Voltar ou não às aulas presenciais?
Joseli Matias 22/07/2020 08:19 - Atualizado em 30/07/2020 19:39
Pedro Lucca assiste às aulas em casa
Pedro Lucca assiste às aulas em casa / Divulgação
Depois de quatro meses de acúmulo de tarefas, novos desafios e receios, pais de estudantes vivem agora mais um drama: a possibilidade da volta às aulas presenciais ainda durante a pandemia da Covid-19, antes mesmo do desenvolvimento de uma vacina contra o coronavírus. O medo é quase unânime, mas, em um mundo de realidades distintas, o receio da perda do ano letivo e a necessidade de trabalhar e não ter com quem deixar os filhos alimentam as incertezas. As secretarias de Educação do município e do Estado garantem que as aulas presenciais estão previstas nos planos de flexibilização e somente serão retomadas quando houver condições mínimas de segurança.
A maioria dos pais acha prematuro retomar as aulas. Muitos, inclusive, estão dispostos a manter os filhos em casa até a disponibilização de uma vacina ou a drástica redução da disseminação do coronavírus, mesmo que isso leve o estudante a repetir o ano letivo, principalmente os pais de crianças mais novas, que ainda não estariam maduras o suficiente para adotar em suas rotinas medidas de prevenção e estariam mais suscetíveis a contrair o novo vírus.
— Acredito que não vá acontecer tão cedo, mesmo que em forma de rodízio de alunos. Não consigo imaginar nenhuma escola dando conta de distanciamento social entre crianças. Com adultos já se vê que é difícil. E mesmo que se consiga manter o afastamento entre eles, o uso de máscara e todos os métodos de prevenção, como ficaria a cabecinha deles, depois de tanta saudade, não poder abraçar os amiguinhos e as “tias”? Eu não pretendo retornar o meu filho ao ambiente escolar, enquanto não voltar à normalidade, porque sei que ele não terá maturidade para isso. Imagina um recreio com distanciamento! — observa Lívia Féria, mãe de Pedro Lucca, de 8 anos.
Jennifer de Souza também está receosa com o retorno das aulas, mas, desde a reabertura do comércio em Campos, tem enfrentado dificuldades para conseguir alguém para ficar com seus filhos de 9 e 12 anos, enquanto está no trabalho.
— Eu estava em casa em tempo integral, desde o início da pandemia, mas agora voltei a trabalhar e preciso deixá-los com a minha mãe ou com a minha cunhada. Mas elas também vão voltar à rotina e não sei o que vou fazer. Mas também não quero arriscar e mandá-los para a escola. Acho muito arriscado. Ainda não sei o que farei quando as aulas recomeçarem.
O médico infectologista Nélio Artiles afirma que o país está em uma fase da epidemia muito perigosa, em que a estabilidade da curva está em um patamar elevado, aumentando as chances de transmissibilidade.
— Qualquer possibilidade de aglomeração é perigosa e alunos em geral, particularmente crianças, podem funcionar como verdadeiros vetores de transmissão para idosos e outros grupos de risco, já que, na sua maioria, serão assintomáticos ou pouco sintomáticos. Logo, há necessidade de planejamento para um retorno seguro e responsável esperando pelo melhor momento. E nesta situação, em outra fase, cumprir todas as metas de biossegurança — destacou o médico.
Neuropsicopedagoga Keila Chicralla
Neuropsicopedagoga Keila Chicralla / Divulgação
A neuropsicopedagoga Keila Chicralla, especialista em neuroeducação, afirma que retornar às aulas antes de as crianças estarem imunizadas contra o coronavírus é extremamente complicado, devido à necessidade de implantar medidas de segurança.
— Impor distanciamento social a crianças, quando elas estão juntas, é um desafio imensurável. Criança gosta de se abraçar, brincar, correr e conversar. Principalmente depois de tanto tempo isolados, eles não vão obedecer ao distanciamento. Sem contar que as escolas não têm salas suficientes para dar a separação necessária de uma criança para outra. Uma turma de 30 alunos, por exemplo, ocuparia quase três salas. Devemos também nos lembrar de como ficarão as crianças cujos pais não permitirem o retorno antes da imunização. As escolas darão aulas online e presenciais sobre o mesmo tema? São muitos questionamentos sem respostas no momento. E se as aulas presenciais forem retomadas antes da imunização, creio que devem ser restritas aos alunos com idades mais avançadas, do ensino médio e final do ensino fundamental II. E isso após muita orientação quanto aos protocolos sanitários que cada escola vai adotar diante de sua realidade física e as recomendações do Ministério da Educação e Ministério da Saúde, deixando bem claro o que poderá ser feito ou não dentro da escola. Inclusive, frisando aos alunos que o não cumprimento das regras de segurança vai acarretar o retorno das aulas remotas. Eu aconselharia às escolas investimento não somente do material físico necessário para o retorno às aulas presenciais, mas também na orientação sistemática e pormenorizada dos pais sobre o que será feito no dia a dia na escola para o cumprimento do protocolo sanitário, deixando-os mais tranquilos quanto à segurança de seus filhos — ressaltou Keila.
O Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe) se posiciona contra o retorno às aulas presenciais neste momento. Segundo o Sepe, não há estrutura, nem protocolos aceitáveis para que esse retorno ocorra de forma segura. “O posicionamento do Sepe, em primeiro lugar, é a defesa da vida e da saúde de todos que fazem parte da escola, não só dos profissionais, mas também dos alunos, de suas famílias e de todos que compõem a escola e seu entorno no dia a dia escolar. Realizamos uma assembleia virtual, no dia 23 de junho, onde decidiu-se que estamos em estado de greve e se o governo der algum sinal de retorno, faremos uma nova assembleia em caráter emergencial para decidirmos pela greve em defesa da vida. E no dia 23 de julho já temos outra assembleia marcada para decidirmos pela continuidade do estado de greve ou a própria greve, dependendo do indicativo do governo municipal”, afirmou Edson Braga, diretor do Sepe.
