Com Trump ou sem ele, a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos noticia, com toda a liberdade, que as temperaturas médias anuais da Terra estão subindo há pelo menos três décadas. Não basta apenas os cientistas e as instituições anunciarem. É preciso que os governos e os agentes econômicos se movimentem dentro dos limites do capitalismo para adotar práticas que reduzam as emissões de gases do efeito estufa derivados de diversas atividades.
Recentemente, foi anunciado o registro de 38°C em Verkhoiansk, na Sibéria, região da Rússia, que tem parte dentro do círculo polar ártico. Verkhoiansk é uma das cidades mais frias do mundo. Foi um recorde de temperatura. Algo que seria normal no verão do Rio de Janeiro, mas não no verão siberiano. No dia seguinte, a temperatura alcançou 32,2°C. No inverno do ano passado, a temperatura em Verkhoiansk chegou a marcar -60°C. Em 1892, os termômetros atingiram -67,78°C. A oscilação climática foi bem mais acentuada que nas regiões tropical e subtropicais. Nunca se viu algo assim no Rio de Janeiro: uma oscilação de 98°C entre o verão e o inverno.
Essas oscilações na Sibéria estão constituindo o novo normal, expressão cada vez mais na moda. Como consequência, a neve e o gelo têm se derretido de forma acelerada, o que contribui para a decomposição do solo da região. Os incêndios tornam-se, também mais frequentes. Mas a notícia não leva a população, os governantes e os empresários a se preocuparem. Trata-se de mais uma notícia que interessa à comunidade científica e aos ambientalistas.
Logo em seguida, os jornais, os telejornais, as plataformas eletrônicas anunciaram que uma nuvem gigante de gafanhotos partiu do Paraguai e se dirigiu à Argentina, havendo a possibilidade de invadir o sul do Brasil. Logo, cientistas, ambientalistas e jornalistas de ciência buscam um elo entre mudanças ambientais e a onda dos insetos devoradores de lavouras. Embora não se saiba com segurança o que motiva as nuvens de gafanhoto na América do Sul, há fortes indícios de que a monocultura e o aquecimento climático favoreçam a formação de exércitos desses insetos vorazes. Deus, responsável pelas pragas do Egito, saiu da história.
A monocultura oferece alimento fácil para eles. Não é preciso procurar comida. Ela está ali com fartura. A eliminação dos predadores naturais permite que os gafanhotos se movimentem sem preocupação. Como, porém, os gafanhotos se concentram num espaço determinado, por maior que ele seja, a notícia entra por um ouvido e sai por outro. Embora não existam estudos relacionando deslocamentos em massa de gafanhotos e mudanças climáticas, é prudente ficar atento a essa relação.
Como se comportam as pessoas diante desses eventos? Depende de que pessoas. Os pobres no Brasil e no mundo talvez nem sejam alcançados pelas notícias. A classe média vai recebê-las com insensibilidade. Talvez uma exclamação com elementos religiosos seja pensada ou balbuciada: “Deus do céu! Que horror! O mundo está mesmo mudando”. Não garanto uma comoção mínima de quem tomou conhecimento do caso. Afinal, para quem mora longe do sul do Brasil, os gafanhotos estão distantes. Os governos se apressam em noticiar alguma providência para combater o inseto predador. A preocupação maior neste caso fica por conta dos donos do agronegócio ameaçado. Eles podem brandir o alarme de que os preços de produtos agrícolas podem aumentar. Mas, é certo que não vão causar comoção nacional ou regional.
O mesmo se pode esperar do recorde de temperatura em Verkhoiansk. “Onde fica esse lugar afinal? Tem gente que mora lá? Um calorzinho de vez em quando não faz mal. Vi nas imagens que a população de lá até aproveitou o calor para pegar um banho de rio”. Ambos os assuntos vão, mais uma vez, ficar para os cientistas e ambientalistas. Creio até que já ganharam as “lives”, que também entraram na moda nesse tempo de recolhimento. O ciclone bomba que varreu o sul do Brasil apavorou os que vivem lá, mas logo será esquecido. Governos municipais, estaduais e federal não se convencerão da relação entre o fenômeno e as mudanças climáticas. Caso se convençam, vão se sentir impotentes para tomar alguma providência que reduza a emissão de gases do efeito estufa. Hesitarão em construir abrigos para a população, acreditando sempre que se trata de um fenômeno isolado.
De todos os fenômenos ambientais de origem humana que acompanho há 40 anos, nunca encontrei um mais assustador que a pandemia causada pelo vírus Sars-Cov-2 ou Covid-19. Sentimos o calor na pele, vemos os estragos de tempestades, como as que assolaram o Sudeste brasileiro no verão de 2020. Acompanhamos os recentes incêndios na Amazônia e em outras florestas tropicais. Recebemos notícias dos incêndios e dos furacões que assolam os Estados Unidos. Recebemos essas notícias meio que anestesiados.
Não vemos o vírus, mas sentimos seus efeitos imediatamente. Assim que os sintomas da contaminação começam a se manifestar, entramos em pânico com medo da morte. Mesmo não contaminados, morremos de medo de contrair a virose. Mas, mesmo assim, facilitamos ou somos obrigados a facilitar a entrada do vírus em nosso corpo.