* Arthur Soffiati
30/04/2020 18:27 - Atualizado em 08/05/2020 21:47
A Peste Negra marcou profundamente a sociedade europeia. Ainda nos séculos XV e XVI, ela motivava pinturas. No século XV, um autor desconhecido pintou o magnífico e apavorante quadro “O triunfo da morte”. Ele é atribuído a Guillaume Spicre da Borgonha, artista pouco conhecido. Antonio Pisanello (1395-1455) também pode ter sido o pintor dessa obra. Ele foi um dos mais representativos pintores da primeira fase do renascimento italiano.
No século XVI, o espectro da Peste Negra ainda rondava os artistas. O genial Pieter Bruegel, o Velho foi um deles. Vivendo entre c. 1525/1530-1569, ele foi o mais representativo pintor renascentista flamengo. Sua visão social se revelou avançadíssima para a época, destilando aguda crítica. A peste negra chegou aos seus pincéis em “O triunfo da morte”.
Bernardino de Sahagún nasceu na cidade do México em 1499, pouco tempo depois da chegada de Cristóvão Colombo. Ele era novo quando o México foi conquistado por Cortez. Sahagún se tornou frade franciscano. Conhecendo o espanhol e o náuatle, ele pôde salvar muitos valores culturais dos povos nativos do México. Escreveu vários livros que ajudaram a preservar a cultura nativa. A mais importante e conhecida é “História geral das coisas da Nova Espanha”, toda ela ilustrada com desenhos ao estilo asteca. Ela só foi publicada depois de sua morte. O desenho abaixo mostra como se dava a infecção dos índios em contato com os europeus.
Embora a Peste Negra tenha marcado época, outros surtos a sucederam. Não alcançaram a sua dimensão destruidora. As posteriores tiveram âmbito local, regional e mesmo nacional e não foram tão letais. No Brasil, as epidemias eclodiam a partir de endemias há muito conhecidas e que foram combatidas por sanitaristas a partir do fim do século XIX. Angelo Agostini, nascido na Itália em 1843, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde morreu em 1910. Foi um dos maiores desenhistas do segundo reinado. Além da cartunista e chargista, ele inaugurou a história em quadrinhos no Brasil com o famoso personagem Nhô Quim. Até o momento, é o segundo quadrinista mais antigo do mundo. Registrando a maioria dos acontecimentos de sua época e seus personagens, não escapou do seu olhar as epidemias de febre amarela que eclodiam a partir de endemias.
Passaram-se cinco séculos depois da Peste Negra para que outra epidemia se transformasse numa pandemia de âmbito mundial. Foi a Gripe Espanhola. Acredita-se que seu epicentro tenha sido os Estados Unidos. Ela encontrou ambiente favorável com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Foi escondida pelos países envolvidos no conflito até que a Espanha, neutra na guerra, a revelou. Daí seu nome. Ela atingiu o mundo todo em 1918 em três ondas. Os cálculos mais otimistas acreditam que ela tenha matado 17 milhões de pessoas. Os mais pessimistas, até 100 mil habitantes em todos os continentes.
Egon Schiele, pintor austríaco que viveu entre 1890 e 1918, filiou-se ao expressionismo, movimento fortemente alemão. A morte de seu pai por sífilis o marcou muito. Sua companheira foi Valeria Neuzil, que se tornou sua modelo. Mas casou-se com Edith Harms. Grávida de seis meses, ela foi uma das vítimas da Gripe Espanhola. Schiele a retratou antes de morrer no famoso quadro “A família”.
Também o célebre pintor Edvard Munch (1863-1944) registrou a pandemia depois de ter se curado da gripe, com cabelos ralos, pálido e agasalhando-se com cobertores. Ele se autorretratou durante a doença julgando que morreria, mas sobreviveu.
A pandemia causada pelo Covid-19 já está motivando cartuns pelo mundo todo. Ainda é cedo para examinar os efeitos que a ela exercerá sobre a literatura e as ates visuais. Por ora, fiquemos apenas com o cartum do português Vasco Gargalo. O desenho de humor sobre o novo corona vírus merece um trabalho especial.