Quem observa as ações dos governantes brasileiros, sejam eles prefeitos, governadores ou o próprio presidente da República, pode ter a impressão de que há um declínio nas taxas de mortalidade provocadas pelo coronavírus. Todavia, as estatísticas divulgadas diariamente — com atraso cada vez mais dilatado, no caso do Ministério da Saúde — mostram que o número de casos confirmados está em plena ascensão, assim como o número de mortes. Chegamos a 35 mil mortes nesta semana e batemos recordes em números diários de mortes.
Em Campos, nossa situação não parece promissora, mas as últimas medidas da Prefeitura foram no sentido de flexibilização das normas de isolamento. Na semana passada estávamos em regime de lockdown, em um estágio classificado como nível 5 pela Prefeitura, ou seja, o máximo de isolamento. Todavia, o lockdown campista foi uma encenação para “inglês ver”. As ruas das periferias da cidade estavam cheias e alguns cones foram colocados em poucas ruas centrais — apenas para que fossem contornados mais à frente pelos motoristas. Mesmo assim, o lockdown deve ter produzido algum efeito, efeito este que não pode ser suficiente para embasar movimentos de flexibilização comprometida realmente com a preservação de vidas. O que estamos presenciando em termos de flexibilização mais parece um tradicional “deixa pocá!” campista do que um procedimento pautado por critérios técnicos e racionais. As incertezas relativas ao Hospital de Campanha já seriam motivo suficiente para muita cautela, mas não foram suficientes.
No dia 01 de maio de 2020, Campos apresentou um boletim onde constavam 91 casos confirmados e 07 óbitos. Um mês depois, no dia 01 de junho, o boletim indicava 762 casos e 52 óbitos. Em um período de 1 mês, portanto, tivemos 671 casos, o que resulta em uma média de aproximadamente 21,6 novos casos por dia. A situação não se estabilizou e, para constatar isso, basta observar os dados da primeira semana de junho. Dia 02: 783 casos; dia 03: 844; dia 04: 886; e dia 05: 929. E já contamos 64 mortos. É curioso observar que a Prefeitura aderiu a um movimento do Ministério da Saúde que há algumas semanas vem tentando criar um clima de otimismo, enfatizando os casos de pessoas recuperadas e deixando menos destacados a cada dia o número de mortes no site da pasta. Após a queda do ministro Nelson Teich, a Secretaria de Comunicação foi dando o tom da apresentação dos dados da doença e chegou ao ponto de publicar, no dia 18 de maio, a mensagem que sintetiza a perspectiva do governo federal: “Hoje o Brasil comemora 100 mil vidas salvas em meio à crise mundial”. Assim, o Ministério da Saúde passou a colocar para escanteio os dados sobre as vítimas da Covid-19, criando um “Placar da Vida” e minimizando o potencial destrutivo da pandemia. No Tweeter, alguém comparou a relevância do número de recuperados à importância do gol de Oscar no fatídico certame em que a Seleção Brasileira perdeu para a Alemanha por 7x1.
Em Campos, a fé de que é preciso ser otimista também se fez presente, confirmando o sucesso da atuação da Secom na divulgação dos dados do Ministério da Saúde. Todos os dias, quando a Prefeitura divulgava seus boletins sobre a doença, rapidamente surgiam comentários nas redes sociais: “E foram quantos recuperados?”; “Por que não falam dos recuperados?”. Por uma questão de economia de esforço, a Prefeitura passou a publicar, no dia 02 deste mês, o número de recuperados — como se isso apagasse o fato de que mais e mais pessoas perderam suas vidas para uma doença que não é uma gripezinha. Não, definitivamente tal atitude não apaga o peso das mortes; mas pelo menos poupa o trabalho de responder a quem quer valorizar o gol de Oscar e negligenciar os gols de Thomas Müller, Miroslav Klose, Tony Kroos (duas vezes!), Sami Khedira e André Schürrle (duas vezes!). O que está em declínio não é o coronavírus, mas sim a razão de nossos governantes e, também do nosso povo.