Aluysio Abreu Barbosa
21/12/2019 16:32 - Atualizado em 08/01/2020 14:14
Ex-presidente da Câmara de Campos, ex-secretário municipal de Desenvolvimento Humano e Social e recentemente empossado como deputado federal, Marcão Gomes (PL) tem uma visão ampla da relação entre Legislativo e Executivo. Que, em Campos, teve a semana mais tensa desde que Rafael Diniz (Cidadania) assumiu seu mandato de prefeito, em 1º de janeiro de 2017. Os vereadores do G-8, que compunham a base do governo e nele ainda mantêm militantes em cargos comissionados, se aliaram à oposição. E, juntos, derrotaram todos os projetos de contingenciamento enviados pelo prefeito de um município em grave crise financeira, inclusive aqueles que não trariam desgaste e reforçariam o caixa do município. Marcão fez a defesa do governo de Campos em críticas que existem desde a eleição de 2016, mas que se tornaram mais contundentes e constantes nos últimos meses. E, se demonstrou ter lado e lealdade na política, não o fez nesta entrevista sem apresentar argumentos.
Folha da Manhã – Ex-presidente da Câmara Municipal, como viu a derrota contundente de todos os projetos enviados pelo governo Rafael Diniz ao Legislativo goitacá, com o G-8 se aliando à oposição, nas duas últimas sessões ordinárias de 2019, de terça (17) e quarta (18)?
Marcão Gomes – Em três anos o governo obteve êxito em todas as pautas enviadas ao Legislativo. Sempre houve diálogo prévio antes da tramitação das matérias e o governo sempre se colocou à disposição para tirar dúvidas. Desta vez não foi diferente. Inclusive, o prefeito fez até uma coletiva para detalhar cada projeto. No entanto, assim como ocorreu em outras legislaturas, quando a eleição se aproxima alguns parlamentares ficam mais apreensivos e surgem movimentos.
Folha – Seu sucessor na presidência da Câmara, Fred Machado (Cidadania) tentou alertar ao prefeito, com quem se reuniu no sábado anterior (14), que a derrota viria se colocasse os projetos em votação. O governo insistiu e foi massacrado. Valeu a pena insistir?
Marcão – Às vezes as derrotas mostram caminhos muito importantes. E derrota maior seria deixar de fazer o que era necessário. O governo não poderia, apesar de ser difícil, deixar de levar ao Legislativo ajustes não só de contingenciamento, mas também de desenvolvimento e captação de recursos. Mas o bloco G8, se unindo ao grupo de oposição oriundo do garotismo, votou contra até os projetos como transparência para hospitais contratualizados, melhor arrecadação com ISS, Zonas Especiais de Negócios (ZENs) e pagamento de dívidas dos cartórios com recursos que seriam destinados à Saúde, beneficiando os hospitais contratualizados.
Folha – Como era a articulação com os vereadores em seus tempos de presidente da Câmara? Secretário de Governo, o jornalista Alexandre Bastos tem sido criticado nesse papel pelos vereadores do G-8. Ele falhou? Em quê? Você teria feito algo diferente?
Marcão – Como disse, os dois primeiros anos são relativamente mais tranquilos. Mas tivemos, em 2017 e 2018, votações difíceis no Legislativo. Em todos os momentos o Alexandre Bastos fez essa ponte importante entre o governo municipal e a Câmara. E dessa vez, talvez por conta dos ânimos mais aflorados por conta da proximidade do pleito eleitoral, alguns choques tenham ocorrido.
Folha – Nos oito anos da gestão municipal Rosinha, seu marido, o ex-governador Anthony Garotinho (sem partido), era o principal articulador com os vereadores. Apontado como “prefeito de fato” pelo Ministério Público e Justiça Eleitoral, ele fazia mais reuniões com a base do que Rafael. E, certo ou errado, o fato é que ele era também mais temido. No jogo jogado da política, não faltam ambas as coisas à atual administração?
Marcão – Alguns fatos demonstram que ele não era tão temido assim. Em 2015, também em um ano que antecedia a eleição, foi criado um bloco chamado “bloco independente”, que chegou a ter 11 vereadores. Em um determinado momento, o vereador Albertinho, que sempre foi muito ligado ao governo, chegou a fazer duras críticas e rasgou o jornal “O Diário” no plenário da Câmara. Houve muita pressão nos bastidores. E, em muitos momentos, Garotinho teve que ceder. Pouco despois o bloco se dissolveu, mas alguns vereadores nunca mais retornaram à base.
