Cândida Albernaz: Sua mente dentro da minha
- Atualizado em 07/08/2020 22:42
Ele está me esperando. Chegou cedo, não sei o porquê. Ou melhor, é claro que sei. Vive tentando me pegar em alguma atitude que jamais cometi.
Olha com desconfiança enquanto arrumo as frutas que comprei, no pote em cima da mesa da cozinha.
Com os braços cruzados, fixa em mim olhos de acusação. Tento fingir que não percebo aquele fogo que parece deixar rastros no meu corpo. Sinto-me queimar e uma culpa pelo que não fiz começa a me consumir.
Mesmo que tente, não consigo transmitir firmeza ao falar, sinto insegurança e com medo de sua imaginação.
Em alguns momentos sua loucura parece ser minha, fazendo com que duvide de mim mesma.
Começo a preparar o jantar e comento que o esperava mais tarde. “Saí para comprar frutas. Trouxe maçã verde, que você adora”.
Aproxima-se e me beija a testa. Beijo com respeito, que eu detesto. Ele sabe. Avisa que vai tomar um banho e pede os jornais. “... não tive tempo de ler hoje de manhã”.
De olhos baixos, vou até a mesinha onde os coloquei. Entrego a ele.
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Ela não firma o olhar no meu. Onde esteve realmente? Antes de chegar, verifiquei os armários e a geladeira. Tem abacaxi e pêssegos. Para que foi comprar mais frutas?
Talvez seja uma desculpa para encontrar alguém.
Cheguei mais cedo e ela não contava com isso. Desta vez não fiz de propósito, apenas eu e meu sócio resolvemos almoçar juntos, comemorar as boas vendas e decidimos não voltar para a corretora.
Noto que ela treme quando faço perguntas. Está insegura. Tenho certeza de que fez algo que não devia. Acho que vou colocar alguém atrás dela. Já fiz isso outras vezes. Deu em nada.
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Foi tomar banho. É um alívio sair debaixo de seus olhos.
Sempre consegue fazer com que me sinta culpada. Não sei de quê.
Não tive tempo de preparar o jantar. Vai reclamar.
Adoro cozinhar. Antes de sair, a cozinheira deixou tudo adiantado, mas sempre preparo algo diferente para nós dois. Ele gosta.
Vou ao quarto trocar de roupa, colocar alguma coisa mais confortável.
Ele já está na sala lendo os jornais.
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Depois que ela colocar o vestido no cesto de roupas, pego e verifico se tem algum cheiro diferente.
Hoje não vou falar sobre a demora do jantar. Quero ver até onde vai. Vou dar corda por uns dias, ficar mansinho.
Mais cedo ou mais tarde vai se trair.
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Jantamos em silêncio. No que será que ele está pensando?
Durante a sobremesa, começo a falar sobre o fim de semana. “Seu irmão convidou para irmos à praia com ele. O que acha querido?”.
Diz que até amanhã resolve. Combinou com o sócio uma reunião no sábado de manhã, vão discutir sobre um novo prédio que foi lançado no mercado.
Fico triste. Na casa do irmão ele se solta, parece mais tranquilo. Quando estamos lá, volta a ser o homem com quem casei.
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Jantamos em silêncio. No que será que ela está pensando?
Pede para irmos à praia. Vou desmarcar a reunião com meu sócio, mas só respondo a ela amanhã. Não quero que tenha tempo para fazer planos.
Na casa do meu irmão fico à vontade. Nunca tem ninguém de que não goste. Foi bom este convite, estou precisando descansar.
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No quarto, aproximo e beijo seu pescoço. Abraça-me com força. Sinto a pressão do seu corpo quando me cobre, noto o coração disparando, tenho um amor forte por ele. Pena as dúvidas que tem. Pena a mágoa que deixa em mim.
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No quarto ela se aproxima e beija meu pescoço. Sei o que quer. O mesmo que eu.
Seu corpo quente embaixo do meu faz o coração acelerar, sinto que a amo mais do que tudo. Pena as dúvidas que tenho.
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