A adoção como direito a um lar
Paula Vigneron e Camilla Silva 14/03/2020 16:10 - Atualizado em 15/03/2020 00:53
Idas e vindas por diferentes cidades; pai, mães, irmãos biológicos e adotivos e a espera de mais de dez anos para o reencontro definitivo. Uma infância vivida parcialmente nas ruas de Minas Gerais até a chegada à cidade de Resende, no Rio de Janeiro, de onde saiu para períodos em orfanatos em Campos e Niterói. O primeiro lar adotivo, do qual precisou ser retirada devido a problemas com a mãe biológica e para onde voltou na adolescência, após uma década de espera. O retorno à casa da infância depois de buscas pelo pai adotivo para encontrá-la. A narrativa poderia estar em contos, romances, filmes ou novelas, mas retrata a realidade de Adriana dos Reis, de 36 anos, que afirma ser grata a Deus pela família que a escolheu e acolheu.
Moradora da cidade de Resende, no Sul Fluminense, a auxiliar de Saúde Bucal vivenciou o processo de adoção. Após viver até os seis anos em Minas Gerais, em situação de rua, Adriana e a mãe biológica, grávida, foram para Resende. Posteriormente, a mãe engravidou novamente, e as três meninas foram adotadas por um casal com quatro filhos, mas problemas com a genitora fizeram com que um juiz, inicialmente, as deixasse sob tutela dos pais adotivos e, depois, as enviasse para um orfanato em Niterói, onde ficaram temporariamente.
Moradora da cidade de Resende, no Sul Fluminense, a auxiliar de Saúde Bucal Adriana dos Reis vivenciou o processo de adoção
Moradora da cidade de Resende, no Sul Fluminense, a auxiliar de Saúde Bucal Adriana dos Reis vivenciou o processo de adoção
— Minha mãe veio comigo e com minha irmã na barriga. Um tempo depois, ela conheceu um rapaz aqui e engravidou da minha outra irmã. Eu não me lembro da cidade em que morava em Minas. Tenho lembranças vagas. Era muito pequena. Eu não me lembro de como se deu o acolhimento. Só me lembro da gente na casa deles, eles cuidando da gente. Depois de um tempo, essa mãe biológica começou a dar muito problema, e o juiz tirou a gente dessa família e nos mandou para um orfanato em Niterói. Eles não tinham muitas condições também. Fomos somente nós três. Ficamos uns dois, três anos lá. De-pois, fomos para um orfanato em Campos, que foi o Lar Batista — recordou-se Adriana.
O Lar Batista, orfanato para meninas que funcionava na área de Guarus (atual Centro de Formação Cristã – Feminino), foi inaugurado na época em que Adriana e as irmãs chegaram à cidade.
— Nós inauguramos esse orfanato. Éramos dez meninas. Quando eu cheguei a Campos, eu tinha oito anos. Aí, foi muito legal. O Lar Batista era mantido pelas igrejas batistas. Eu vivi no orfanato dos oito — fiz nove aí e me lembro da festinha — até os 16 anos. Com 16, essa família adotiva encontrou a gente — contou a mulher.
Adriana revelou que a decisão para levar as três filhas adotivas de volta ao lar foi do pai, Romildo, que, em troca de auxílio jurídico para amparar a família, ofereceu os serviços de pedreiro a um advogado. Romildo faleceu em março de 2019.
— Meu pai adotivo faleceu no ano passado. Ele que lutou para trazer a gente de volta para Resende, para o convívio deles. Nós vivemos no Lar Batista por quase dez anos. O pastor e a esposa cuidavam da gente no lar. Eu sou a mais velha das três. Quando eu estava com 16 anos, eles receberam uma ligação e me chamaram para conversar. “Você se lembra do Romildo?”. Aí, eu comecei a lembrar. Tanto tempo que a gente não tinha contato mais...dez anos... Aí, começa a parecer que é coisa da nossa mente, que não era real e tal. Então, eu falei que lembrava — comentou Adriana, emocionada.
Após a ligação, Romildo, Adelaide e um dos filhos saíram de Resende para uma visita ao Lar Batista, onde reencontraram as três filhas. Pouco tempo depois, em 1999, a família retornou à cidade dos pais adotivos. Lá, aos 16 anos, Adriana começou a trabalhar para auxiliar os familiares:
— Quando eu vim para cá, procurei serviço para limpar casa. Eu não tinha curso nem nada. Terminei em Resende meu ensino médio. Saí procurando de porta em porta. Aí, eu cheguei a um restaurante para procurar uma vaga de garçonete, mas não tinha. Tinha de babá, e eu cuidei do João Vitor. Ele tinha dois anos e meio. Hoje, se não me engano, ele tem 20. Ele tem paralisia cerebral. Eu fiquei três anos cuidando dele porque eu estava fazendo técnico em informática. Quando eu terminei, quis entrar na minha área. Mas tenho contato com a família até hoje, tem o sentimento. Esse foi o primeiro trabalho em que fiquei bastante tempo. Antes disso, eu limpei casa.
