Vírus, bactérias, protozoários e fungos sabem sempre o que fazer com eficiência sem saber que sabem. Eles vão direto ao ponto, parasitando seres vivos multicelulares sem hesitação. Nós é que hesitamos por desconhecer o invasor. A cultura ocidental está contribuindo muito para a propagação do novo coronavírus. Cientistas e médicos têm opiniões distintas e até contraditórias no processo de conhecimento do agente da nova pandemia. As autoridades governamentais vacilam ainda mais. Umas aceitam a ciência, que sabe o que recomendar, embora ainda sem a necessária segurança. Outras negam a ciência e colaboram com a disseminação do vírus.
Por sua vez, a diversidade social colabora com o vírus. Primeiramente, cabe considerar a distribuição de renda. Quem tem dinheiro pode se refugiar e evitar o vírus. Se ele alcançar o rico, este pode pagar por melhor tratamento em clínicas particulares. Já o pobre vive concentrado em lugares inadequados. Não por querer, mas por não poder. Não se trata de aglomeração, mas de concentração. Os pobres moram em lugares apertados: muitas pessoas numa casa e muitas casas num local sem saneamento básico.
Além do mais, precisam trabalhar. Notadamente nos países pobres presididos por governos indiferentes, como no Brasil. Os Estados Unidos são considerados a maior economia do mundo, mas são governados por um presidente cético que defende a primazia do seu país no mundo. O nível econômico das pessoas não tem contribuído muito, pois a riqueza pode atrair a doença, já que os Estados Unidos estão conectados ao mundo, por mais que seu presidente advogue um nacionalismo retrógrado.
Enfim, a necessidade de se isolar para fugir do vírus e a pressão da economia dominante para o retorno a uma normalidade pré-pandemia afetam mais os pobres que os ricos. Empresários e governantes querem continuar a ganhar para se enriquecer mais ainda. Trabalhadores precisam ganhar seu salário, já que o Estado não garante sua sobrevivência. Mas, no final, todos dependem da mesma economia.
“O homem de terno branco”, filme de 1951 dirigido por Alexander Mackendrick, mostra, por meio de uma ficção científica de humor, como funciona a economia de mercado. Costa-Gavras também mostrou esse funcionamento cruel em “O corte”, filme de 2005. Em “O homem de terno branco”, um químico (Alex Guinness), empregado numa indústria têxtil, inventa um tecido que nunca envelhece e à prova de manchas. Ele é idealista e acredita estar contribuindo para o bem-estar da humanidade. Os pobres não precisarão mais gastar dinheiro com roupas. Consta que um imperador romano, informado que um artesão havia inventado uma tecnologia nova para fabricar de vidro, mandou que um servidor seu o localizasse não para condecorá-lo, mas para matá-lo. A nova tecnologia poderia criar desemprego e revolta contra o próprio imperador.
O químico que inventou o novo tecido acredita que merecerá o agradecimento do seu patrão. O acionista maior da empresa oferece-lhe, através da filha de um dos patrões, polpuda quantia para que ele venda a invenção e nunca mais tente reinventá-la. Um tecido eterno representaria a falência da fábrica e o fim da indústria têxtil. A moça encarregada do contato cobra caro pela sua tarefa. Tudo tem seu preço no mercado. O inventor não desiste e recorre aos operários da fábrica em busca de apoio. Eles o repudiam. Um tecido que não se desgasta e não mancha acabaria com seus empregos.
No final, até uma velha lavadeira o hostiliza, pois um tecido que não mancha dispensaria o seu trabalho. Mas, em se tratando de uma ficção científica cruzada com comédia, tudo termina bem para a economia de mercado e mal para o inventor.