Aluysio Abreu Barbosa
13/12/2019 08:03 - Atualizado em 17/12/2019 17:52
“Pacote de maldades” como chamam os diretores dos hospitais contratualizados de Campos, ou “necessidade para manter o básico do básico, inclusive para manter os salários dos servidores em dia”, como definiu o secretário de Governo Alexandre Bastos? Na dúvida, o fato é que os sete projetos que o governo Rafael Diniz (Cidadania) enviou na última terça-feira à Câmara Municipal, como parte do plano de contingenciamento das despesas com a queda acentuada na arrecadação do município com as receitas do petróleo, encontrou forte resistência dos setores atingidos. E, ao que parece, rachou a base governista no Legislativo goitacá.
Procurador-geral do município, José Paes Neto, disse esperar que os sete projetos sejam votados antes do recesso parlamentar, após a sessão da próxima quarta. Por sua vez, presidente da Câmara de Campos e comandante da sua pauta, o vereador Fred Machado (Cidadania) trabalha junto aos seus pares pela aprovação dos projetos do governo. Mas esperará o termômetro das emendas a eles, que se esgota às 10h da manhã desta sexta-feira 13, para decidir. Se sentir que não terá os 13 votos necessários à aprovação, pode adiar a votação para o próximo ano legislativo, que será aberto na segunda semana de fevereiro.
Preocupados, os médicos enviaram, na última quarta, representantes para uma reunião na Câmara com os vereadores. No dia seguinte, quinta-feira, foi a vez dos diretores dos hospitais contratualizados fazerem o mesmo. Todos da área da Saúde, os dois setores se mobilizaram contra a aprovação de projetos diferentes. Para o Sindicato dos Médicos de Campos (Simec), o que interessa são dois projetos do governo sobre pessoal: o que trata do auxílio-alimentação e da insalubridade dos servidores, e o que tenta unir as três leis municipais sobre as gratificações do serviço público. Para os hospitais, os alvos são outros dois projetos: o quer obrigá-los a instalar um Portal da Transparência e regras de compliance (programa de integridade) para recebimento da complementação municipal da tabela do Sistema Único de Saúde (SUS), além da adequação do Conselho Municipal de Saúde à orientação que teria sido passada pelo Ministério Público Federal (MPF) de Campos.
Segundo explicou o procurador José Paes, a mudança no auxílio-alimentação é que o limite para seu pagamento seria dado não só no salário base do servidor, mas também os adicionais que ele recebe ao longo da carreira. O mesmo projeto também mudaria a referência de pagamento ao adicional de insalubridade. Atualmente varia entre 10%, 20% e 40% do salário, de acordo com o grau de insalubridade. E o governo quer mudá-lo para valores fixos correspondentes: R$ 100, R$ 200 e R$ 400.
Sobre a tentativa de mudar as gratificações, o procurador lembrou que atualmente há três leis municipais que as regem, às vezes conflitantes. O projeto do governo visa unificá-las. O valor do pagamento não muda, mas a gratificação só seria paga de acordo com o setor em que o servidor atuar. Hoje, todos que trabalham, por exemplo, nos hospitais Ferreira Machado (HFM) e Geral e Guarus (HGG), recebem gratificação. E a proposta é de pagar apenas aos servidores que atuam em setores de maior risco, como a Emergência e a UTI.
Presidente do Simec, José Roberto Crespo esteve na quarta na Câmara. Segundo ele, a pauta original do encontro seria o não cumprimento, por parte do governo, de acordos firmados para o fim da greve dos médicos, em agosto. Só então teria tomado conhecimento das propostas do governo, enviadas no dia anterior. Nessa quinta, ele disse à Folha que algumas medidas dos novos projetos, como a mudança na insalubridade, não poderia ser aprovadas, pois o percentual sobre o valor do salário seria determinado por lei.
