Nunca pensei que eu fosse merecer a atenção de umas geringonças que uma espécie animal inventou 115 milhões de anos depois da minha extinção. Aliás, eu nunca pensei. Só agi para viver. Aliás, eu não sei o significado de aliás. Talvez, eu matasse algum exemplar de homem para comer, se a gente se encontrasse. Mas esses bichos só encontraram meus ossos no sertão do Ceará. Vivi numa época em que tudo era junto, da América à Ásia. Eles já escreveram sobre mim e me deram um nome horrível por sinal: “Aratasaurus museunacionali”. O significado é lagarto nascido do fogo do prédio em que eu estava. Dizem que meu esqueleto não foi destruído por um incêndio porque ele estava num prédio ao lado do prédio que pegou fogo. Era um palácio que se transformou num museu. Estava caindo aos pedaços. Era mais fácil pegar fogo do que a Terra quando recebeu aquela bola de fogo vinda do céu. Foi o início do meu fim. Tudo isso está gravado na minha memória física. Aconteceu há muito tempo.
Botaram esse nome em mim, mas não gostei. Preferia não ter nome, como no passado. Esses bichos gostam de botar nome. Um cachorro não bota nome no outro. O gato também não. Mas todos eles se reconhecem. Se eles vivessem no meu tempo, provavelmente eu os comeria. Sua carne deve ser saborosa como a dos animais que eu comia no meu tempo.
Disseram que eu tive primos que viviam na China. Não sei o que é primo nem China. Um monte de gente estudou meus ossos, que estavam largados há doze anos naquele prédio atrás do que pegou fogo. Eles escreveram sobre mim e publicaram. Todos assinaram. Acho que nem todo mundo que assinou sabe direito quem eu fui, mas esse bicho que agora tomou conta da Terra ganha ponto num currículo de nome estranho. Aí, eles fingem que estudam. Um escreve e muitos assinam.
Eles encontraram meus ossos na bacia do Araripe. Não existia esse nome. Só sei que lá tinha muito bicho voador que eles batizaram de pterossauro. Eles também descobriram que eu era caçador. Sei disso. Eu corria atrás de outros bichos e os matava com a garra dos meus pés e das minhas mãos (eram minhas patas). Fiquei muito tempo embaixo da terra. Só sobraram de mim pedaços da minha perna e do meu pé com dedos e garras.
Eles não me conheciam. No meu tempo, quando um bicho morria, ninguém enterrava. Ele ficava lá até se decompor. Só sobravam os ossos, que iam se desgastando com o tempo. De mim, só encontraram uma pata. Por ela, chegaram à conclusão de que eu sou uma espécie nova. Eles erraram. Sou uma espécie muito antiga. Vivi antes que esses bichos aparecessem. Eles querem dizer que eu passei a ser conhecido e que sou um dinossauro recentemente.
Mais: eles dizem que eu sou uma forma primitiva de celurossauro. Fica difícil de entender essas classificações. Eu pensei que todos os bichos da minha época e que estavam perto de mim ou eram comida ou eram mais fortes que eu. Soube que, mais tarde, tive parentes famosos, carnívoros como eu. Eles foram batizados de “Tyrannosaurus” e “Velociraptor”. Esses bichos chegaram a ganhar filmes. Foi preciso usar truques, pois nenhum deles estava vivo. Mas disseram que meu parente mais próximo foi um bicho chinês que eles batizaram de “Zuolong salleei”. Viveu bem antes de mim. Também é um nome estranho. Melhor do que o meu, que é uma mistura de grego, latim e tupi.
Pelo meu pé, descobriram que eu devo ter morrido com quatro anos de idade e que ficaria bem maior quando ficasse adulto. Não lembro do que me aconteceu. Não sei se uma pedra caiu em cima de mim e me matou. Descobriram também que meu corpo era coberto de penas. Eles disseram que a grande bola de fogo vinda do céu não acabou com todos nós. Que nós temos parentes que sobreviveram. Eles chamam os sobreviventes de aves. Já vi alguns deles. Um é chamado de avestruz. Outro é chamado de galinha. A carne deles deve ser gostosa. Nunca comi nenhum. Não existiam no meu tempo.
Acho que agora vão fazer desenhos de mim em cartão e em livrinhos. Devem me fazer também como boneco para vender para os seus filhotes. Eles adoram os bichos do meu tempo, mas morrem de medo quando me veem num negócio que eles chamam de cinema. Alguns acham que os humanos não conseguiriam viver no nosso tempo porque nós comeríamos todos eles. Acho o contrário: acho que nós estaríamos sendo eliminados por eles, assim como fazem com bichos chamados baleias, elefantes, rinocerontes, pangolins e um montão de outros. Nós éramos até boa gente perto deles. Nós só caçávamos para comer. Eles caçam pra ganhar dinheiro, coisa que desconheço.
Ainda bem que não vivi no tempo deles.