Retomada das atividades ainda sem data
A secretaria de Educação, Cultura e Esporte (Smece) de Campos informou que o retorno das aulas no município está condicionado ao Plano de Retomada, traçado pela Prefeitura. A partir dele, as atividades presenciais em unidades de ensino voltam a acontecer na chamada “fase branca”, o nível 1 do plano, que indica situação de atenção.
“A Smece está elaborando um protocolo de retorno, com medidas sanitárias e de distanciamento, levando em consideração a quantidade de alunos, servidores e tamanho das unidades escolares. A secretaria também trabalha com a realidade dos profissionais da rede, alguns dentro do grupo de risco da doença pela idade ou existência de comorbidades. O planejamento do calendário de retorno está sendo elaborado considerando diferentes cenários, assim como as normativas legais estabelecidas até o momento”, informou a secretaria municipal.
A secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro também afirmou que não há previsão de retorno das aulas presenciais nas escolas da rede. “As aulas nas unidades da rede pública estadual fluminense só voltarão ao regime presencial quando a secretaria de Saúde divulgar a bandeira verde no estado, indicando as condições mínimas de segurança para a retomada das atividades”.
A partir da divulgação da bandeira verde, a Seeduc terá um período de 15 dias para os preparativos necessários, como a testagem e o treinamento dos profissionais, além da higienização e da organização dos espaços em todas as escolas estaduais. “Por orientação do governador Wilson Witzel, a área da Educação será o setor mais cuidadoso no retorno às atividades”.
De acordo com o Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino de Campos (Sinepe), as escolas particulares estão discutindo protocolos de segurança para o retorno e aguardando autorização do poder público para que essa retomada se dê com a maior segurança possível, para toda comunidade escolar.
— Em Campos, a retomada das atividades educacionais está prevista no nível 1 de atenção, portanto, não existe ainda previsão. Sem dúvida, muita coisa irá mudar nesse novo cenário, uma vez que, mesmo com o retorno das atividades, não haverá a imunização total da comunidade. Estamos trabalhando para que o retorno ocorra com a maior segurança possível para todos. Portanto, estabeleceremos protocolos e regulamentos respaldados nas orientações e recomendações dos profissionais de saúde e somente retomaremos as atividades com a chancela do poder público, buscando a segurança, eficiência e qualidade peculiar às escolas particulares — explicou o assessor jurídico do sindicato, Bruno Lanes.
 
 
Pandemia impôs desafios e nova rotina
As famílias brasileiras com crianças e adolescentes precisaram adaptar suas rotinas à nova realidade, com o isolamento social imposto pela pandemia da Covid-19. Conciliar o trabalho em home office, tarefas domésticas, aulas online e atividades dos filhos não está sendo fácil para ninguém.
— Eu trabalho e, por conta do isolamento, a pessoa que me ajudava em casa foi afastada. Por estarem todos o dia inteiro em casa, aumentaram os afazeres domésticos. Sem ajudante e ainda com essa responsabilidade de lecionar. Percebi que os pais reagiram de forma muito diferente. Alguns logo se adaptaram, e conseguiram manter essa rotina, porque levam mais jeito para lecionar. Não é o meu caso. Ainda não me adaptei, mas estou me reinventando a cada dia, buscando uma forma que seja agradável para nós dois. Não é fácil, mas estou feliz por estarmos mais tempo juntos, e assim posso prestar mais atenção em detalhes que no dia a dia corrido não nos damos conta. Minha maior preocupação nisso tudo sempre foi a cabeça dele. Nós, como adultos, temos acesso a informações, já tivemos experiências de mudança de rotina, sabemos ao certo o motivo. Para as crianças foi um "apagão", sem entendimento, sem maturidade e preparo para tal — contou Lívia Féria.
De acordo com a neuropsicopedagoga Keila Chicralla, a necessidade de implantar aulas remotas durante a pandemia deixou mais evidente a diferença na realidade dos estudantes das escolas públicas e privadas, que já eram gritantes. Mas, segundo ela, o período tem sido um desafio para todos e o maior prejuízo na área da educação, ao final do isolamento social, será o desnivelamento dos alunos. Diante dessa realidade, o último parecer do Conselho Nacional de Educação recomenda que se evite reprovar os alunos este ano.
— Por mais que as escolas particulares já utilizassem em algum grau a tecnologia como suporte para o ensino, ninguém estava preparado para a substituição total do ensino presencial para o ensino remoto. Os professores não têm domínio das ferramentas tecnológicas, os alunos não possuem a disciplina de ficar em frente ao computador ou celular apenas para estudar, as escolas não possuem plataformas eficazes que suportem tanto tráfego ao mesmo tempo. Até mesmo as grandes plataformas tiveram que evoluir rapidamente para acomodar uma demanda tão grande em pouco tempo. O despreparo é um dos motivos das aulas remotas estarem sendo tão desafiadoras. E, no futuro, haverá muitos benefícios que agora, no meio da tormenta, não conseguimos vislumbrar. Entre eles, o maior uso das ferramentas tecnológicas auxiliando o aprendizado. Isso trará aulas mais interativas, aumentando e melhorando a qualidade do aprendizado. Este período de isolamento social, determinado de forma repentina, mudou as expectativas de todos nós para o ano de 2020. É como se o ano ainda não tivesse iniciado, pois a grande maioria não pôde colocar em prática os planos estabelecidos para este ano em qualquer área da vida, seja no trabalho, nos estudos, etc.

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