Personagem criada por designers gráficas de Campos e Macaé "ganha vida" e vira símbolo de representatividade
Matheus Berriel 21/08/2020 20:37 - Atualizado em 22/08/2020 09:41
Ana Júlia Gomes Macedo, de Volta Redonda (à esquerda), e Laís Helena Inocêncio Silva, de Belo Horizonte, são embaixadoras da Ana Curiosa
Ana Júlia Gomes Macedo, de Volta Redonda (à esquerda), e Laís Helena Inocêncio Silva, de Belo Horizonte, são embaixadoras da Ana Curiosa / Divulgação
A partir de agora, vou te chamar de Ana Curiosa”. Foi o que disse a representante comercial Nilda de Paula Gomes Macedo à filha Ana Júlia, de 12 anos, após encontrar na internet uma personagem que representa as características da garota, residente em Volta Redonda e estudante do sétimo ano do ensino fundamental. A semelhança na fisionomia, com a negritude destacada, se estende a outros fatores, como o interesse em aprender coisas novas e a alegria natural da criança.
— Me lembro que eu estava procurando algum desenho semelhante, que eu pudesse representar a Ana Júlia. Queria mudar a foto do perfil dela no Instagram. Mexendo, vi a Ana Curiosa e mostrei à Anajú, falei que o desenho era muito parecido com ela: o cabelo, tudo. Coloquei uma foto do lado e falei: “ela é idêntica a você” — contou a mãe.
Ana Curiosa é uma personagem das designers gráficas, ilustradoras e professoras Diane Lizst e Maryana Ahlert, naturais de Niterói e do Rio de Janeiro, mas residentes em Campos e Macaé, respectivamente. Após surgir como um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de design gráfico no Instituto Federal Fluminense (IFF), fruto de construção coletiva junto a mais de 50 crianças durante três anos, a personagem ganhou o universo das redes sociais e livro próprio. Mais que isso: ganhou vida através de meninas como Ana Júlia, embaixadora da Ana Curiosa em Volta Redonda. Além dela, há outras oito, em diferentes cidades, levantando as bandeiras da não adultização; do equilíbrio entre os equipamentos tecnológicos e manuais; da valorização das artes, da cultura e da educação; do relacionamento saudável entre pais e filhos; e do incentivo ao olhar investigativo e pesquisador da criança.
— Olhamos para a estatística e vimos que mais de 50% da população brasileira é negra. Nos incomodou não encontrar na maioria dos livros algum personagem negro protagonista de história que não fale de equidade racial, ou em que não fosse jogador de futebol ou empregada doméstica. Queríamos um personagem com a representatividade brasileira falando de outros assuntos — disse Diane Lizt, uma das realizadoras do projeto. — A Ana Curiosa dá voz e autoridade para as crianças exercerem sua voz. Elas atuam como mini-influenciadoras, incentivando e estimulando outras meninas a se posicionarem.
O crescimento de divulgação em torno da Ana Curiosa começou em março deste ano, bem no início da pandemia da Covid-19. Até então, o perfil da personagem no Instagram contava com aproximadamente 300 seguidores. Cinco meses depois, já foi alcançada a marca de 8 mil, com grande interação nas postagens sobre desenhos, cores, datas comemorativas e até mesmo orientações de saúde, como a de usar máscara para evitar o contágio do novo coronavírus.
— A gente acredita que a Ana Curiosa crie um outro tipo de interação. Apesar de ter um intuito de ensino, ela não é um personagem que só educa a criança, mas que descobre o mundo ao lado dela. No nosso país, não temos, infelizmente, uma grande diversidade de personagens para o público infantil que fale sobre a cultura e aja como as crianças. Sempre somos muito influenciados pelos personagens de fora. Acreditamos que a Ana tem capacidade de gerar essa identificação e também dar possibilidade às crianças de serem escutadas. Outro ponto é que, provavelmente, ela é um dos primeiros personagens a falar sobre design para criança — ressaltou a também idealizadora Maryana Ahlert.
No último dia 25, foi lançado o primeiro livro da personagem, “Ana Curiosa e as cores”, em uma live no Instagram. A venda é feita pela internet, no valor de R$ 25. Futuramente, também serão lançadas as obras infantis “Ana Curiosa e as formas” e “Ana Curiosa e o que os seus olhos podem ver”, completando a coleção que gerou o TCC de Diane e Maryana.
— Mais do que livros, é um projeto de inclusão social e discussão sobre a africanidade, a ancestralidade brasileira, a negritude. A Diane e a Maryana estão apenas começando. O projeto vai muito adiante. Acredito que o trabalho delas vai ser um grande sucesso, não apenas em livros. Elas estão criando uma plataforma interessante com uma adesão muito interessante de crianças, que reproduzem o cabelo da Ana Curiosa e compartilham isso no Instagram — comentou o editor César Oliveira. — Não descarto a ideia de que elas consigam vender o conceito da Ana Curiosa para fabricar produtos. Acho que isso pode acontecer. Assim que a pandemia acabar, a gente vai atrás disso.

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