Entre todos os fatos estranhos e inimagináveis que chegaram junto com a pandemia, talvez o encontro como nosso próprio “eu” seja o mais compreensível. No antigo “normal” que, convenhamos, de normal não tem nada, passávamos pouco tempo com os nossos e, menos ainda, com nós mesmos.
Talvez seja por isso o choque tão grande diante da pessoa que somos e que ficava camuflada, enquanto sobressaia o “eu” profissional, o “eu” amigo, o “eu” incentivador, o “eu” fitness, o “eu” apaixonado, o “eu” invejado-por-ter-uma-vida-perfeita-na-internet. Tantos “eus”, que a essência de cada pessoa ficou perdida. Ser obrigado, não pelo poder público, como muitos insistem em dizer, mas pela vida a ficar em isolamento social, nos obrigou também a conviver com aqueles que, muitas vezes, tornaram-se apenas um apêndice em nossas vidas — família, filhos (sobre isso, pretendo falar em uma crônica posterior) e nós mesmos.
Lidar com os filhos 24 horas, sem estar no modo férias, foi um desafio a mais. Isso porque faz tempo que entregamos nossas crianças à responsabilidade de escolas, cursos, atividades esportivas. Tudo muito necessário, mas que, confessemos, acabou nos afastando e, não raras vezes, tornando nossos filhos verdadeiros desconhecidos.
A educação há um bom tempo vem repleta de conhecimento teórico, mas muito pouca prática por parte de nós, pais. Resultado? Passamos anos culpando e cobrando de escolas, reclamando e morando na mesma casa de indivíduos que conhecemos apenas superficialmente. Passar a conviver, no dia a dia, sem passeios de férias e, ainda, com obrigações cotidianas... Mas, quer saber?
De certa forma, foi bom e uma oportunidade a mais para conhecermos e consertarmos o que necessita ser consertado.
Isso não vale apenas para nossos filhos e nossa família. O tempo de isolamento mais intenso — vamos lembrar que a recomendação por isolamento continua — foi a chance de nos conhecermos ou lembrarmos quem somos e quem éramos. Uma nova chance para colocarmos em prática. O novo “eu” deve ser para valer, mesmo quando o chamado “novo” normal chegar de fato.
Dar valor ao que realmente tem, não abrir mão do contato físico (já tinha pensado antes como faz falta um abraço), valorizar o tempo tão eterno e, ao mesmo tempo, tão etéreo. Ame seu novo “eu”, e lembre-se que estamos tendo uma nova oportunidade. Não desperdice.