prostituição, estupro e morte aparecem de forma crítica, mas ao mesmo tempo cômica. O final é inteligente e recheado de humor. E o filme foi mais premiado do que se poderia esperar de um “trash”.