Falta de atendimento na Saúde em Campos
Virna Alencar 07/03/2020 10:00 - Atualizado em 10/03/2020 14:41
José Roberto Crespo, presidente do Sindicato dos Médicos de Campos
José Roberto Crespo, presidente do Sindicato dos Médicos de Campos / Rodrigo Silveira
Quando o assunto é saúde pública, a opinião é unânime entre os campistas: “caos”. A palavra é designada para manifestar a insatisfação da população tanto para a falta de médicos nas unidades como para a qualidade do serviço ofertado pelo poder público municipal. A greve dos médicos em Campos entra no 19º dia sem previsão de término. Segundo os médicos, a paralisação se deve ao descumprimento, pela Prefeitura, de acordo firmado com a categoria, que encerrou a greve no ano passado, e à falta de condições dignas de trabalho. O governo municipal cita perdas constantes de receitas dos royalties do petróleo para justificar o descumprimento, informando melhorias e intervenções que vêm sendo realizadas. Mas, a última semana começou com o escândalo da “farra dos atestados”, denunciada em reportagem exibida pela InterTV, do Grupo Folha, e com denúncia de negligência na morte de uma jovem da Baixada Campista.
A reportagem veiculada no RJ TV 2ª edição de segunda-feira (02) mostrou que médicos da rede municipal que apresentaram atestados à Prefeitura continuaram trabalhando na rede particular de saúde. Dados revelaram a ausência de 16% dos médicos concursados no ano passado, um aumento de 40% de atestados em comparação a 2018. Com a denúncia, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) garantiu que abrirá sindicância, e a 3ª Promotoria de Tutela Coletiva, que vai instaurar inquérito para apurar eventual improbidade administrativa. Na sexta-feira (06), a Prefeitura informou que os denunciados foram identificados, serão encaminhados a uma comissão de sindicância da Fundação Municipal de Saúde, para que seja aberto um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), e ainda anunciou que o procedimento para apresentação de atestados pelo funcionalismo ao Instituto de Previdência dos Servidores Públicos Municipais de Campos (PreviCampos) será modificado, com novas regras a serem publicadas em portaria nos próximos dias.
Dados apontam que Campos tem número de médicos três vezes acima do recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de 1 para cada mil habitantes. Mas, no ano passado, foram 524 atestados apresentados por 207 médicos, um mínimo de 11.688 dias de ausência, o que representa aumento de 40% em relação aos atestados apresentados em 2018, que somaram 524, apresentados por 144 profissionais em um total de 10.100 não trabalhados. Este ano já foram 22 pedidos de afastamento de 19 médicos.
Defesa do Simec
Presidente do Sindicato dos Médicos de Campos (Simec), José Roberto Crespo diz que as condições de trabalho e a carga horária podem fomentar a necessidade de afastamento por indicativos de saúde. Na quarta-feira (04), ele declarou repúdio à denúncia intitulada “farra dos atestados” na Saúde pública de Campos e a qualificou como maldosa.
— Acho que foi, de certa forma, uma denúncia maldosa. Farra é um termo pejorativo, como se todos estivessem no meio, mas são casos pontuais, que precisam ser apurados pelo Cremerj e pela Prefeitura, para avaliar se houve desvio ético por parte desses profissionais. Estive com os citados e eles me mostraram documentos suficientes que comprovam o motivo dos afastamentos. A denúncia também envolveu outro órgão, o de perícia médica do município, profissionais que têm uma carreira e nome a zelar — falou Crespo.
Sem previsão de acordo com a Prefeitura, a greve dos médicos segue por tempo indeterminado. Os atendimentos de urgência e emergência dos hospitais e unidades pré-hospitalares estão mantidos, mas consultas agendadas em Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e em centro de especialidades não são realizadas. Ao todo, a categoria conta com cerca de 1,3 mil profissionais e, destes, cerca de 800 atuam no atendimento ambulatorial. A categoria alega descumprimento, pela gestão municipal, do acordo que pôs fim à greve em agosto do ano passado, e a falta de condições de trabalho.
— O governo tem que entender que o município é extenso, e é preciso uma administração melhor dos recursos destinados a saúde. É preciso otimizar o sistema, mediante um trabalho de monitoramento populacional, por exemplo, observando os postos mais importantes conforme o número de demanda, fechando outros, se for preciso. Mas, o que se observa é falta de materiais básicos até mesmo para realização de cirurgias. Sendo assim, não há condições mínimas de trabalho — finalizou.
