Fernando Rossi: Impactos do coronavírus na cultura
01/05/2020 13:37 - Atualizado em 08/05/2020 21:53
A pergunta que todos fazem é: por quanto tempo isso durará?
A pergunta que todos fazem é: por quanto tempo isso durará? / Reprodução
Há uma forte discussão sobre classe e trabalho no contexto da pandemia, amplamente refletida em todo o mundo por intelectuais; em publicações urgentes e “virais”, além de um sem-número de artigos, vídeos, podcasts produzidos e em circulação frenética desde a explosão da Covid-19.
Gostaria de apontar para o aspecto espetacular/teatral do fenômeno do aplauso, bem como para as reconfigurações do teatro e das artes da cena, mais amplamente, em face das transformações da sociabilidade provocadas pelo coronavírus.
Instituições que dependem da afluência do público para a contemplação in loco de suas obras. Falo, principalmente, dos artistas cuja obra demanda o estar aqui-agora da assistência; daqueles cuja sobrevivência repousa no encontro com a plateia. Museus, galerias, teatros; atores, atrizes, circenses, músicos. Profissionais da ópera, da dança, do espetáculo em geral, se veem agora órfãos de suas formas de trabalho e sobrevivência. O impacto é grande.
De repente, artistas, cuja sobrevivência dependia exclusivamente da presença do público apreciador de suas obras, viram-se desempregados e desamparados. Quando digo desempregados, não me refiro a trabalho formalizado, mas ao chamado trabalho “independente” ou “autônomo”, mais comum no campo das artes da cena, por exemplo.
Matéria da Folha de São Paulo publicada em 03 de abril traz no título: “Impacto do coronavírus na cultura será de mais de R$ 100 bilhões, diz especialista”. O texto prevê que a maior preocupação agora deve ser “impedir a falência das empresas do ramo”, que ocupavam, ainda segundo dados da reportagem, 5,2 milhões de pessoas em 2018 no Brasil, a maioria trabalhando “por projeto” e sem vínculos empregatícios. De acordo com o especialista ouvido pelo jornal, João Luiz de Figueiredo, os governos federal, estadual e municipal precisam desenvolver políticas setoriais urgentes para a cultura, permitindo a “manutenção, mesmo que mínima, da oferta de produtos culturais”
Em outros países do mundo ocidental, a situação não é diferente. Nos EUA, em que a crise é das mais graves, com números comparáveis aos da Itália ou da Espanha, sendo a cidade de Nova Iorque a mais atingida pela Covid-19, os teatros e demais aparelhos culturais estão todos fechados.
Naquela que é vendida como a “capital teatral do mundo”, após o 11 de Setembro e o Furacão Sandy, houve períodos de fechamento, mas temporários. Agora, os 41 teatros da Broadway estão cerrados, assim como toda a vida cênica que em torno dela orbita, off-Broadway, off-off-Broadway.
Numa metrópole em que a cultura, e o teatro sobretudo, tem um papel central no turismo – logo, na economia – o contingente de desempregados e desamparados é enorme. O mesmo acontecendo em Londres e Paris, por exemplo.
A pergunta que todos fazem é: por quanto tempo isso durará?
Diante da absoluta incerteza e da necessidade de minimizar os danos para as vidas dos artistas “independentes” e dos equipamentos culturais, em diversos países múltiplas estratégias de enfrentamento estão surgindo:
Fundos de emergência, sistemas de doação, editais de apoio por agentes públicos e privados, redes de solidariedade, grupos organizados para debater soluções, iniciativas para circulação de informações sobre assistência financeira, etc. Há, como se viu no caso brasileiro, um chamado para que o poder público, sobretudo, olhe “com cuidado” para o setor da cultura neste momento.
É possível esperar de governos ultra liberais essa atitude, especialmente do governo federal brasileiro, que vem, sistematicamente, na figura do presidente Jair Bolsonaro, minimizando o impacto do vírus e do número de mortos e potenciais mortos, sob alegação de que a atividade econômica precisa se manter de pé?
É possível esperar de um governo que desmontou o Ministério da Cultura/Minc, que fez da Fundação Nacional de Artes/Funarte um território para a propaganda de ideologias de ultra direita, alguma atenção especial para os trabalhadores da cultura neste momento?

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