Matheus Berriel e Channa Vieira
26/03/2020 11:21 - Atualizado em 04/05/2020 21:25
“Imagine todas as pessoas vivendo a vida em paz. Você pode dizer que eu sou um sonhador, mas eu não sou o único. Espero que um dia você junte-se a nós, e o mundo será como um só”. Era mais uma tarde de quarentena quando a canção “Imagine”, da banda inglesa The Beattles, tocada na sala de casa pela cantora e instrumentista Dani Soares, despertou nela um desejo de compartilhar aquele momento com o mundo exterior, que se abre em cada apresentação feita na sacada de seu apartamento. Durante a quarentena pela pandemia do novo coronavírus, os sons do violão e da voz da artista representam alento e companhia para moradores da região da Pelinca, em Campos.
— Estava um silêncio que nunca havia na rua onde moro. Então, me bateu uma vontade incontrolável de ligar o som na sacada e compartilhar com a vizinhança aquele som que me confortava naquele momento. Instantaneamente, as pessoas apareceram nas janelas, sacadas. E ao final da canção, todos aplaudiam. Acho que eles precisavam ouvir a canção, que fala sobre empatia, amor e paz — diz Dani Soares.
O bis virou algo inevitável. Em aparições noturnas na sacada, por volta das 19h, Dani solta a voz com repertório variado, sempre buscando passar uma mensagem positiva à vizinhança.
— Comecei a tocar de três a quatro canções por dia. Já cantei “Tente Outra Vez”, de Raul Seixas; “O tempo não para”, do Cazuza; “Clube da Esquina II”, de Milton Nascimento; “Sujeito de Sorte”, do Belchior, e mais algumas. A cada dia percebo que as pessoas já se posicionam nas janelas e sacadas no horário em que costumo cantar, como uma plateia mesmo, à espera da dose diária de conforto e alegria — conta a artista.
Os moradores da região colaboram com o clima iluminando o visual. Em alguns apartamentos, foram colocadas luzes de diferentes cores, geralmente vistas em festas, para compor o momento. Casais ou simplesmente duplas, de crianças a idosos, encontram naqueles minutos estímulo para enfrentar o isolamento social dançando.
Residente em um prédio vizinho, Silvana Moraes, de 55 anos, achou no som de Dani Soares um remédio para a mãe, de 87, que sofre com problemas respiratórios, integrando duplamente o grupo de risco do coronavírus.
— Tem sido muito difícil esse momento, com muita preocupação, cautela, muito cuidado. E a música tem sido uma alegria para dentro da casa. Minha mãe gosta muito de ouvir e ver as pessoas nas sacadas, acompanhar a alegria, as palmas. Isso tem ajudado a fortalecer a fé e continuar encarando esse momento que todos estamos passado. Assim, juntos, mesmo sem contato, a gente vai vencer tudo isso — afirma Silvana.
A quarentena permite a Dani Soares trabalhar as músicas de um EP que pretende lançar em 2020. O contato com os produtores é feito por vídeo-chamadas. Mas, ela também encontra tempo para pensar nos novos fãs. Canções de Elis Regina e da banda O Rappa estarão no repertório das apresentações, que vão acontecer enquanto houver necessidade de a população continuar em casa.
— Recebi muitas mensagens pelas redes sociais, ligações de vizinhos agradecendo por este gesto. Eles dizem que isso tem se tornado um momento de descontração, e alguns, muito emocionados, falam o quanto têm se sentido mais leves diante dessa difícil situação. Mas, a verdade mesmo é que eu ganho muito mais do que eles, pois a música só faz sentido quando a gente compartilha — finaliza Dani.