Aldir Sales
19/02/2020 20:09 - Atualizado em 10/03/2020 14:51
Integrantes da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e do Instituto Médico Legal (IML) Afrânio Peixoto começaram a inspecionar, nesta quarta-feira (19), as antigas instalações da Usina Cambaíba, em Campos. O Ministério Público Federal (MPF) concluiu inquérito em 2019 e apontou como verdadeiras as afirmações do ex-delegado do Departamento de Departamento de Ordem Política e Social (Dops) Cláudio Guerra, de que os corpos de 12 presos políticos foram incinerados nos fornos da usina entre os anos de 1973 e 1974, durante a ditadura militar. A família Ribeiro Gomes, proprietária do parque industrial neste período, nega a versão de Guerra.
A inspeção foi pedida pelo próprio MPF e contou com a presença do presidente da Comissão, Marco Vinicius de Carvalho; do coordenador científico do Instituto de Pesquisa de DNA Forense da Polícia Civil do Distrito Federal , Samuel Ferreira; e do chefe do núcleo de Antropologia Forense do IML Afrânio Peixoto e professor da Universidade Veiga de Almeida, Marcos Paulo Machado.
De acordo com Marco Vinícius, a análise técnica ficou prejudicada por causa da ação do tempo. No ano passado, o local onde ficavam os fornos desabou e está em ruínas. “Dentro do processo, chegou a se levantar a possibilidade da guarda e vigia do local, mas seria impossível. A equipe de perícia veio realizar uma análise preliminar. Nos foi informado que os fornos funcionavam a 900°C e foram desativados apenas em 1998, então a possibilidade de encontrar qualquer vestígio é mínima”.
O presidente da Comissão Especial relatou, ainda, que há indícios de depredação nos destroços dos fornos. “Existe uma marca de corte em uma das estruturas. Não dá para falar com certeza, mas é o indício de alguma ação externa. Até mesmo para aguentar o calor intenso, eram estruturas de ferro fundido e que tem valor de venda. Provavelmente, foi alvo de furto”, concluiu Carvalho.
Em 2014, o Ministério Público Federal levou Cláudio Guerra até Cambaíba para realizar reconstituição. O perito médico legista Samuel Ferreira relatou, nesta quarta-feira, que não foi realizada perícia durante os trabalhos há seis anos.
A perícia terá continuidade nesta quinta-feira (20), nos períodos da manhã e da tarde. Após a conclusão, o relatório será anexado ao processo judicial.
Um dos corpos que teriam sido incinerados em Cambaíba, segundo Guerra, seria de Fernando Santa Cruz, pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz. No entanto, esta não é a única versão. A Comissão da Verdade aponta também a possibilidade de ele ter sido sepultado em vala comum, no Cemitério do Perus, em São Paulo.
Cláudio Guerra foi denunciado por ocultação e destruição de cadáveres pelo MPF. O ex-delegado informou que sugeriu o forno da usina Cambaíba como forma de eliminação sem deixar rastros, dado que já utilizava a usina e seus canaviais para desova de criminosos comuns. Foi realizada em 19 de agosto de 2014 uma reconstituição no local, com a presença de Cláudio Guerra, com a confirmação de que a abertura dos fornos era suficientemente grande para a entrada de corpos humanos, de acordo com o MPF.
A defesa da família Ribeiro Gomes alega que, na época da moagem, os fornos funcionavam 24 horas por dia e que seria impossível de ninguém ficar sabendo de eventuais corpos. Em 2012, o promotor Marcelo Lessa, do Ministério Público estadual, decidiu por arquivamento de inquérito, após não encontrar elementos suficientes.
— O juiz tinha determinado a guarda e vigia do local por parte da família, mas o antigo parque industrial da usina não pertence mais à família Ribeiro Gomes. Ele foi arrematado em leilão por uma empresa de São João da Barra, que foi incluída no processo. No entanto, a Usina Cambaíba foi excluída. Mas nós queremos voltar a fazer parte desta ação para podermos provar que o que não aconteceu nada do que o Cláudio Guerra disse. A usina não foi notificada, mas entramos com pedido para o adiamento desta missão do CEMDP — disse o advogado.