(The Old Guard) — A Netflix vem, nos últimos tempos, investindo em filmes de ação com potencial para criação de franquias, um artifício que ainda não emplacou no serviço de streaming. A estratégia é sempre parecida: um material de ação estrelado por um ator ou atriz de peso que traga apelo junto ao grande público. E a nova aposta da gigante do streaming é de “The Old Guard”.
Baseado na série em quadrinhos de Greg Rucka, que aqui faz sua estreia como roteirista ao adaptar o próprio material, o filme traz uma premissa meio batida, mas que permite expansão de diferentes formas, se mostrando um material com enorme potencial para uma franquia.
Na trama, Andy (Charlize Theron) é uma guerreira imortal que lidera um grupo de imortais realizando missões com o objetivo de salvar vidas e melhorar o mundo. Vivendo na clandestinidade, artifício que lhes dá liberdade de ação e esconde sua condição, o grupo cai em uma armadilha e acaba tendo seu segredo exposto. Logo em seguida, eles tomam conhecimento do surgimento de uma nova imortal, algo que não acontece há séculos, e eles partem para adicionar essa nova integrante ao grupo.
— Vocês são os vilões ou os mocinhos ?
— Depende do século.
Um dos maiores acertos do filme é não buscar explicar demais a fonte ou origem dos poderes dos personagens. Somos logo de cara apresentados ao grupo na missão em que terminam sendo revelados, e o surgimento da nova imortal funciona como a entrada também do espectador nos segredos do grupo.
Nile (Kiki Layne) funciona como um artifício do roteiro para introduzir o espectador, pois, assim como ela, estamos aprendendo sobre aqueles personagens, e é através dos questionamentos dela que a história milenar e as motivações daqueles personagens são pouco a pouco apresentadas.
O roteiro de Rucka é mais focado na expansão daquela história, narrando mais elementos do passado do grupo que na construção de personagens. Fora a protagonista Andy, os outros membros do grupo ganham pequenas motivações, que são o suficiente que nos importemos minimamente com cada um deles. Artifício ressaltado pela sensação de unidade que o grupo consegue transmitir, um elemento importante do roteiro que se deve muito à química entre os atores.
Se o filme consegue criar personagens minimamente interessantes e um background relevante para os personagens do grupo, o mesmo não pode se dizer sobre os vilões. Com exceção de Copley (Chiwetel Ejiofor), que ganha um pequena motivação, não dá nem para chamar os outros vilões de personagens. São caricaturas da pior espécie que enfraquecem o filme ao não representarem um desafio à altura.
A produção tem um detalhe curioso. O filme foi realizado por dois diretores de fotografia que trabalharam juntos, algo bem incomum, mas que ganha sentido quando vemos os envolvidos. A fotógrafa Tami Reiker (parceira habitual da diretora) é mais habituada às cenas dramáticas. Já Barry Ackroyd é o diretor de fotografia parceiro de Paul Greengrass, um diretor famosos por suas cenas de ação tensas e verossímeis. Uma parceria misturando dois estilos distintos; uma decisão interessante, que parece ter sido sabotada na sala de edição.
Dirigido por Gina Prince-Bythewood (“Além dos limites”), o filme tem um ritmo desequilibrado, não conseguindo mesclar as sequências de ação com as cenas mais dramáticas de uma forma coesa, um problema que fica muito claro no segundo ato.
As cenas de ação são bem coreografadas, privilegiam planos mais abertos e mais longos, criando uma sensação mais verdadeira, além de nos permitir entender como o grupo luta como uma unidade e mantendo sempre o espectador dentro da cena, sem criar aquela confusão muito comum em filmes com cenas picotadas em que pouco se entende o desenrolar do confronto.
O filme tem um bom elenco. Todos estão bem, mas o grande destaque é a sul-africana Charlize Theron (“Mad Max: Estrada da fúria”). Uma atriz premiada que vem, nos últimos anos, mesclando filmes mais sérios com papéis em filmes de ação de maior qualidade, e vem se consolidando como a protagonista de filmes de ação da atualidade.
Ela se destaca nas cenas dramáticas, com um ar sempre melancólico. A atriz consegue transparecer o peso da imortalidade e das perdas que carrega sua personagem. Nas cenas de ação, ela atua de fato na maioria delas, viabilizando assim uma maior veracidade da ação, e permitindo à diretora e ao montador o uso de planos mais longos, ao não precisarem abusar dos cortes para esconder o uso de dublês.
“The Old Guard” funciona como filme de ação e entretenimento. Não vai decepcionar os fãs do gênero, mas, principalmente, funciona muito bem como filme de introdução e pontapé inicial para o início de uma franquia repleta de possibilidades. Com conceitos e uma mitologia interessante, a provável sequência indica, principalmente fazendo uso de melhores vilões, uma promessa já estabelecida no gancho final.