Invisibilidade em preto e branco
02/03/2020 18:51 - Atualizado em 24/03/2020 18:01
O homem invisível — Em 1897, o escritor inglês H.G. Wells escreveu “O homem invisível”, publicado em capítulos num jornal inglês. No mesmo ano, as partes foram reunidas em livro, considerado hoje o fundador da ficção científica moderna.
Um médico que deixa a medicina para se dedicar a estudos de ótica descobre uma fórmula de se tornar invisível. Ele é prepotente e ambicioso. Para aprimorar sua invenção de modo a poder se tornar visível e invisível com mais controle, ele se retira da cidade e se hospeda numa estalagem barata de um vilarejo vizinho. Embora invisível, seu corpo material continua existindo e sustenta roupas, deixa pegadas e mostra o alimento ingerido até sua digestão. As unhas e os pés não podem ficar sujos para não denunciar a invisibilidade. Na estalagem, o clima é de humor. O próprio cientista brinca com a polícia e com as pessoas, revelando logo sua invisibilidade e tendo que fugir logo em seguida.
De volta à cidade, ele procura um colega que se assusta com sua experiência. O homem invisível quer ser poderoso e, para tanto, não hesita em matar quem lhe bloquear o caminho. O colega, aproveitando-se do sono do homem invisível, alerta seu outro colega sobre o que aconteceu. Esse outro colega é pai da noiva do homem invisível, que não existe na história original. Depois de muita fuga e de muitas peripécias repletas de humor e drama, o homem invisível é cercado, percebido por suas pegadas e morto pela polícia.
Quem assistiu a “O homem invisível”, de 2020, não reconhecerá, na breve descrição aqui feita, o que viu na tela. Não estou comentando o filme em cartaz, mas a primeira versão do romance de Wells levada ao cinema em 1933, com direção do famoso James Whale. Depois de dirigir “Frankenstein” (1931) e “A casa sinistra” (1932), ele usou a liberdade conquistada no estúdio da Universal para filmar “O homem invisível”. Converter a palavra em imagem representou um grande desafio para a época. Pode-se escrever que o homem invisível não viu sua imagem no espelho, mas mostrar uma pessoa retirando a bandagem do rosto diante de um espelho sem que nada seja refletido de trata de uma operação muito difícil para um cinema que não contava com os miraculosos recursos técnicos da atualidade.
Apelando para o “stop motion” e outros truques de montagem, Whale conseguiu o maior sucesso de sua carreira de diretor, assim como projetou um grande ator apenas com a voz e cuja rosto só aparece na última cena. O roteiro do filme não é fiel ao original. Todos os roteiros adaptados não podem ser fieis a menos que sejam originais. Mesmo assim, é mais fiel ao livro de Wells que o roteiro atual. Isto não significa que o atual, escrito por Leigh Whannell, também diretor do filme, seja inferior ao de 1933. Whannell se inspira em Wells para criar um roteiro atual. Agora, sai-se do coletivo para entrar-se no doméstico. O cientista é ambicioso, mas não quer dominar o mundo. Apenas quer manter sua mulher sob seu controle. O clima de “O homem invisível” atual é de permanente suspense, mas nada tendo do gênero terror. Tudo é natural. Nada é sobrenatural. Violência contra a mulher é um tema bastante atual.
Cabe ainda lembrar que o filme de Whale abriu uma franquia promissora, com “O retorno do homem invisível” e “A mulher invisível” (1940), “O agente invisível” (1942), “A vingança do homem invisível” (1942) e até a comédia “Abbott e Costello encontram o homem invisível” (1951). Wells, Whale e Whannell criaram um marcante personagem. Se a “Universal” sai do buraco com o novo filme, só o futuro o dirá.

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