O declínio — Neste momento de reclusão social e exceção em que vivemos, alguns filmes e seus elementos passam a fazer um pouco mais de sentido ou se tornam ao menos um pouco mais próximos da realidade. As coisas que temos visto e vivido tornam críveis elementos ficcionais antes distantes de nosso dia a dia.
Novo lançamento da Netflix, a produção franco-canadense “O declínio” traz um grupo de pessoas que vivem suas vidas se preparando para um colapso social, que elas acreditam ser iminente e que pode vir de uma crise econômica, uma invasão imigratória ou até mesmo um surto viral (quem diria).
Na história, o grupo de pessoas se reúne em um acampamento de localização desconhecida para um treinamento, que podemos chamar de intensivo, de sobrevivência para o fim do mundo.
Se trata de um acampamento autossustentável criado e cuidado por Alain (Reál Bossé), o organizador do curso, que vê naquele grupo pessoas sensatas, pois estão se precavendo para o que todos ali acreditam ser o destino natural da sociedade. Após um acidente, acontece uma divisão no grupo, que agora precisa lutar pela própria sobrevivência.
O filme tem uma premissa muito interessante, e seu primeiro ato consegue estabelecer a situação em um ritmo eficiente. Porém, a obra não consegue criar características visuais ou de personalidade marcantes para que o espectador reconheça e diferencie os personagens.
O roteiro arranha temas como a sustentabilidade e os motivos que levaram aquelas pessoas a um tipo de treinamento tão específico, mas não se aprofunda em nenhum deles. Algumas pistas são apresentadas em algumas cenas, mas nunca realmente compreendemos o que levou aquelas pessoas para aquele tipo de treinamento.
O filme trabalha as relações dos personagens de maneira muito superficial, e quando acontece o evento que literalmente o divide (narrativamente falando mesmo), a divisão é meio que natural, e dali em diante se torna um filme de sobrevivência na neve.
O diretor Patrice Laliberté (que nome) faz sua estreia em longas-metragens e acerta ao não tentar estender demais a duração (83 minutos). Talvez o filme funcionasse ainda melhor como um média-metragem. Outro elemento interessante é a forma crua com que ele filma as cenas de ação e violência. Não existe muita dramaticidade, somos pegos de maneira direta, aproximando as situações da realidade.
O elenco sofre com o pouco de material que o roteiro apresenta. São personagens sem muita personalidade, o que afeta diretamente a interação do espectador para com eles.
“O declínio” é um filme bem produzido, com uma premissa muito interessante, que peca pela falta de ousadia dos seus realizadores. O filme levanta temas que poderiam render discussões relevantes, funcionando até mesmo como uma metáfora para momentos extremos, como os que estamos vivendo, mas opta por seguir um caminho mais óbvio. Ainda que entretenha, tinha potencial para muito mais.