* Arthur Soffiati
02/04/2020 16:07 - Atualizado em 04/05/2020 21:16
Num programa de “Os Trapalhões”, Didi (Renato Aragão) tenta entender o que norte-americanos estão falando com ele e olha para os pés do grupo. Outro trapalhão pergunta por que ele tem os olhos fixados nos pés dos estrangeiros. Resposta: “estou tentando ver se tem aquelas letrinhas do cinema pra saber o que eles estão dizendo.” Didi buscava as legendas, como se estivesse diante de um filme não dublado.
Há quem reclame de fundo branco nos filmes, pois eles dificultam a leitura das legendas. A reclamação parte da ideia inconsciente segundo à qual as legendas já vêm com os filmes importados. Sendo assim, os produtores deveriam escolher lugares melhores para colocá-las. Mas, legendas são introduzidas no Brasil. Como os diretores não pensam na exportação dos filmes, despreocupam-se de colocar lugares especiais para elas.
Quando o filme recebe dublagem, as legendas se tornam desnecessárias, conquanto nem sempre as traduções sejam boas. Mas, as legendas também não garantem qualidade. Em extras de DVDs que não contam com a opção de dublagem, as legendas dançam para baixo e para cima, dificultando a concentração do espectador.
Da minha parte, recorro sempre às formas dubladas para prestar mais atenção na imagem, que, de per si, foge dos nossos olhos com o movimento e com os cortes.
Em se tratando dos quadrinhos, outra arte sequencial, dificilmente a legenda pode ser dispensada. Existem criadores que se afinam com o cinema mudo e apelam mais para a imagem. Pinduca (no original Henri) é um destes casos. Ele foi criado por Carl Anderson, em 1932, e prosseguido por John Liney, quando da morte do pai do personagem, em 1942. Pinduca jamais abre a boca para falar. A imagem é que fala em cenas inusitadas e cômicas. Outro é Reizinho (The Little King), criado por Otto Soglow em 1934. Ele se movimenta muito, mas nunca pronuncia palavras. Ambas as tiras eram publicadas em uma página semanal.
Em outros personagens de quadrinhos, a legenda aparece como narrativa indireta e na parte inferior dos quadros, como no cinema. Angelo Agostini, considerado um dos primeiros quadrinistas do mundo, legendava suas histórias desta forma. Também Harold Foster vale-se deste recurso em Príncipe Valente (Prince Valiant), que apareceu em 1937. Talvez a narração indireta visasse proteger o belíssimo traço de manchas provocadas pelos balões e onomatopeias. Foster é um clássico e um quadrinista conservador em sua estética.
No geral, porém, o discurso mais usual nos quadrinhos é direto e fica contido nos balões. Já que desenho não pronuncia palavras, é preciso escrevê-las num local destacado do quadrinho que acabou sendo denominado de balão. Comparado ao cinema, o quadrinho inverte a legenda. No cinema, ela se localiza nos pés. Nos quadrinhos, ela se desloca para a cabeça.
O leitor de quadrinhos tem uma grande vantagem sobre o espectador de filmes. Nos quadrinhos, mesmo a contaminação do balão e da onomatopeia permite apreciar o desenho, já que este não se movimenta. Quem se move são os olhos do leitor. O tempo de leitura deles é escolhido pelo leitor, que pode ser rápido ou lento, inclusive lendo-os por partes em dias seguidos. No cinema, o filme é que corre ante os olhos do espectador, numa duração não estabelecida por ele, mas pela edição. A fita e o DVD permitiram a libertação do espectador em relação ao filme. Os novos recursos tecnológicos possibilitam rodar o filme em câmara lenta, fazê-lo avançar quadro a quadro, acelerar o seu ritmo e até paralisar um fotograma para examiná-lo com detalhe. É possível, inclusive, suspender a apresentação para o momento desejado.