*Edgar Vianna de Andrade
21/07/2020 18:50 - Atualizado em 24/07/2020 18:47
Recentemente, revi dois filmes que podem ser comparados. O primeiro se intitula “É proibido procriar”, dirigido por Michael Campus e lançado em 1972. A principal personagem é representada por Geraldine Chaplin. O segundo é “A decadência de uma espécie”, de Volker Schlöndorff, lançado em 1990. Trata-se da primeira adaptação para o cinema de “O conto da aia”, de Margaret Atwood.
Os dois retratam um futuro distópico. No primeiro, a população mundial cresceu de tal maneira que os recursos não mais podem atender às demandas da humanidade. Trata-se de um filme com forte marca neomalthusiana. Enquanto o malthusianismo clássico demonstrava que a produção de alimentos não poderia atender às necessidades da humanidade, por esta crescer em progressão geométrica e aquela em progressão aritmética, o neomalthusianismo observa que os recursos naturais são finitos e não poderão atender a uma demanda capitalista da humanidade no futuro.
Futuros distópicos relacionados à crise ambiental começam a se tornar frequentes a partir da década de 1970. “É proibido procriar” foi lançado no ano da Conferência de Estocolmo, o marco inaugural da questão ambiental. Nele, o futuro aparece sombrio. As pessoas se movimentam em meio a um espaço público enfumaçado e poluído. A alimentação é racionada. As pessoas se deleitam com os alimentos do passado exibidos na televisão. Os casais não podem mais ter filhos. Para satisfazer o instinto maternal e paternal, o Estado (não se sabe qual) fornece crianças robôs que tentam imitar crianças de carne e osso. A fila para adoção é imensa. No meio disso tudo, a personagem de Geraldine Chaplin não se conforma com um boneco. Ela quer uma criança de verdade. Os casais que tivessem filhos humanos eram condenados à morte com a aprovação de todos.
Ela engravida e tem de esconder a gravidez por nove meses. Quando a criança nasce, o casal vizinho deseja se apossar dela. Detentor do segredo, esse casal se torna uma ameaça. Os pais da criança de verdade são obrigados a empreender uma fuga surreal para um lugar degradado, mas natural. Lá, parece que estarão fora dos olhos do Estado todo-poderoso. Em suspenso, fica a conclusão. Trata-se de uma defesa do direito de procriar ou de uma advertência do que pode acontecer no futuro se a humanidade continuar crescendo.
Enquanto filme, “A decadência de uma espécie” deixa a desejar. Nunca li “O conto da aia” e provavelmente nunca o lerei. Não vem ao caso. Uma vez que um filme toma obra literária como roteiro, a linguagem passa a ser outra. Ao contrário do primeiro, “A decadência de uma espécie” mostra um país (certamente os Estados Unidos) depois de uma guerra civil. O Estado se tornou ditatorial e militarizado. Os rebeldes tentam destruí-lo.
Em vez de população em excesso, há escassez de crianças. As mulheres jovens e férteis são preparadas para procriar. As inférteis com posses se inscrevem para ganhar um bebê gerado por outra. Num tom religioso, o líder (ou um deles) requisita mulheres jovens para fecundá-las. São as aias. Sua esposa, já infértil pela idade, ajuda o marido nas suas relações sexuais, sempre antecedidas pela leitura de um trecho bíblico. Tudo leva a crer que esse líder seja estéril. No final, um empregado se incumbe de fecundar uma aia.
Ao lado do cotidiano obscurantista, a vida do período pré-ditadura existe para a devassidão dos homens. Em caráter secreto atuam os rebeldes. O filme não se presta a interpretações eloquentes.