— Estamos conversando com Fred e com os demais vereadores para que a coisa não evolua de forma que nos prejudique. A gente conhece os problemas, sabe o que aconteceu nas administrações anteriores, abriram concursos sem necessidade, incharam a máquina. O que é preciso é rearrumar. Campos, hoje, tem o menor salário da região. Não podemos perder direitos adquiridos ao longo dos anos — pregou o presidente do Simec. José Roberto também disse que o não cumprimento dos acordos para o fim da greve e a propagação de novas propostas do governo, que a categoria entende como prejudiciais, já levam movimentos a propor uma assembleia para deflagração de novo estado de greve.
Presidente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas, Casas de Saúde e Estabelecimentos de Serviço de Saúde da Região Norte Fluminense (Sindhnorte) e diretor-geral do Hospital Plantadores de Cana (HPC), Frederico Paes também criticou o pacote de contingenciamento:
— Os projetos são de suma importância para a Saúde do município e entendo que foram feitos e enviados para a Câmara no “apagar das luzes” do ano legislativo, para votar junto ao orçamento do município, sem discutir com a sociedade civil organizada, sem discutir com o Conselho Municipal de Saúde e com os hospitais contratualizados, que não são apenas os filantrópicos, são todos os hospitais e clínicas do município. Então, é uma coisa arbitraria e totalmente inconstitucional — acusou.
Por sua vez, além de garantir a legalidade dos projetos do governo Rafael, seu procurador-geral explicou que as propostas de mudança no Conselho Municipal de Saúde atendem a uma recomendação feita aos conselheiros e à Prefeitura, no início do ano, pelo MPF local. Como, segundo José Paes, os conselheiros nada fizeram, nem chegaram a consenso sobre a proposta enviada pelo governo, este optou em apresentar o projeto na Câmara. Entre as mudanças propostas, o presidente do Conselho Municipal não seria mais necessariamente o secretário de Saúde de Campos, mas alguém eleito pelos conselheiros. Estes também não poderiam permanecer no cargo por mais de dois mandatos subsequentes.
Mas o que mais atingiu o interesse dos hospitais foi a proposta de que cada um, para continuar a receber a complementação municipal, seja obrigado a instalar um portal da transparência, no prazo de 120 dias após a eventual aprovação do projeto e sanção pelo prefeito, além da regras de compliance (programa de integridade), em um prazo de 180 dias.
— Com o portal da transparência, todas as informações sobre contratos celebrados, valores pagos aos funcionários e diretores, dívidas feitas e acumuladas, estariam à disposição do cidadão. O que é seu direito, já que os hospitais contratualizados vivem basicamente do dinheiro público. Outra mudança é que nenhum diretor de hospital poderia estar barrado pela Lei da Ficha Limpa, nem ocupar cargo comissionado em nenhum dos três Poderes, no prazo de dois anos. Quanto às regras de compliance, cada hospital teria a liberdade de fazer as suas, mas com compromisso de prevenir desvio de recursos — explicou José Paes.
Considerado vereador leal ao governo Rafael, Jorginho Virgílio (Patri) participou da reunião de ontem na Câmara com os diretores dos hospitais. Ele ressaltou que cabe à presidência da Casa a determinação da pauta, mas considera que a prioridade antes do recesso deveria ser a aprovação no novo orçamento para 2020, com redução de R$ 98 milhões, também enviado na terça pela Prefeitura.
— Só temos agora as sessões de terça e quarta. E acho pouco tempo para se avaliar os sete projetos enviados pelo governo. Até pela resistência que têm gerado, eles merecem um estudo mais profundo. Sou favorável a se realizar antes uma audiência pública para sua discussão aberta com a sociedade, como propuseram hoje (ontem) os hospitais.
Além dos quatro projetos que geraram forte resistência dos médicos e hospitais, outras três foram enviadas pelo governo à Câmara na terça: um criando regras no Código Tributário para os bancos; outro criando no município três Zonas Especiais de Negócio e, por fim, o que pede autorização para transação judicial com os cartórios da cidade, cujo dinheiro iria todo para os hospitais.