Folha – A ameaça de retirar os cargos indicados pelos vereadores que votassem contra os projetos foi considerada a gota d’água no racha do G-8, que pagou para ver. Agora, diante da derrota acachapante nas votações dos projetos, o que seria pior: manter os cargos e ser reduzido a bravateiro, ou retirá-los e governar o último ano com minoria no Legislativo?
Marcão – A vida é feita de escolhas e renúncias. Existem, por certo, ações de ambos os lados que causam descontentamentos, mas o interesse coletivo deve estar acima de todos os outros. Os que realmente acreditam no governo estarão ao lado da cidade e do prefeito. E acredito também que alguns poderão repensar alguns atos.
Folha – No episódio de 21 de novembro, na inauguração do Guarus Plaza Shopping, no dia seguinte à interdição de sete setores do Hospital Geral de Guarus (HGG), as vaias recebidas por Rafael e puxadas pela claque de Wladimir não poderiam ter sido evitadas se, diante do clima hostil, o prefeito não tivesse feito uso da palavra? Lá, como com os vereadores do G-8, não foi um exemplo de coragem dissociado de inteligência emocional?
Marcão – Em minha opinião, a coragem sempre precisa estar alinhada à inteligência emocional. Mas, dias antes, em pleno Centro da cidade, na manifestação em defesa dos royalties, num local aberto, não houve vaia alguma ao prefeito. O que vimos naquele dia foi um movimento político orquestrado. Mas é preciso estar sempre atento a esse jogo sujo de alguns adversários.
Folha – O vereador Igor Pereira (PSB) foi considerado o líder da ruptura do G-8. Na sexta-feira 13, quando o blog Opiniões anunciou em primeira mão o racha na base, Igor negou que estaria articulando para tentar ser vice dos pré-candidatos a prefeito Wladimir Garotinho (PSD) e Caio Vianna (PDT), enquanto tentaria eleger a mãe vereadora. Como você vê?
Marcão – É difícil entender o que o vereador Igor Pereira está pensando. Talvez a gente precise de mais alguns dias para ver esse desenho melhor.
Folha – Na sessão extraordinária de sexta (20), a nova proposta orçamentária do governo foi recusada. Foi uma retaliação do G-8 depois que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara barrou a emenda deles para reduzir o percentual de remanejamento do Orçamento de 30% para 10%, que nos oito anos do governo Rosinha Garotinho (hoje, Patri) era de 50%. O G-8 quer engessar Rafael em 2020?
Marcão – Esse foi mais um movimento difícil de ser compreendido. O prefeito Rafael Diniz tem sido exemplo como um gestor responsável, com as contas de 2017 e 2018 aprovadas pelo TCE por unanimidade. E, mesmo assim, um grupo optou por esse movimento, tentando reduzir de 30% para 10%. E se alguns questionam a falta de diálogo do governo? Será que esse grupo dialogou com alguém antes de fazer isso? Sinceramente, achei muito temerária a reprovação do Orçamento, pois põe em risco toda a economia da cidade. Sem ter autorização orçamentária para realização de despesas, o prefeito não poderá emitir ordens de pagamento e terá que consultar o TCE para saber como fazer e ainda possivelmente judicializar esta decisão da Câmara. Todas as categorias irão sofrer por essa decisão do legislativo. A LOA é uma peça técnica e ela só pode ser rejeitada sob esse prisma. E os vereadores usaram argumentos políticos para reprovar de forma equivocada. Por certo, isso será revisto pelo Poder Judiciário.
Folha – Matéria da Folha de 17 de agosto mostrou como Rosinha teve em seus oito anos, sem correção pelo IPCA, a média de R$ 124,7 milhões nas Participações Especiais (PEs) trimestrais do petróleo. Enquanto Rafael, em dois anos e meio, teve média de R$ 40,8 milhões, sendo que a de novembro foi de apenas R$ 16,9 milhões. Com Orçamento de R$ 1,9 bilhão e R$ 1,1 bilhão para folha de pagamento, há saída que não seja o corte profundo na carne da máquina pública? Rafael não teria que fazer isso logo no início do governo, após um debate profundo com a sociedade? Há como fazer sem cometer suicídio político?
Marcão – Vivemos hoje a maior crise financeira da história de Campos, já que nunca ninguém governou uma máquina tão pesada e custosa com essa escassez de recursos. O que Rafael tem feito desde o início do governo, creio que poucos políticos fariam. Gastou capital político e tomou diversas decisões duras, mas necessárias para sobreviver financeiramente sem recorrer a nova venda do futuro e qualquer outra forma de endividamento. Ao mesmo tempo, trabalhou na melhoria da nossa arrecadação própria, que aconteceu, mas não cobre o tamanho da necessidade do município. Se pelo menos a arrecadação com os royalties seguisse a de 2018, a situação estaria melhor, mas houve uma queda vertiginosa. Ou seja, são necessárias mais medidas de contingenciamento. E digo mais, eu duvido que se algum outro prefeito assumisse a Prefeitura hoje, nesta conjuntura financeira, desfizesse as ações tomadas durante esta gestão.
