O grito — No momento em que um surto virótico eclode na China de forma preocupante para o mundo, Nicolas Pesce empenha-se em dirigir mais uma refilmagem de “O grito”, que começou em 2002 com o diretor japonês Takashi Shimizu. Qual a semelhança entre o surto de coronavírus — agora com o nome oficial de “Covid-19” — e o espírito (para entrar no clima do filme) da franquia? O “Covid-19” aterroriza o natural, pois pode ser comprovado pela ciência de que existe, propaga-se entre as pessoas e pode matar muitas delas num mundo globalizado, enquanto que o cerne da franquia não deixa de ser um vírus que não pode ser visto no mais potente microscópio eletrônico. Quando uma pessoa morre com ódio no coração, seu espírito atormentado contagia os vivos que com ele têm contato, levando-os à morte e ao contágio de outros vivos.
Não é uma ideia original. George Romero parece ter sido o primeiro a concebê-la quando lançou “A noite dos mortos-vivos”, em 1968. Ele não só inaugurou o medo por contágio físico, como também mudou o paradigma do zumbi haitiano. Agora não é mais um morto que se comporta como vivo. O zumbizismo passa a ser uma doença contagiosa, quer resultante de micróbio, quer de radiação, quer de poluição.
O paralelismo entre o “Covid-19” e “O grito” continua, pois uma mulher contrai o ódio de uma alma penada no Japão e o dissemina nos Estados Unidos. Estará esse detalhe pouco explorado corroborando a ideia bastante divulgada na história de “Drácula” de que as doenças e o terror nascem no oriente e se transferem para o ocidente a fim de causar pavor? Se é assim, podemos remontar essa crença à peste negra, na Idade Média.
Tendo feito a tentativa de interpretar o filme pelo lado externo, examinemo-lo pelo lado interno. “O grito” é mais um filme de terror, com todos os clichês do gênero desenvolvidos em outros filmes, notadamente os produzidos nos Estados Unidos. Além de uma pessoa transportar o vírus do terror, estão lá uma grande casa envolta em sombras, as rodovias desertas, as florestas, as figuras femininas de cabelos molhados e escorridos (a exemplo da Samara), as aparições repentinas (que assustam mais pelos ruídos que as acompanham do que por elas mesmas) e a música, que cria clima para gerar o medo.
As montagens atuais tendem ao continuísmo sem cortes aparentes, como em “1917”, ou ao excesso de cortes espaciais e temporais, como em “Adoráveis mulheres”. A edição de “O grito” se insere na categoria do segundo filme. Com tantos cortes, o roteiro só começa a ser percebido pelo espectador não familiarizado com a linguagem cinematográfica do meio para o fim. E o roteiro está a cargo do próprio Nicolas Pesce com a contribuição de Jeff Buhler. Sam Raimi, mestre do gênero “terror”, está na produção e Lin Shaye, a heroína da franquia “Sobrenatural”, integra o elenco.