Aldir Sales
22/02/2020 14:23 - Atualizado em 10/03/2020 14:53
A última semana foi marcada pela presença da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, que tentaram iniciar os trabalhos de uma perícia científica nas ruínas da antiga Usina Cambaíba, em Campos, onde o ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) Cláudio Guerra diz ter incinerado os corpos de 12 presos pela ditadura militar entre 1974 e 1975. De acordo com o presidente da comissão, o advogado Marco Vinícius de Carvalho, os trabalhos foram prejudicados pelas condições dos local onde ficavam os fornos e que desmoronaram. Em entrevista ao programa Folha no Ar, na rádio Folha FM, na última quinta-feira (20), Carvalho disse que a possibilidade de encontrar qualquer vestígio é “praticamente impossível”. A inspeção federal trouxe novamente à luz este controverso assunto que continua causando polêmica oito anos depois do lançamento do livro “Memórias de Uma Guerra Suja”, onde Guerra fez os relatos pela primeira vez. A família Ribeiro Gomes, proprietária da usina na época, nega a versão do ex-delegado.
Além do presidente da comissão, também veio de Brasília para a missão o coordenador científico do Instituto de Pesquisa de DNA Forense da Polícia Civil do Distrito Federal, Samuel Ferreira, e o chefe do núcleo de Antropologia Forense do IML Afrânio Peixoto (RJ) e professor da Universidade Veiga de Almeida, Marcos Paulo Machado.
No ano passado, o Ministério Público Federal (MPF) concluiu inquérito onde afirma que as declarações de Cláudio Guerra são verdadeiras. Segundo o MPF, sob a forma de confissão espontânea, Guerra relatou que recolheu no imóvel conhecido como “Casa da Morte”, em Petrópolis, e no Destacamento de Operação de Informação e Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), na Tijuca, os corpos de 12 pessoas, levando-os para Campos, onde, segundo ele, foram incinerados, por sua determinação livre e consciente, nos fornos da usina Cambaíba.
— Isso é importante, pois, de acordo com dados do Relatório de Crimes da Ditadura (2017), apenas seis de 26 pessoas acusadas por crimes cometidos durante a ditadura se tornaram réus em ação penal — explicou o procurador da República Guilherme Virgílio, autor da denúncia.
Entre os corpos, segundo o ex-agente do Dops, estaria Fernando Santa Cruz, pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Felipe Santa Cruz. No entanto, segundo Marco Vinícius de Carvalho, a principal hipótese trabalhada pela comissão é de que Santa Cruz tenha sido sepultado em uma vala clandestina no cemitério de Perus, em São Paulo. Ele também praticamente descartou a chance de encontrar algum vestígio em Cambaíba.
— Essa situação aconteceu nos anos de 1970, essa usina ficou operando até 1998, esses fornos atingiram as temperaturas de aproximadamente 1000°C e ficavam funcionando por cerca de seis meses. Depois, eles eram raspados para retirar as cinzas e esse material era misturado ao vinhoto e descartado. É muito difícil que se encontre alguma situação ali. Vamos supor que se encontre algum vestígio de material orgânico humano. Dado essas circunstâncias, seria possível extrair material genético? Acho muito difícil — relatou o presidente da comissão.
Advogado de herdeiros contesta ex-delegado
Advogado de defesa da família Ribeiro Gomes, Antônio Carlos Senra alega que, na época da moagem, os fornos funcionavam 24 horas por dia e que seria impossível de ninguém ficar sabendo de eventuais corpos. Em 2012, o promotor Marcelo Lessa, do Ministério Público estadual, decidiu por arquivamento de inquérito, após não encontrar elementos suficientes para o prosseguimento das investigações.
— O juiz tinha determinado a guarda e vigia do local por parte da família, mas o antigo parque industrial da usina não pertence mais à família Ribeiro Gomes. Ele foi arrematado em leilão por uma empresa de São João da Barra, que foi incluída no processo. No entanto, a Usina Cambaíba foi excluída. Mas nós queremos voltar a fazer parte desta ação para podermos provar que o que não aconteceu nada do que o Cláudio Guerra disse. A usina não foi notificada, mas entramos com pedido para o adiamento desta missão da comissão (que não foi atendido) — disse o advogado.
“Se fosse da família, pediria reparação”
Marco Vinícius de Carvalho relata, ainda, que Cláudio Guerra pode ser responsabilizado na Justiça se suas declarações não forem comprovadas. Além disso, o presidente da comissão afirmou que ele pediria uma indenização ao ex-agente do Dops no lugar da família Ribeiro Gomes.
— Ele se coloca na posição de poder ser responsabilizado civilmente e até criminalmente por aquilo que ele escreveu. Nós da comissão não temos qualquer relação com isso, nosso trabalho é tentar identificar qualquer vestígio, o que, no momento, é praticamente impossível. Se eu fosse membro dessa família (Ribeiro Gomes), procuraria a Justiça para buscar reparação contra o Cláudio Guerra. Esse tipo de afirmativa, embora diga que quis fazer uma limpeza de consciência, talvez esteja implicando pessoas que podem não ter nada a ver com isso.
Por outro lado, o MPF diz que a confirmação nominal dos corpos levados por Cláudio Guerra para incineração ocorreu em diversos depoimentos prestados à Procuradoria da República do Espírito Santo. Além da confissão, testemunhas e documentos confirmaram a autenticidade dos relatos, de acordo com a procuradoria.
Cláudio informou ao MPF que teria sugerido o forno da Usina Cambaíba como forma de eliminação sem deixar rastros, dado que já utilizava a usina e seus canaviais para desova de “criminosos comuns”. Foi realizada em 19 de agosto de 2014 uma reconstituição no local, com a presença de Cláudio Guerra, com a confirmação de que a abertura dos fornos era suficientemente grande para a entrada de corpos humanos, de acordo com o MPF.