Cinema: Guerra naval
Felipe Fernandes 28/07/2020 16:36 - Atualizado em 03/08/2020 17:45
“Greyhound” – Uma das características mais marcantes das últimas grandes produções de filmes de guerra é a imersão. São obras que buscam, por meios narrativos e estéticos, criar uma experiência que reproduza no espectador um pouco da experiência vivida pelos personagens. Os exemplos mais famosos nesse sentido são “Dunkirk” (filme de guerra de Christopher Nolan) e “1917” (com seus complexos planos sequências). Eis que chega ao serviço de streaming “Greyhound”, drama de guerra naval escrito e estrelado pelo astro Tom Hanks.
O filme se passa durante a Segunda Guerra, mais precisamente na Batalha do Atlântico, e mostra a jornada de um comboio de 37 navios mercantes que sai dos Estados Unidos e precisa cruzar o oceano para chegar à Inglaterra, tendo como escolta três navios de guerra. No trajeto, os navios passaram 50 horas sem apoio aéreo, ficando praticamente desprotegidos perante os temidos U-boats, submarinos da marinha alemã.
Escrito por Tom Hanks (seu terceiro roteiro para cinema) e baseado no livro “The Good Sheperd” (“O Bom Pastor”, de CS Forester, o filme se passa praticamente todo dentro do conflito, tndo o capitão Krause (Tom Hanks) como único personagem com quem conseguimos ter o mínimo de identificação.
O roteiro é bem enxuto nesse sentido. O filme abre com um pequeno flashback e segue para o oceano, onde acompanhamos um pouco da rotina dos tripulantes até serem atacados pelo primeiro inimigo.
Desenvolvimento de personagem quase não existe. O capitão Krauser é o único com o mínimo de desenvolvimento. Assim mesmo, é um desenvolvimento que acontece mais da forma com que ele é visto e respeitado por seus tripulantes do que a nível pessoal.
Apesar de ser uma marinheiro experiente, ele está em sua primeira missão como capitão, e o crescimento de sua moral junto à tripulação é um elemento importante. Nos primeiros momentos, todos seguem suas ordens, mas é notória alguma desconfiança, e o roteiro é eficiente em construir essa credibilidade não só junto à tripulação, como também ao espectador, e a escalação de Hanks facilita muito nesse sentido.
Com o navio em batalha, o filme ganha tensão. O texto de Hanks usa praticamente só o vocabulário dos marinheiros, e, por mais que não façamos ideia de muito do que está sendo dito, essa confusão aumenta a sensação de tensão e, junto à trilha sonora e à montagem ágil, nos permite imergir naquele navio.
A fotografia de Shelly Johnsson (“Capitão América: O primeiro vingador”) trabalha um tom azulado que permeia todo o filme e é responsável por fazer com que os navios e o mar se misturem, contribuindo para a sensação de desorientação das batalhas.
Essa sensação é outro elemento importante. O filme adota o ponto de vista do navio e dos marinheiros, fazendo assim com que não consigamos ver o inimigo na maior parte do tempo, afinal se trata de uma batalha de navios contra submarinos. Um artifício que funciona dramaticamente, já que, ao não saber a localização da ameaça, tudo se torna mais tenso.
O filme tem uma estrutura que basicamente segue de confronto para confronto, tendo apenas um único momento de respiro, com um detalhe perturbador, já no fim da cena, que traz um peso real para aquela batalha.
Essa estrutura encurta o tempo de duração, mas um respiro para entendermos os efeitos das batalhas nos personagens, até mesmo um pouco da relação entre eles, faria muito bem ao filme. O espectador não consegue distinguir mais que meia dúzia de personagens. O resto deles são marinheiros de roupas e fisionomia parecidas bradando vocabulário naval.
O diretor Aaron Schneider se sai bem ao trabalhar uma obra que tem um contraste interessante entre a claustrofobia do interior do navio e a larga escala das batalhas ao mar, e consegue manter a tensão durante todo o longa, mesmo que, em sua parte final, tudo se torne um pouco repetitivo e cansativo.
“Greyhound” é um filme de guerra naval eficiente, tenso, com batalhas interessantes e bem-sucedido em sua imersão, mas falta a ele um elemento essencial neste tipo de projeto, que é o lado humano. Não me refiro a discursos emotivos no ato final, mas dar um pouco de personalidade aos personagens traria um peso maior para o filme.
É uma pena que não possamos ter a experiência de ver esse filme nos cinemas. Um filme dessa escala foi feito pensando na tela grande, que certamente iria agregar muito na experiência cinematográfica.

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