Ainda examinando o legado de Toynbee, arvoro-me em dizer que ele foi pioneiro no estudo da globalização ocidental e do que se chama atualmente de história do mundo (world history). Em 1952, ele proferiu as conferências Reith a convite da BBC. Ele adiantava, nas conferências, o que publicaria nos últimos quatro volumes de “Um estudo de história”, em 1954. Reunidas, essas conferências resultaram no livro “O mundo e o ocidente”, traduzido para o português do Brasil em 1955 (São Paulo: Companhia Editora Nacional).
Um legítimo historiador nascido no ocidente daria ao livro o título de “O Ocidente e o mundo”, mas Toynbee inverteu propositalmente a ordem das palavras por entender que “... o Ocidente nunca foi a única parte importante do mundo. O ocidente não foi o único ator no palco da história moderna, nem mesmo ao atingir o auge de seu poderio [...] no choque entre o mundo e o Ocidente, o qual vem se verificando há quatrocentos ou quinhentos anos, o mundo, e não o Ocidente, é a parte que, até agora, tem tido a experiência mais significativa. Não é o Ocidente que tem sido atacado pelo mundo; é o mundo que tem sido atacado — e atacado com violência — pelo Ocidente.””Por isso, explica ele, o mundo vem em primeiro lugar no título do livro.
Ele examina, então, as relações do Ocidente com as civilizações vivas no período de expansão da Europa Ocidental, ou seja, a partir do século XV. Essas civilizações não ocidentais são a Rússia (parte da civilização cristã ortodoxa), o Islã, a Índia e o Extremo Oriente (compreendidas aqui a civilização chinesa e seus satélites japonês, coreano e vietnamita). Num debate com o Ocidente, “os russos (vão lembrar que) seu país foi invadido, por exércitos terrestres ocidentais, em 1941, 1915, 1812, 1709 e 1610”. Acaso o leitor conhece essas invasões?
Continua ele: “os povos da África e da Ásia lembrar-lhe-ão que os missionários, mercadores e soldados ocidentais do além-mar vêm investindo contra os seus países, pelo mar, desde o século quinze. Os asiáticos também lhe recordarão que, dentro desse mesmo período, os ocidentais ficaram com o quinhão do leão das últimas terras vagas do mundo existentes nas Américas, na Austrália, na Nova Zelândia e na África do Sul e Oriental.”
“Os africanos recordar-lhe-ão que foram escravizados e deportados através do Atlântico, a fim de servir colonizadores europeus das Américas como instrumentos vivos da ambição de riqueza de seus amos ocidentais. Os descendentes da população aborígene da América do Norte recordar-lhe-ão que seus ancestrais foram expulsos de suas terras a fim de dar lugar aos intrusos e aos seus escravos africanos.”
Transcrevo as palavras de Toynbee por não saber escrever uma síntese tão eloquente. No livro, ele mostra, de forma breve, não apenas as imposições violentas e sutis de seu domínio e de sua cultura aos outros povos do mundo, formando, assim, o maior processo de globalização que se conhece na história. Ele mostra também, no interior de cada civilização, personagens que se encantaram com o Ocidente ou entenderam que o domínio ocidental parecia inevitável. São os ocidentalizadores. Aqueles que tomaram a iniciativa de ocidentalizar suas civilizações.
Na Rússia, destaca-se a figura de Pedro o Grande, no início do século XVIII. O projeto comunista, que tomou o poder na Rússia czarista em 1917, foi concebido no Ocidente. No mundo islâmico, cabe destacar os nomes dos sultões Selim II e Mahmud II, além do presidente Mustafá Kemal Ataturk, na Turquia, e Mehmed Ali Pashá, no Egito. Na Índia, Portugal fundou Goa, uma porta para o ocidente entrar no Oriente. É bem conhecido o esforço de Gandhi não apenas para expulsar a dominação britânica, mas também a influência ocidental na cultura hinduísta. Esforço hercúleo e inútil, pois seu amigo Nehru era um ardoroso admirador do Ocidente e se tornou governante do país, colocando em ação um plano de ocidentalização.
Na China, Coreia, Japão e Vietnã, os esforços ocidentais para dominar e converter sua população ao cristianismo resultaran em fracasso nos primeiros tempos. Que se veja o filme “Silêncio”, do cristão Martin Scorsese. Na China, a abertura para o Ocidente foi feita de forma violenta no século XIX. Ela foi forçada a se abrir para o ocidente com as “Guerras do Ópio”, travadas pela Inglaterra no século XIX. Houve uma reação chinesa com a “Rebelião dos Boxers”, em 1900. Em 1911, foi proclamada a república chinesa, regime estranho àquela civilização. Mais estranho ainda foi a Revolução Comunista, em 1949. No Japão, a Revolução Meiji, em 1867, inaugurou a ocidentalização de Japão, a partir de pressão feita pelos Estados Unidos.
Por mais que as contribuições de Toynbee tenham sido contestadas, vale a pena conhecê-las, ainda que sumariamente, como um pioneiro dos estudos da globalização ocidental. Os mais simples livros do inglês causam no leitor uma sensação de desconforto e de ignorância, pois ele é deslocado do seu centro ocidental. Nomes e acontecimentos jamais encontrados nos livros de história merecem dele atenção especial.