Matheus Berriel
23/06/2020 21:01 - Atualizado em 24/07/2020 18:25
“Mais grave do que a extinção do Ministério da Cultura é a completa ausência de compreensão do valor da cultura ou, para ser mais clara, do que vem a ser cultura”. A afirmação é da cantora, compositora, atriz e dramaturga Ana de Hollanda, ministra da pasta em 2011 e 2012, no primeiro mandato da presidente Dilma Roussef. Além de ter atendido a Folha, Ana foi entrevistada na última segunda-feira (22) pelo professor e pesquisador Marcelo Sampaio, presidente do Conselho Municipal de Cultura de Campos, que desde abril realiza uma série de bate-papos por seu centro cultural via perfil pessoal no Facebook.
— Escolhi Ana de Hollanda porque, além de admirá-la como cantora e compositora, tenho profundo respeito pelos seus posicionamentos político-culturais. Ela já ocupou diversos cargos como gestora na área da cultura, inclusive o de ministra no governo da presidente Dilma Rousseff. Possui um DNA artístico dos mais talentosos, e transita com desenvoltura por muitas áreas — afirmou Marcelo Sampaio.
Na pauta, estiveram passagens vividas por Ana de Hollanda em família, como com os irmãos Chico Buarque, Miúcha e Cristina Buarque. E também detalhes de sua produção cultural. À Folha, Ana opinou sobre temas como a exclusão do ministério da Cultura, hoje secretaria especial vinculada ao Ministério do Turismo; e as atuações do dramaturgo Roberto Alvim e da atriz Regina Duarte enquanto titulares da pasta, comandada desde a última sexta (19) pelo ator e apresentador Mário Frias.
— Para se tornar apenas um cabide de emprego para políticos do Centrão, que só se interessam por órgãos que possam lhes trazer vantagens financeiras, é melhor que deixem quieto o Ministério da Cultura, com suas missões. Mas, há também os políticos ideológicos como, no caso extremo, o Roberto Alvim que, além de corrupto ao fazer uso do cargo para proveito próprio e de sua mulher, introduziu propostas de dirigismo cultural e censura artística, o que é ilegal e oposto a qualquer entendimento da liberdade de criação que é inerente à cultura. O discurso plagiado do ministro da Propaganda de Hitler, (Joseph) Goebbels, foi o extremo da demonstração do quanto ele pretendia dirigir, controlar e censurar as artes. Quanto à Regina, sinceramente, não entendi por que ela aceitou o cargo, conhecendo Bolsonaro e notando, desde o início, que ele a vinha humilhando. Ela não disse a que veio nem o que fez de concreto — analisou Ana de Hollanda.
Entre suas preocupações, Ana revelou a aderente à memória cultural, em especial às dificuldades enfrentadas por órgãos como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a Cinemateca Nacional:
— A gestão do Governo Federal em relação à cultura tem sido desastrosa, como pudemos ver até agora. Há pouco, foi aprovada no Congresso a Lei Emergencial da Cultura, ou Lei Aldir Blanc. Mas, não se sabe se o presidente pretende sancioná-la. Até agora, nada foi feito de construtivo pelo Executivo, mas, o que mais me preocupo é com a memória que, uma vez destruída, não se recompõe.
Com shows cancelados devido à pandemia do novo coronavírus, Ana de Hollanda tem usado o tempo livre para aumentar sua produção artística. Aos 71 anos, além de trabalhar em parcerias musicais com nomes como Edu Toledo, Simone Guimarães, Lula Barbosa e Carlinho Vesgueiro, ela participa de lives cantando ou relatando suas experiências pessoais e profissionais. Aposentada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e com outros rendimentos além das apresentações, Ana lamenta que grande parcela da classe não consiga ter estabilidade financeira:
— A arte é a primeira a ser cortada numa crise, e a última a ser recompensada, apesar de representar 5,7% de todos os trabalhadores formais. Entre os trabalhadores do setor da cultura, que englobam artistas, escritores, professores de artes, artesãos, técnicos de todas as áreas, produtores, divulgadores, enfim, toda a cadeia produtiva da cultura, 54,8% têm carteira assinada ou contam com microempresa ou Microempreendedor individual (MEI), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em relação aos dados de 2018. Mas, há uma imprecisão em relação a esses dados, já que os informais, que ocupam postos de trabalho eventuais, dificilmente são contabilizados. E são esses, de longe, os que mais sofrem com a crise.
Papos com Marcelo — Na próxima sexta (26), Marcelo Sampaio dará continuidade ao seu projeto virtual entrevistando o estilista e destaque carnavalesco Nelcimar Pires. Na segunda (29), será a vez da professora e atriz Paolla Souza, ambos às 19h. Para julho, está confirmada entrevista com o radialista Francisco Barbosa, da Rádio Tupi, com data a ser definida.
— Tenho mesclado convidados de Campos com de outras cidades, pois isso permite uma maior variedade nos temas. Mas, faço questão de usar o mesmo critério de escolha para todos eles, que sejam pessoas com as quais eu possua afinidade e alguma relação anterior ao bate-papo — explicou.