Felipe Fernandes
28/03/2020 14:48 - Atualizado em 04/05/2020 21:29
A casa — Javier é um sujeito orgulhoso. É fácil se identificar com os conflitos e dramas de um homem que vê sua bem-sucedida carreira e sua vida perfeita ruírem, em parte por sua culpa. Mais que perder o luxo conquistado, fruto do seu esforço, Javier gosta de manter as aparências, ele necessita disso.
O primeiro ato de “A casa”, da Netflix, é muito eficiente na construção do protagonista e de seu conflito principal. O roteiro escrito pelos irmãos Àlex e David Pastor (também diretores do filme) estabelece de maneira dinâmica a situação de Javier (Javier Gutiérrez) e sua família.
Enquanto a esposa encara de forma mais direta a situação, Javier carrega o peso do homem provedor, que se sente responsável pela situação e, quando encontra conformismo em sua família, fazendo uma analogia, ele adota uma postura de tentar salvar o barco, mesmo que ele se salve sozinho.
O filme então se torna um suspense em que Javier vira um stalker e vai ganhando a confiança da família que hoje reside em seu antigo apartamento. Assim como o primeiro ato, o início dessa relação é construído de forma cuidadosa, tornando muito natural a relação de Javier com Tomás (Mario Casas).
Um dos acertos do roteiro é o de fazer de Tomás um homem falho, porém de boa índole, mas que é o oposto de Javier. Se o protagonista batalhou para conseguir seu status social anterior e está disposto a tudo para recuperá-lo, Tomás ganhou aquela condição sem muito esforço e se mostra muito insatisfeito com isso.
Um fator interessante é que, apesar de ser muito inteligente, Javier não tem experiência nesse tipo de situação, e as cenas que mostram seus planos fugindo do controle por questões do acaso funcionam por tornar crível aquilo tudo.
Mas, em determinado ponto da produção, Javier vai se tornando mais frio. Seus planos perdem o efeito desse descontrole natural de quem nunca fez algo similar anteriormente e passam a ser muito bem construídos, perdendo muito do tom crível que o filme tinha até ali.
A direção dos irmãos Pastor é eficiente ao criar e manter um ritmo interessante. Conseguem, até certo ponto, trabalhar a tensão de maneira crescente, mas são sabotados pelo próprio roteiro e por seus problemas na transformação do personagem e em seu desfecho.
No elenco, merece destaque Javier Gutiérrez, que encontra o ponto certo do personagem. Ele convence tanto como o cara desesperado, mas que não perde a postura, quanto como o homem frio, que está disposto a cruzar qualquer barreira moral para recuperar sua condição.
Já Mario Casas se destaca como a vítima. Com seu físico forte, ele constrói um personagem que, apesar de bem-sucedido, não se sente confortável com a forma com que conseguiu aquela vida, sendo a antítese do protagonista.
Por mais que os diretores criem rimas visuais que são elegantes em enaltecer os sentimento do protagonista ao final da trama, o desfecho e a forma descuidada com que ele é apresentado põem tudo a perder. “A casa” se mostra um filme com bom elenco e algumas boas ideias desperdiçadas.
Existem vários filmes sobre o tema muito mais competentes e instigantes, e a possível crítica social que o filme aparenta trazer em um primeiro momento e que poderia funcionar como diferencial, é abandonada em pró do suspense e das loucuras do protagonista, deixando-o mais vazio e ordinário.