Para ela, o reencontro com a família, inicialmente, foi estranho devido ao tempo de afastamento. Mas, à medida que os dias passaram, a relação foi sendo restabelecida.
— No começo, foi um pouco difícil. Minhas irmãs eram muito pequenas, mas eu já era maiorzinha quando saí daqui. Então, para elas, acho que foi até mais tranquilo porque elas não tinham convivido muito com eles ainda. Aos poucos, fui me acostumando de novo a chamar de pai, de mãe. Tinham os irmãos também. Foi tudo bem, graças a Deus. Nós fomos acolhidas e havia muita curiosidade de saber como foi todo esse tempo que a gente passou longe, em Campos — contou.
Durante a conversa com a equipe de reportagem, Adriana estava acompanhada pela fi-lha, de nove anos, que desconhecia a história da mãe. Com o passar dos anos e devido a problemas, Adriana e a família adotiva se afastaram, mas Romildo e a neta sempre tiveram um convívio próximo:
— Ela tinha contato com meu pai, mas não sabia na história. Hoje (13 de fevereiro), a gente estava vindo da UPA, eu tive que passar na farmácia, e meu esposo falou com ela no carro: “Sua mãe vai falar com a outra tia lá. Você sabe da história?”, e ela falou que não sabia. Eu nunca tinha me atentado para isso, mas também nunca tinha falado. Agora, ela está ao meu lado, prestando atenção. Ela sabia do meu pai, Romildo, mas, até agora, não sabia que eu era adotada. Sou grata a Deus por ter colocado essa família na minha vida.
Em Campos número de processos cresce
Assim como Adriana dos Reis, adotada definitivamente na adolescência junto às irmãs biológicas, Patrícia e Jussara, de 33 e 32 anos, respectivamente, outros milhares de pequenas e pequenos brasileiros esperam a sua vez de estar em um lar e em uma família. Dados estatísticos do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), revelam que, atualmente, 9.352 crianças e adolescentes aguardam adoção em todo o país. Destas, a maior concentração está na região Sudeste, com 4.098 pessoas na fila. Na região Norte, há 389; no Nordeste, 1.359; no Centro-Oeste, 816; no Sul, 2.690.
Em Campos, dados da CNJ indicam que o número de processos de adoção nas varas de Infância e Juventude mais que quadriplicou entre 2015 e 2019. No ano passado, 30 crianças ou adolescentes foram adotados enquanto, em 2015, apenas sete foram integrados a novas famílias. Em 2016, 2017 e 2018, ocorreram 9, 16 e 29 adoções, respectivamente,
A promotora da Infância e Juventude de Campos, Sandra da Hora, fez um alerta aos adotantes: é preciso ter responsabilidade em relação ao processo e à criança.
— A gente precisa ter os pés no chão, conhecer todo o processo, conhecer a história da criança, respeitar a história dela, que dificuldades ela pode ter sofrido. Até mesmo uma bebê 0 ano tem uma bagagem. Essa família ou pessoa que está adotando essa criança e adolescente tem que responsabilidade de construir uma família. Às vezes, a gente vê uma pessoa deslumbrada, que romantiza o assunto, mas quem vive a maternidade e a paternidade, adotiva ou não, sabe que não é desse jeito.
Regras para quem deseja ser pai ou mãe
De acordo com informações do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), criado em 2019, a idade mínima para se habilitar à adoção é de 18 anos, independente-mente do estado civil, desde que seja respeitada a diferença de 16 anos entre quem de-seja adotar e a criança ou adolescente. O processo é totalmente gratuito. O primeiro passo é buscar a Vara de Infância e Juventude mais próxima da residência de quem pretende adotar, para onde devem ser levados os documentos necessários ao processo para análise.
Em seguida, após a conclusão da análise, os pretendentes passarão por uma avaliação de uma equipe interprofissional. Posteriormente, o futuro adotante participará de um pro-grama especial para ser habilitado no cadastro para adoção. Depois de cumpridas essas etapas, o requerimento para o processo será avaliado por um juiz.
Em caso de deferimento do pedido, os dados do postulante são inseridos no sistema nacional, observando-se a ordem cronológica da decisão judicial. Sandra da Hora, explicou que o tempo dos processos de adoção é variado, dependendo do perfil escolhido pelos adotantes. “Os mais procurados são os bebês 0 ano, menina e branca. A média dessa espera desse perfil é de 4 a 5 anos. Mas, muitas vezes, as pessoas estão fixas em um perfil. De repente, elas vão ao acolhimento, conhecem uma criança fora do que estavam pensando e vêm trocar o perfil no cadastro”, contou, complementando que “a maior parte é de adoções exitosas”.
Ela fez questão de informar que não existe preconceito contra pessoas que desejam adotar unilateralmente (só homem ou só mulher) nem contra casais homoafetivos. As regras são as mesmas e valem para todo mundo.

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