Na Ribalta: Notas de um velho safado
Fernando Rossi 13/08/2020 20:13 - Atualizado em 13/08/2020 20:13
Não deixa de ser curioso que, num país como os Estados Unidos, onde o que importa é o “vencedor”, desprezando-se sempre o “perdedor”, um escritor como Charles Bukowski, um perdedor por excelência e quase que por opção, venha a ser bem-sucedido.
No final dos anos 60, Bukowski ainda não tinha sido descoberto pelo cinema e pelas histórias em quadrinhos, e era conhecido apenas por alguns poucos estudantes e escritores “alternativos” em Los Angeles e arredores, na baía de San Francisco.
Foi quando um jovem editor de um jornal underground, como então começava a existir, de pouca circulação, convidou o “coroa” marginal de 50 anos a escrever uma coluna semanal de crônicas, mas, em se tratando de Bukowski, escrita da maneira que ele bem entendesse e sobre o que ele bem ou mal escolhesse. Não deu outra, acabou em livro: “Notas de um velho safado”. Embora não possa comparar o velho lobo do bar a vinho, até porque ele gosta mesmo é de uma latinha de cerveja, pode-se dizer que este é um Charles Bukowski de boa safra.
Para Bukowski, o que importa é o fato de escrever, e não o que se escreve: “O público retira de um escritor, ou de um texto escrito, o que ele precisa e deixa o restante passa. Mas, o que eles retiram é geralmente o que eles precisam menos, e o que eles deixam passar é o que eles mais precisam. Entretanto, isso me permite que eu execute sossegado os meus pequenos e sagrados giros pouco me importando se eles entenderam...”.
Sua linguagem é crua, realista, pós-beat, tanto que foi capturado pelo cinema, e desta experiência resultou no argumento do filme "Barfly", o cult que Barbet Schroeder dirigiu em 1987, com Mickey Rourke e Faye Dunaway nos principais papéis. Barfly significa mosca de bar, e não podia ser outro o título de um filme que registrava passagens da vida de Henri Chinaski, o alterego do escritor: suas bebedeiras, seu descaso em relação aos valores morais e éticos da sociedade, sua caminhada de orgasmo em orgasmo, de vômito em vômito, rumo à apatia e à desilusão.
É provável que nas noites cruéis e desesperançadas nas ruas brasileiras, encontrem-se personagens tupiniguins à la Henry Chinaski. Pessoas que só sobrevivem com muito álcool nas veias e acabam morrendo de cirrose hepática, enterradas como indigentes e sem amigos no velório. Mas, o que diferencia Chinaski/Bukowski dos bebuns comuns é que ele tem talento para retratar o pesadelo, e não o sonho americano. Mesmo correndo, por fora do sistema, ele despertou o interesse de um diretor de cinema que, durante oito anos, não descansou enquanto não conseguiu produzir um filme contando um pouco de sua história.
Antes de virar um dos escritores da contracultura americana, com 20 títulos já publicados nos Estados Unidos, Bukowski vivia de bicos. Nasceu na Alemanha, mas viveu desde os dois anos nos Estados Unidos. “Santo padroeiro dos escritores bêbados ou bêbados escritores”, como foi batizado pelo prestigiado The New York Times Book Review, só estudou até os 16 anos, quando uma crise de acne fez com que largasse a escola e ganhasse as ruas. Mas, curiosamente, foi só quando conseguiu seu primeiro emprego fixo, o de carteiro dos correios americanos, aos 43 anos, que Bukowski descobriu sua verdadeira vocação. Pouco antes de completar 50 anos, ele abandonou o emprego, escreveu "Cartas na rua" e, com um contrato de 100 dólares semanais com "Black Sparrow Press", passou a viver do que escrevia.
A sordidez, a desesperança, a falta de perspectiva, as corridas de cavalos, o álcool, alusões aos beats, sexo e incomunicabilidade são os temas recorrentes de Bukowski. Embora ele seja comparado a Jack Kerouac, Burroughs e Gingsberg pelo estilo bruto e sem acabamento de escrever, ainda consegue ser mais corrosivo que seus antecessores. Sua perspectiva é sempre a da dor, e não a do prazer. Dizia:
“Escrever é o que me mantém em pé. Nunca foi um trabalho para mim: ligar o rádio numa estação de música clássica, acender um cigarro ou um charuto, abrir a garrafa. A máquina fazia o resto... Quando a própria vida era um espetáculo de horror, sempre havia a máquina para me acalmar... Basicamente, era por isso que eu escrevia: para salvar meu rabo do asilo de doidos, das ruas, de mim mesmo.” Mais outsider, impossível.

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