Folha – Desde a campanha eleitoral de 2016, Rafael sofria críticas por ter suas decisões tomadas dentro de um grupo fechado, todos jovens e com pouca experiência como ele. Ao mantê-lo fechado nas decisões, o governo não rompeu o limite sempre tênue entre a coerência e a teimosia? Como presidente da Câmara e depois secretário de Desenvolvimento Humano e Social, você sentiu ou se sente membro com voz ativa dentro desse grupo?
Marcão – Quem acompanha o dia-a--dia do gabinete do prefeito pode notar que Rafael é o prefeito que mais recebeu pessoas dos mais variados segmentos durante a sua gestão, criticado, inclusive, por alguns que acham que ele deveria estar mais nas ruas. Se antes Campos tinha uma prefeita que não dialogava com ninguém e um prefeito de fato que nem em Campos morava, agora temos um prefeito que está sempre dialogando com muita gente. O problema é que há quem confunda diálogo, esperando sempre um sim. Nem sempre é possível colocar algumas sugestões em prática. Sobre a experiência como secretário, sempre estive próximo não só do prefeito, mas de todos os colegas de outras pastas.
Folha – Há quem também aponte que a vitória no primeiro turno de 2016 teria tornado o prefeito e seu grupo mais próximo arrogantes. No sentido de não terem entendido que a vitória eleitoral foi fruto do cansaço popular do garotismo, não necessariamente das virtudes de quem melhor surfou essa onda. Como enxerga hoje?
Marcão – Basta estar próximo do prefeito para notar que essa impressão não condiz com a realidade. Todos sabem das qualidades e, ao contrário de muitos, não falta humildade e ele reconhece sim as circunstâncias que contribuíram para a vitória no primeiro turno em 2016.
Folha – O modelo que o levou à presidência da Câmara em 2017, com base na troca de interesses entre Legislativo e Executivo, é o mesmo que implodiu agora, com o racha do G-8. Esse sistema que o ex-presidente Fernando Henrique (PSDB) chamou de governo de coalisão, transformado em cooptação nos anos Lula (PT), foi criticado há dois anos em Campos, por quem então defendia que o pacto de governabilidade deveria ser feito com a sociedade civil, não na base do toma lá/dá cá com os vereadores. O risco agora não é ficar sem ambos?
Marcão – Creio que a atual gestão mudou um pouco a forma de fazer política. A relação com a Câmara deixou de ser a da força e passou a ser mais aberta e de diálogo. Se faltaram muitas reuniões com todos, nunca faltou o contato direto de cada vereador com o prefeito, algo que não acontecia. Os projetos antes chegavam minutos antes de votar. Agora são dias para análise e formação da convicção. Sobre a sociedade civil organizada, também foram muitas reuniões e encontros na Prefeitura. Mas volto a dizer: Há quem confunda diálogo com a espera imediata do sim. Nem sempre é possível resolver tudo com o imediatismo que as pessoas esperam.
Folha – Reitores da Uenf e do IFF vitoriosos em pleitos eleitorais recentes, os professores Raúl Palacio e Jefferson Manhães de Azevedo deram entrevista à Folha publicada no último domingo (15). E nela ambos apontaram a falta de comunicação com a sociedade como principal problema do governo Rafael. Mas, sobre a eleição de 2020, advertiram contra “soluções fáceis e fantasiosas” e “alternativas milagrosas”. Qual a sua visão?
Marcão – Campos não tinha Orçamento Participativo, e agora tem. A população participa, dando sugestões, que se transformam em ações concretas. Rafael criou o novo Portal da Transparência, que hoje é considerado um exemplo para todo o país. Campos, que era uma das piores cidades do estado em transparência, se tornou uma das cinco melhores. Este reconhecimento também veio da Controladoria Geral da União: tivemos a terceira maior nota do país na Escala Brasil Transparente pelo Serviço de Informação ao Cidadão (SIC), subindo 761 posições. E reforçando o que disse anteriormente: o prefeito Rafael Diniz dialoga com todos os segmentos da sociedade. Já recebeu em seu gabinete, inclusive, representantes dos sindicatos de servidores, permissionários de vans e moradores do Parque Saraiva; ou seja, nunca se negou a tratar de qualquer tema, mesmo os mais delicados.
