Paula Vigneron
25/12/2019 15:36 - Atualizado em 05/01/2020 09:09
Em 2011, Campos foi projetada nacionalmente após o nascimento da primeira criança por meio da técnica INVO, uma das alternativas oferecidas pelo Centro de Infertilidade e Medicina Fetal do município, que funciona no Hospital Escola Álvaro Alvim (HEAA). Desde então, pesquisas e estudos relacionados a métodos de reprodução têm sido desenvolvidos na unidade. Além dos avanços científicos, a partir deste ano, os pacientes contarão com uma novidade tecnológica que será utilizada durante o tratamento: um aplicativo que permite que os futuros pais acompanhem passo a passo o que acontece no laboratório.
Fruto de parceria entre o Hospital Escola Álvaro Alvim e a Universidade de Valência, na Espanha, o Centro de Infertilidade e Medicina Fetal nasceu em 2006, em um acordo de interesse acadêmico entre as cadeiras de Ginecologia e Obstetrícia da universidade espanhola com a Faculdade de Medicina de Campos (FMC) e, posteriormente, do poder público municipal, através do Fundo de Desenvolvimento de Campos (Fundecam).
Entre 2006 e 2010, de acordo com o ginecologista Francisco Colucci, um dos idealizadores do Centro, a unidade funcionou prioritariamente com tratamentos particulares e pesquisas, até a criação do programa de reprodução assistida da Prefeitura. Inicialmente, quando começou o convênio municipal com o hospital, eram realizados 20 tratamentos por mês.
— Dessas pesquisas, saiu o INVO, que é um método antigo de fertilização, mas remodelado, no qual a mulher faz o papel de incubadora. Não precisa de laboratório. É um método menos custoso e mais aceito psicologicamente pela mãe. Campos foi o primeiro município do país a ter um programa de assistência pública plena como se faz na Europa. Quer dizer, a paciente não paga eminentemente nada — relatou Francisco, ressaltando que, nos últimos cinco anos, devido a problemas inerentes ao serviço, o número de tratamentos foi reduzido para cinco.
Recentemente, a equipe do Centro concluiu uma pesquisa pioneira com o INVO, realizada apenas na unidade e no Canadá. O estudo está relacionado ao tempo em que o embrião pode ser desenvolvido no dispositivo utilizado no tratamento. Bióloga e embriologista, Lílian Aguiar explicou que a função do laboratório é mimetizar o ambiente natural de fertilização.
— A gente utiliza incubadoras que vão imitar o local onde ocorrem os primeiros desenvolvimentos do embrião. Isso eleva bastante o custo do tratamento por ser uma tecnologia cara e necessitar de mais controle. Então, esse dispositivo (do INVO) veio com o objetivo de deixar mais natural e com custo menor. Ao invés de acontecer a fertilização dentro da incubadora, ela vai acontecer dentro da câmara interna, onde nós colocamos o meio de cultura, o mesmo que é utilizado na incubadora. Colocamos até dez óvulos e entre 30 e 50 milhões de espermatozoides. Esse dispositivo vai ficar na cavidade vaginal.
Inicialmente, o dispositivo poderia permanecer na mulher por três dias, mas, com os recentes estudos, ficou comprovado que o cultivo pode ser estendido por até cinco dias, tempo máximo para o embrião ficar fora do corpo da mãe. A pesquisa será publicada em breve. “Paralelamente à pesquisa da capacidade do dispositivo, pesquisamos a parte psicológica das pacientes envolvidas e comparamos com outras que fizeram as técnicas convencionais. Elas demonstraram uma tranquilidade maior e gostaram do envolvimento, da participação, e isso é muito bom porque essa tranquilidade ajuda em tudo”, declarou.
Pesquisas avançam para garantir resultados
Além da pesquisa sobre a técnica INVO, a equipe do Centro de Infertilidade e Medicina Fetal tem realizado outros estudos sobre o tema. Entre eles, está em andamento uma pesquisa inédita no Brasil. Também parte da equipe, a ginecologista Lara Morales comentou que há muitos casos de falha de implantação, o que originou o novo estudo.
