Cândida Albernaz: Canto do rio
Cândida Albernaz 15/07/2020 14:14 - Atualizado em 24/07/2020 18:42
Existe um lugar que criei para mim. Não é sonho porque posso tocá-lo. Não é real porque nele parece que o mundo não existe.
Cada cantinho tem um desejo, cada pedaço me tem em partes.
Nele tem uma lua que não chega de mansinho, ela vai entrando no espaço do céu e parece cobrir com sua luz cada buraco escuro que possa existir. Ali não há escuridão.
Há uma rede amarela ou azul?, presa a uma goiabeira.
Cheira a terra. Cheira a amor.
Neste lugar que sempre sonhei, os pés pisam firmes na terra enquanto asas imaginárias fazem o sentir voar.
Sabe quando o céu está cheio de estrelas e não é necessário luneta para vê-las? Ali tem.
Sabe revoada de pássaros quando menos se espera causando alvoroço ao redor? Ali tem.
Fruta no pé? Pico na roupa? Formigueiro (socorro!)? Som do vento imitando música? Também.
Mas a melhor parte é quando com todas as luzes apagadas a fogueira crepita e suas chamas formam as sombras que queremos imaginar.
Alguns poderiam se apegar tanto a ponto de dizer:
— Quero ser enterrado aqui.
Eu não. Neste Canto quero viver, sentir, respirar, chorar, sorrir e abraçar meu próprio corpo com braços que não têm fim.
Tomar café sob o bambuzal. Caminhar olhando para o chão vigiando cobra, lagarta e tendo a certeza de que se as encontrar, elas serão lindas: coral e preta, como as borboletas que encontrei batendo as asas depois de saírem do casulo.
Notícias do mundo real não chegam ali. Não sabem o caminho. E nunca deixarei que descubram.
Ali ou aqui é meu. Meu e seu. Nosso.
Cabana com luz própria, frio que o corpo aquece e medos que ficam do lado de fora da cancela.
Desejo desde jovem. Você deseja desde sempre. Adoro realizar desejos. Você também.
Sonhadora serei para sempre. Pés no chão por muito tempo me deixam exausta.
Chalé pequeno, micro, gigante ao nosso olhar. Casinhas transformam-se em palácios quando são emassadas com querer.
Palácios? Quem falou sobre isto aqui? Estes cansam, costumam ser frios, cobertos de brilho que ofuscam, mas têm alma pequena.
Meu castelo sempre terá água de rio, flor do mato, cheiro de terra quando chove e mosquitos. Por que não? Repelente neles, porque ninguém é de ferro.
Também será possuidor de risos e sorrisos, de olhar a lua crescente abraçados e fingir não temer o que se tem pavor.
Mas o que mais terá (tem ali): calor. Não aquele que incomoda, mas o que nos faz lembrar que ser feliz de vez em quando, em pequenas porções pode ser sentido como uma imensa felicidade, daquela que transborda pelos poros, como água jorrando de cachoeira.
O mais importante é quando você entende que pouco, quase nada pode ser um sem fim de paz. E para esta, meus queridos, eu tiro o chapéu. Aquele que não uso para que o sol ilumine direto o rosto e faça com que feche os olhos diante de seu brilho, apenas para que possa ver os sentidos e nada mais ao redor.

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