Folha – Em entrevista à Folha publicada em 30 de dezembro, Rafael assumiu a pré-candidatura à reeleição como prefeito. E pregou que 2019 seria o ano de “avançar politicamente”, ao anunciar que você iria sair da Câmara para ser secretário municipal. Quase um ano depois, diante do racha com o G-8, houve avanço político?
Marcão – Um racha nem sempre representa retrocesso. É natural em um processo e, muitas vezes, importante para apontar novos caminhos.
Folha – Outro que saiu da Câmara para reforçar politicamente o governo foi Abdu Neme. Após eventos como a greve dos médicos e a disputa com os hospitais contratualizados, acha que ele tem sido exitoso na pasta da Saúde, que se mantém desde o governo Rosinha como principal motivo de queixas da população?
Marcão – Como você bem disse, as queixas na Saúde não são de agora. No governo Rosinha, com um orçamento que chegou a ser o dobro do atual, faltava até leite especial para as crianças, você se recorda? A Saúde sempre será o tema mais sensível de qualquer governo; quanto mais neste momento de queda de receita, que obriga o governo a refazer as contas o tempo todo e, às vezes, fazer a escolha de Sofia. Mas eu confio no trabalho do Dr. Abdu Neme. Sua estratégia é inteligente: reforçar o atendimento nas UBS, que é a atenção básica; estruturar as unidades pré-hospitalares para desafogar os hospitais; e descentralizar os serviços, através do Saúde Distrital, evitando que um morador de Morro do Coco, por exemplo, precise se deslocar até Campos para uma consulta especializada ou exame. Abdu está fazendo o que precisa ser feito, e o resultado, com certeza, virá a médio e longo prazo.
Folha – Quando já definido ao Desenvolvimento Humano e Social, você disse à coluna Ponto Final em 10 de fevereiro: “Campos tem 60 mil famílias em estado de vulnerabilidade. Vou ajudar o governo a se aproximar delas”. Teve êxito? Em matéria da Folha de 24 de março, também projetou retomar este ano o cartão-cooperação (antigo cheque-cidadão) e o Restaurante Popular. Sai frustrado de 2019 e do governo sem ter cumprido as promessas?
Marcão – O governo Rafael Diniz será reconhecido no futuro na pasta social como o governo que transformou vidas. Acabamos com o conceito de assistência social e introduzimos o conceito de desenvolvimento humano e social, o que é muito diferente. Um trabalho importante foi a reestruturação dos 13 Cras (Centros de Referência da Assistência Social), onde ampliamos em 89% o número de atendimentos. Os Cras se tornaram o caminho da transformação para milhares de pessoas, que fizeram cursos de Inclusão Produtiva e conseguiram emprego ou trabalham por conta própria. Isto é desenvolvimento social, o que é muito diferente daquele velho assistencialismo, que se fazia em troca de votos. É lógico, eu gostaria de ter avançado muito mais, mas tivemos grandes conquistas. Fizemos de tudo, inclusive, para reabrir o Restaurante Popular. Desde março estamos negociando a renovação do convênio com o Governo do Estado, que é proprietário do imóvel, mas não tivemos nenhuma resposta favorável. Deixamos a secretaria com um magnífico equipamento que será inaugurado em breve pela Prefeitura, que é a Estação Cidadania, uma área de 7.000 m2, com teatro, quadra de esportes, salas multiuso e um novo Cras. Além disso, eu deixei já empenhado em favor da secretaria mais de R$ 5 milhões, oriundos do gabinete do ex-deputado Paulo Feijó, para construção de cinco novos equipamentos para assistência social, além de muitos outros trabalhos.
Folha – O que o eleitor de Campos e região que deu seu voto a você em 2018 deve esperar agora da sua atuação na Câmara Federal? Qual sua avaliação do mandato de Wladimir, seu novo colega?
Marcão – O deputado Wladimir ocupou um papel importante, estando ao lado do prefeito Rafael Diniz na defesa dos royalties. Eu chego para reforçar esse time e vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para garantir um direito que é nosso. O julgamento no STF está confirmado para o final de abril, e até lá iremos nos reunir com toda bancada do RJ em Brasília no sentido de tentar evitar a partilha dos royalties. Como parlamentar que tem ligação com a Prefeitura de Campos, quero ser o principal interlocutor do município na Câmara dos Deputados. O prefeito Rafael Diniz tem conseguido um grande êxito nas suas idas a Brasília. Vale lembrar que seu governo já conseguiu quatro vezes mais recursos de emendas parlamentares que o governo anterior. Neste momento de grande dificuldade financeira que Campos e os municípios produtores de petróleo atravessam, o papel do deputado federal se tornou fundamental. Estou consciente disso e vou cumprir meu papel, honrando os mais de 40 mil votos que obtive e que fizeram de mim o deputado federal mais votado de Campos.