Desde que começou a greve, a Prefeitura afirma que o acordo com a classe ainda não pode ser integralmente cumprido devido às constantes quedas de arrecadação das receitas do petróleo e que, só em 2019, as perdas superaram R$ 200 milhões se comparadoas a 2018. Também ressaltou que, ano passado, adquiriu mais de 8 mil itens, incluindo equipamentos médicos e mobiliário para diversas Unidades Básicas de Saúde (UBSs), Unidades Pré-Hospitalares (UPHs), hospitais e programas. O investimento é superior a R$ 9 milhões, vindo de emendas parlamentares.
A Fundação Municipal de Saúde frisou que segue realizando intervenções na estrutura do Hospital Ferreira Machado e Hospital Geral de Guarus, para garantir melhores condições de trabalho aos profissionais e atendimento cada vez mais adequado aos pacientes.
Câmara de Vereadores cobra respostas
Semana passada, a falta de médicos foi denunciada por moradores da Baixada Campista. A professora Elisangela da Silva, 42 anos, denunciou negligência médica como causa da morte da amiga, Camila Reis da Silva, 26, que faleceu em casa, na segunda-feira, em Baixa Grande.
De acordo com a denúncia, Camilla teria sentido falta de ar na quinta-feira (05) e procurou atendimento na unidade de saúde da localidade, passando também pela de Farol de São Thomé e o Hospital São José, em Goitacazes. Em toda a Baixada, ela não teria conseguido atendimento médico. A jovem faleceu às 13h, e o corpo levou 32 horas para ser removido pelo Corpo de Bombeiros, devido à ausência de médico para emitir o atestado de óbito.
No dia seguinte, o assunto foi levado à plenária da Câmara Municipal de Vereadores pelo presidente da Casa Legislativa, Fred Machado, que falou que cobraria respostas das autoridades.
Já a secretaria municipal de Saúde informou que “procedimentos internos serão abertos para apurar a falta de atendimento nas unidades de saúde”.
Enquete:
Marcus Venício Ferreira Machado
Marcus Venício Ferreira Machado / Rodrigo Silveira
“Sábado fez um mês que caí na rua e sofri uma fratura no ombro. Desde então, venho buscando atendimento médico em várias unidades de saúde e fica um jogo de empurra e consultas sendo remarcados. Não consegui ser atendido em nenhum hospital”.
Marcus Venício Ferreira Machado, 54 anos, lanterneiro, morador no Parque Aurora
Odília Soares
Odília Soares / Rodrigo Silveira
“Se a Prefeitura não paga, os médicos, coitados, também ficam sem ter como trabalharem. Acredito, pelo que tenho visto nas notícias, que os médicos não têm culpa, estão no direito deles. São trabalhadores que têm família e contas a pagar, como todos nós”.
Odília Soares, 73 anos, aposentada, moradora do bairro do Caju
Marília Soares
Marília Soares / Rodrigo Silveira
“O que vemos na saúde pública de Campos é falta de médicos, de leitos e de materiais básicos para cirurgias. As estruturas das unidades são precárias. Pacientes ficam nos corredores e colocam em risco a vida de profissionais e da população. Isso é um absurdo”.
Marília Soares, 46 anos, doméstica, moradora do Parque Aeroporto
Paulo Roberto Bastos
Paulo Roberto Bastos / Rodrigo Silveira
“No Ferreira Machado, dizem que a prioridade são vítimas de tiro e acidente. Pessoas que chegam lá para serem atendidas, até mesmo precisando de atendimento de emergência, passam o dia inteiro esperando. É ilusão dizer que saúde é prioridade”
Paulo Roberto Bastos, 71 anos, aposentado, morador do bairro Capão
Paulo Vieira
Paulo Vieira / Rodrigo Silveira
“O dia em que as autoridades precisarem, o Sistema Único de Saúde (SUS) vai mudar. Deputados trazem verbas para o município por meio de emendas, mas não fiscalizam a aplicação do dinheiro. Então, como que a saúde vai ser boa?”
Paulo Vieira, 47 anos, comerciante, morador do Parque Esplanada
Carla Santana
Carla Santana / Rodrigo Silveira
“Existe saúde no município de Campos? Não tem atendimento nos hospitais porque os médicos não estão recebendo. Para quem mora em localidades distantes, a situação é ainda pior. A população fica a mercê, esperando a morte”.
Carla Santana, 36 anos, comerciária, moradora do Parque Esplanada

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