Wilson Batista tem parceria póstuma com Delcio Carvalho sobre Campos
Matheus Berriel 21/03/2020 16:29 - Atualizado em 24/03/2020 18:25
Dois gênios do samba, uma cidade em comum
Dois gênios do samba, uma cidade em comum / Divulgação
Nascido em 03 de julho de 1913, Wilson Baptista de Oliveira é um dos maiores compositores brasileiros de todos os tempos. Famoso por uma polêmica com Noel Rosa após chegar ao Rio de Janeiro, assina clássicos do samba como “O Bonde São Januário” e “Lenço no Pescoço”, além do “Samba Rubro-Negro”, que embalou a torcida do Flamengo no tricampeonato carioca de futebol de 1953, 1954 e 1955. Morreu em 1968, aos 55 anos, deixando mais de 500 canções. Um dos grandes representantes de uma geração posterior do samba, o compositor e cantor Delcio Carvalho é de 09 de março de 1939. Em sua obra, sambas como “Sonho Meu”, “Acreditar” e “Candeeiro da Vovó”, todos com Dona Ivone Lara, de quem foi o maior parceiro; e “Esperanças Perdidas”, com Adeilton Alves de Souza, música esta imortalizada pelos Originais do Samba. Delcio faleceu em 2013, aos 74 anos. O que ele e Wilson têm em comum, genialidade à parte, é o fato de ambos terem nascido em Campos. A coincidência está registrada na parceria póstuma “Minha Infância”, que deve ser gravada neste ano pelo Trio Goiabeira.
A letra original, de Wilson Baptista, intitulada “Minha Cidade”, foi descoberta pelo escritor Rodrigo Alzuguir durante pesquisa para produzir a biografia do cantor e compositor, “Wilson Baptista: o samba foi sua glória!”, lançada em 2013 pela Casa da Palavra. Tratava-se de um manuscrito publicado pelo jornalista e historiador Ary Vasconcelos em sua coluna na revista “O Cruzeiro”, numa edição datada de 1956, que apresentava os versos inéditos enaltecendo uma Campos das décadas de 1910 e 1920.
— O Ary disse na coluna que tinha encontrado o Wilson em um almoço, almoçaram juntos, e que ele encontrou nos seus guardados essa letra, que achava até que já tinha perdido. E o Ary, na coluna, até estranha, porque a letra original mencionava “canaviais em flor”. Eu fui checar na internet e, realmente, o canavial dá flor. É uma flor bonita, para o alto, que parece um penacho de pavão. O Wilson não estava errado nisso (risos) — brincou Rodrigo Alzuguir
Em 2013, o achado chegou às mãos dos músicos campistas Fabiano Artiles e Simone Pedro, que auxiliaram Rodrigo na coleta de informações sobre o passado de Wilson na planície goitacá. Não sem antes passar pelas de Delcio Carvalho, que, ainda adolescente, após deixar Campos, foi acolhido e praticamente apadrinhado pelo conterrâneo no Rio de Janeiro. Coube a Delcio fazer a musicalização, com adaptações na letra e no título.
— Como eu e a Simone avançamos muito, conseguimos achar coisas até que o Rodrigo não esperava, ele, em forma de agradecimento, nos presenteou com essa música. Claro, foi uma grande honra. Sempre fui fã do Delcio, desde que me peguei tocando samba e ouvindo música brasileira, choro... E do Wilson Batista, então, nem se fala. E uma honra maior ainda por ser uma letra em que Wilson fala de uma Campos dos Goytacazes que ele viveu e eu não cheguei a conhecer, embora algumas coisas ainda persistam — afirmou Fabiano Artiles.
Era uma Quarta-feira de Cinzas quando Simone Pedro recebeu telefonema de Delcio Carvalho informando sobre a conclusão da música. À época, ainda nem existia o Trio Goiabeira, completado pelo violonista Diogo Vieira e criado apenas em 2015. A letra da canção, inclusive, teve certa influência no batismo do grupo, cujo nome faz alusão ao trecho que destaca as “lindas goiabeiras, magnólias e roseiras do coreto lá da praça”. Simone foi a primeira a cantar “Minha Infância” em uma apresentação. E a levou posteriormente para o Trio Goiabeira, integrando o repertório desde o show de estreia, na Casa de Cultura Villa Maria.
— Foi uma satisfação muito grande enquanto artista. Pela primeira vez, entendi que eu realmente tinha um papel ou uma função na atividade da música. Acho que, como campista, é como se tivesse recebendo algo que era para mim em nome de todos os campistas. Me senti num senso de coletividade. Um campista escreveu a letra, um campista musicalizou e entregou para uma campista cantar. E, definitivamente, vai para um projeto, o Trio Goiabeira, que enaltece justamente o que a gente tem para mostrar da nossa terra. A gente tem esse objetivo de mostrar a nossa identidade cultural através da música — enfatizou Simone Pedro.
Ainda sem data definida, a gravação de “Minha Infância” está prevista para o fim de 2020, no primeiro álbum do Trio Goiabeira. “É uma música que realmente tem uma importância para a gente. Por isso não lançamos antes, estávamos montando um trabalho musical na época. Deixamos para fazer essa gravação num momento mais propício. E vamos buscar recursos. Acho que esse ano tem tudo para ser o momento”, disse Fabiano Artiles.
O álbum que está sendo montado também incluirá músicas como “Quizomba de Bamba” (Luiz Antonio Simas / Vidal Assis), “Ponta do Mar” (Simone Pedro / Zeca Pedrosa) e “Valsinha” ( Diogo Vieira / Simone Pedro), recém-gravadas pelo trio com o selo Soma+Lab. Estas serão lançadas em breve nas plataformas digitais.
Délcio Caralho entregou letra atualizada a Simone Pedro e Fabiano Artiles
Délcio Caralho entregou letra atualizada a Simone Pedro e Fabiano Artiles / Divulgação
“Minha Cidade”
(Wilson Batista)
 
 
 
Minha infância
Foi lá no interior
Numa casa às margens do Paraíba
Cercada de goiabeiras em flor
Eu me lembro,
Foi lá no interior
A primeira calça comprida
O primeiro beijo de amor
 
 
 
Lá, o céu é todo azul
E os canaviais em flor
Na igreja as virgens morenas
Fazem pedidos a São Salvador
Tem usinas de açúcar
Para adoçar o café do mundo inteiro
Me refiro à cidade de Campos
No Estado do Rio de Janeiro
 
 
 
 
 
 
“Minha Infância”
(Wilson Batista / Delcio Carvalho)
 
 
 
Minha infância
Foi lá no interior
Numa casa às margens do Paraíba
Toda cercada de pomares e jardins
Frutas doces, saborosas
Sapoti, manga rosa
Lindas goiabeiras, magnólias e roseiras
Do coreto lá da praça
Onde as bandas musicais faziam retreta aos domingos
Canções que não voltam jamais
Que marcaram pra valer
A razão do meu viver
 
 
 
Lembro-me bem do céu de azul intenso
Enlaçando os canaviais
E o meu sonho juvenil
Doces lembranças da aurora da minha vida
Da primeira calça comprida
Do primeiro beijo de amor
E nesse solo, onde jorra o ouro negro
Divisas para nosso país
Orgulho de ser brasileiro
Usinas de açúcar adoçam o café do mundo inteiro
Me refiro à cidade de Campos
Estado do Rio de Janeiro

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