A Organização Mundial da Saúde declarou, no dia 11 de março de 2020, a existência de uma pandemia. Era uma quarta-feira e, de imediato, a declaração não trouxe qualquer impacto ao sistema educacional brasileiro: as aulas continuaram ao longo da quarta, da quinta e da sexta-feira. Todavia, as atividades letivas foram suspensas e permaneceram assim desde a segunda-feira de 16 de março. Desde então escolas e universidades se deparam com questionamentos sobre o futuro da Educação.
Durante os primeiros dias, quando não se sabia ao certo como proceder, houve uma suspensão das atividades de ensino. Com o passar do tempo, algumas escolas e faculdades particulares decidiram adotar sistemas de ensino remoto, fazendo uso de aplicativos de comunicação para ministrar aulas online. É preciso frisar que não houve qualquer tipo de preparação para isso: estudantes e professores foram lançados, da noite para o dia, na difícil missão de continuar as atividades educativas através de dispositivos móveis de comunicação em tempo real. Alguns professores compraram quadros – e até mesmo computadores e outros dispositivos – para ingressar nessa jornada. As aulas não adotavam modelos diferentes daqueles utilizados na experiência de ensino presencial: cabia ao professor falar para seus alunos por intermédio de uma câmera e escrever no quadro tal como sempre aconteceu. É claro que algum tempo passou para que isso acontecesse, pois em um primeiro momento havia total indefinição e professores davam aulas de 20 minutos e chegaram a enviar questões por aplicativos de mensagens. O improviso foi a regra – tanto para alunos quanto para professores.
Os dias de ensino remoto se transformaram em semanas e as semanas em meses. O que era um improviso temporário foi se transformando em um arranjo necessário com duração indeterminada. Isso escancarou as desigualdades do sistema educacional. Estudantes que não tinham estrutura para assistir aulas remotas, mas que possuíam condições para investir nisso, trataram de criar ambientes mais agradáveis para assistir suas aulas. Aqueles que não tinham condições para isso, então, permaneceram improvisando o acesso através dos dispositivos disponíveis. E para completar o quadro: aqueles que não dispunham nem de condições precárias de acesso à Internet, nem de meios para adquiri-las, viram-se excluídos do sistema educacional. Muitas turmas que antes tinham 30 estudantes, virtualmente não conseguem incluir nem a metade. Estudantes de áreas afastadas, que pegavam dois ou mais transportes para chegar à escola, que não dispunham de dispositivos de teleinformática nem de acesso à Internet, ficaram de fora do direito de acesso à Educação.
Os professores, por sua vez, tiveram suas rotinas drasticamente transformadas. Sem tempo para adaptar-se aos novos instrumentos para ministrar suas aulas, mergulharam às cegas em ambientes virtuais de aprendizagem. A responsabilidade pela propriedade de instrumentos de trabalho foi lançada sobre eles, que tiveram que adquirir por conta própria equipamentos para o exercício da docência. E não fica por aí: pois rotinas exaustivas de trabalho foram impostas, impondo, além das aulas, atividades de atendimento aos estudantes, reuniões remotas e todas as outras atividades que já caracterizavam o ofício: preparação de conteúdo, correção de atividades etc.
O cenário é desolador. Profissionais desgastados ministrando aulas para turmas que foram divididas entre aqueles que podem e aqueles que não podem acessar as aulas. Mesmo aqueles estudantes que conseguem acessar as aulas, por vezes encontram dificuldades com o novo modelo de ensino e não absorvem adequadamente o conteúdo disponibilizado. Há também quem não disponha, em casa, de um ambiente adequado para as atividades educacionais – e isso vale tanto para estudantes quanto para professores.
Estou tratando a “Educação” como um grande pacote, mas há diferenças cruciais que devem ser pensadas. Crianças em processo de letramento ou nos primeiros anos escolares foram lançadas em ambientes de ensino remoto. Muitos pais, também eles adaptando-se a rotinas de trabalho em “home-office”, passaram a ter que trabalhar e auxiliar as crianças em suas atividades, o que criou um contínuo processo de estresse doméstico. Isso para os pais que puderam permanecer trabalhando em casa, pois muitos não tiveram tal condição. Neste caso, o que acontece com as crianças?
Faltou um plano de ação comum para lidar com os efeitos da pandemia sobre a Educação. Faltou, sobretudo, sensibilidade na condução do problema. O ENEM foi adiado, mas apenas depois de muito debate. O Ministério da Educação sustentou enquanto pode a ideia de que “O Brasil não pode parar” e veiculou uma propaganda com jovens em ambientes asseados, organizados e decorados com bandeirinhas, clamando pela manutenção do exame para que uma “geração de novos profissionais” não fosse perdida: “a vida não pode parar” – dizia o jovem do comercial. A vida, no entanto, parou para milhares de pessoas – definitivamente. E o comercial não considerou todos os estudantes que estavam há meses sem aulas. O Enem foi adiado, mas não existe adiamento que recupere o (antigo) fosso de desigualdade que foi ampliada ao longo da pandemia.
O problema do ensino remoto não diz respeito somente aos jovens em idade escolar. Estudantes universitários também foram atingidos pela suspensão das aulas presenciais. E sofrem, tal como os mais jovens, com questões muito semelhantes, desde a dificuldade de acesso até o desencanto de aulas online: “uma aula chata com um professor falando lá na frente, é uma aula chata; uma aula chata com apenas a testa de um professor sendo projetada no monitor é muito pior” – disse um estudante.