*Edgar Vianna de Andrade
19/04/2020 11:23 - Atualizado em 08/05/2020 21:34
No início dos anos 1970, assisti, no Coliseu dos Recreios, ao filme “A crônica de Hellstrom” (1971). O Coliseu já se transformara num cinema “trash”, e o filme me marcou profundamente. Ele aborda a vida real dos insetos e aracnídeos. Eles não são nem bons nem ruins, assim como os vírus. Nunca mais assisti ao premiado documentário, mas assisti a uma infinidade de filmes com insetos, aranhas e outros invertebrados, assim como vertebrados desde os pequenos aos grandes. Grande parte desses filmes é classificada como “trash”. Não se trata de um gênero, como o drama e a comédia, mas de qualidade.
Sempre tomando “Manos” (1966) como referência, o pior filme de todos os tempos em todos os quesitos, um filme “trash” carece de algum elemento. Pode ser um filme de baixo orçamento com propósitos ambiciosos ou com propósitos simplórios. Pode ter um roteiro mal ou bem escrito. Costuma apelar para o absurdo. Invertebrados gigantescos, como em “O ataque das sanguessugas gigantes” (1959) ou vertebrados assassinos, como em “O ataque dos roedores” (1959), dois filmes dos mais sofríveis, mas já considerado clássicos “trash”. Mais que um filme B, o filme “trash” criou um mundo próprio, com seus apreciadores. Quando me surpreendem assistindo a um filme “trash”, perguntam-me como eu posso gostar daquele lixo. Sim, “trash” é lixo em inglês. Eu também me pergunto qual será a postura de quem realmente gosta de um filme desse tipo. Filmes com tubarões voadores, camisinhas e vaginas que decepam pênis, pessoas ligadas por ânus e boca, aranhas que atacam humanos intencional e prazerosamente etc.
O filme “trash” pode também carecer de direção, mal desempenho dos artistas, fotografia primária. Ou combinar: direção ruim com bom orçamento e fotografia; boa direção com desempenho ruim. “A invasão das rãs (1972) “Mutação” (2001), “A invasão” (2002), “Ratos” (2003) e “A praga” (2006) são sofríveis em todos os quesitos. Quem manifesta interesse por esses filmes? Por que um estúdio investe na produção deles? Onde são exibidos? Há retorno de bilheteria? Em nível inferior, está “Baratas assassinas” (1998).
“Invasores” (2001) é mais elaborado, mas com um roteiro mal resolvido. Os invasores vêm do espaço. “O ataque das formigas” (2008) retrata a luta entre a inteligência humana e a inteligência das formigas, bem mais elevada que a nossa segundo o filme. As formigas tiveram seu território invadido e desejam exclusividade sobre ele. “Aranhas assassinas” (2006) também se desenvolve nessa linha. Péssimo em tudo. “Hospedeiros” (2000), ao contrário, mostra a invasão de uma ilha por insetos mortais que podem se alastrar.
Num nível mais atraente está “Seres rastejantes” (2006), considerado um dos filmes mais repugnantes de todos os tempos. Mas o “trash” mostra aqui um lado relevante: a sátira, o exagero proposital, o riso do cinema sobre o próprio cinema. Assim também é “Malditas aranhas” (2002), com Scarlett Johansson no seu 11° filme, ainda com aparência de adolescente bonita. São filmes que não se levam a sério. O verme rastejante e a aranha assassina provocam risos.
Propositalmente, só comentei os filmes “trash” sobre seres não-humanos que podem ser vistos a olho nu. Neles, costuma previsivelmente entrar em cena um quarteto formado pelos animais provenientes do espaço, de uma antiguidade pré-humana, de um território invadido ou de uma experiência laboratorial deliberada ou não proposital. O segundo elemento é um cientista brilhante, como se fosse o único no mundo, geralmente dos Estados Unidos. Em terceiro lugar, um policial ou um militar que se une ao cientista, sendo seu braço armado. É comum que formem um casal e terminem o filme iniciando um romance. Por fim, um empresário inescrupuloso que cria a situação ameaçadora para os humanos ou se beneficia delas. Conhecemos bem essa polarização, sobretudo no Brasil.
Encerro o comentário com o filme “Aracnofobia” (1990), que tem a marca de Steven Spielberg, um dos seus produtores executivos: boa direção, boa fotografia, alto orçamento, bom desempenho dos artistas e aranhas da Venezuela transportadas para uma pequena cidade dos Estados Unidos. É comum os animais assumirem um caráter epidêmico ou pandêmico potencial mas serem contidos num pequeno espaço. Mas toda a ficção científica tem um pouco de “trash”. As aranhas parecem ter consciência e serem más.