— Em princípio, estava tudo perfeito, a cavidade já tinha sido preparada e estava tudo certo. Aí, a paciente não consegue engravidar. Mas por que ela não conseguiu? É disso que precisamos saber. Agora, estamos começando a pesquisa em que a gente está usando plaqueta da paciente, que tem potencial como se fosse célula-tronco, para melhorar o endométrio, a receptividade e aumenta a taxa de implantação. Em outros lugares do mundo, houve resultados muito bons. Nós somos os primeiros no país.
Responsável por preparar as pacientes para os procedimentos, a médica explicou que são realizados diversos exames para saber qual é o melhor método para cada mulher atendida, de acordo com suas necessidades.
— Por exemplo, a paciente tem um mioma dentro da cavidade vaginal. Ele atrapalha demais. É como se fosse um DIU. Ele compete pelo espaço com o embrião. Então, eu não posso transferir o embrião se essa cavidade não estiver em perfeito estado. Aí, eu entro. Eles encaminham para mim. Eu vou preparar essa cavidade e tirar esse mioma. Quando a paciente tiver com a cavidade perfeita, que falam que é um “ninhozinho bom”, Francisco vai entrar para transferir o embrião — explicou Lara.
Outra novidade da unidade é a parceria com o Centro de Endometriose de Belo Horizonte. A doença é uma das que atingem as mulheres, geralmente jovens, e prejudicam a gestação de forma natural. Quando não tratada e operada adequadamente, a paciente pode ficar infértil. A preocupação com esses casos resultarão no treinamento com a equipe mineira para que sejam iniciadas as cirurgias de endometriose no local. “A equipe de lá está fazendo todo o treinamento com a gente, justamente para a gente poder operar, resolver o problema sem ser agressivo, de forma que você destrua o ovário e não dê chance para a paciente. O foco dela é engravidar. Então, como uma doença dessa não tem cura, no sentido de que sempre um foco vai estar em algum lugar, mesmo que eu não esteja vendo, eu tenho que tratar da melhor forma possível para que ela consiga o objetivo final. Não adianta operar, ser agressivo demais, machucar o ovário e deixar uma reserva com que a gente não consiga trabalhar. Uma reserva que a gente chama de insuficiente para qualquer método. Aí, a paciente vai ter que pegar óvulo de outra — disse.
Tecnologia auxilia no emocional das mães
Segundo os médicos que atuam no Centro de Infertilidade e Medicina Fetal, uma das principais dificuldades encontradas durante o tratamento é a reação psicológica de cada paciente. Para minimizar os impactos ao longo do período, a equipe conta com uma profissional da área, que acompanha toda a trajetória da mulher, inclusive em casos em que o resultado do processo é negativo. A consulta com a psicóloga é um dos primeiros passos para a realização do procedimento.
— A psicóloga tem que liberar para o tratamento porque, se ela não estiver bem, psicologicamente falando, tem chance de não dar certo. A paciente de infertilidade, muitas vezes, se sente insuficiente. Ela não se sente uma mulher completa. Ela não está sendo capaz de gerar um filho. Então, isso gera uma dificuldade até de pacientes procurarem o Centro de Infertilidade — afirmou Lara.
As reações negativas nas pacientes, são causadas, entre outros motivos, pelo distanciamento físico enquanto o embrião é desenvolvido em laboratório. Para evitar este impacto, será instalado o novo sistema que permitirá o acompanhamento da evolução do óvulo.
— Nós estamos implantando um sistema novo de clínica. A paciente vai ter acesso, no dispositivo móvel dela, a tudo que acontece no laboratório. Se o embriologista mexer no óvulo, vai aparecer no telefone. Ela vai baixar o aplicativo, nós vamos dar uma senha e ela vai poder ter acesso a tudo. E, quando ela estiver tomando remédio para produzir óvulos, vai receber, no telefone, que está na hora de tomá-lo — adiantou Francisco. A expectativa é de que o aplicativo esteja em funcionamento ainda nos primeiros meses de 2020.