Um foi eleito reitor em setembro da maior universidade de Campos e região. O outro foi reeleito reitor em dezembro da maior instituição de ensino de Campos e região. Os dois são professores que tentam aprender e lecionar exemplos da democracia dentro e fora da escola. Cubano naturalizado brasileiro, Raúl Palacio assume este mês o comando da Uenf. O campista Jefferson Manhães de Azevedo assumirá seu segundo mandato no IFF em 2020. Eles não se furtaram em também analisar os desafios da ciência, da escola pública, ou o governo Rafael Diniz em Campos, no qual enxergam virtudes e falhas, sobretudo na comunicação com a sociedade do grave quadro encontrado em Campos. Cuja aguda crise financeira preocupa. Cientes dela e saídos dos seus próprios processos eleitorais, Jefferson e Raúl alertam que não há “soluções fáceis e fantasiosas” ou “alternativas milagrosas” para o pleito municipal de 2020.
Folha da Manhã – A eleição de Raúl na Uenf, candidato apoiado pelo atual reitor Luís Passoni, e a reeleição de Jefferson no IFF foram apostas na continuidade. Isso não vai contra o “novo” que varreu as urnas do Brasil em 2018? Por quê?
Raúl Palacio – Não acredito na teoria do novo. Na verdade, como em qualquer eleição, as pessoas escolhem entre a manutenção dialética do trabalho realizado ou pela descontinuidade do mesmo. Evidentemente a continuidade do professor Jefferson e a minha eleição signi-ficam que o trabalho que está sendo realizado está na direção correta. Indica que as comunidades universitárias concordam com a defesa da universidade pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada que ambos defendemos. As comunidades também entendem que ambos estamos preparados para fazer as mudanças necessárias em prol do melhora-mento do serviço prestado àqueles que com seus impostos sustentam as universidades publicas: a população do Estado do Rio de Janeiro.
Jefferson Manhães de Azevedo – Acredito que cada processo eleitoral tem suas particularidades e mensagens. É importante destacar que a busca do “novo” não significa necessariamente uma “ruptura”, mas pode ser “renovação”, “revigoramento” ou “aprimoramento”. No IFF, acredito que nossas comunidades acadêmicas optaram por esse último: “aprimoramento”. Sempre é possível fazer mais e melhor. Os desafios presentes e futuros são muitos. Pre-cisamos nos reinventar a cada dia e buscar respostas novas. Entretanto, a coerência, a integridade e o acúmulo de experiências nos permitem trajetos novos, porém com mais consistência e segurança.
Folha – Qual serão seus principais objetivos e desafios na reitoria? Qual, em seu entender, deveriam ser os principais objetivos e desafios do outro entrevistado?
Jefferson – Colocamos como maior desafio a constituição de uma nova ecologia institucional. Precisamos mobilizar mais nossos educadores, estudantes e potências educativas criando novos ecossistemas de saberes e fazeres que ultrapassem seus limites organizacionais, geo-gráficos e semânticos. Quanto mais compartilharmos generosamente nossas capacidades educativas, mais nos fortaleceremos como coletivo. A comunidade acadêmica da Uenf passou por um dos seus piores períodos nestes últimos anos, especialmente com relação ao seu financiamento. Um momento muito doloroso e com dramas pessoais sem precedentes. Não tenho dúvida de que isso afetou profundamente as relações internas e a trajetória educativa e de produção cultural e científica coletiva. Acredito que uma das maiores missões da próxi-ma gestão liderada pelo Raúl será reconstituir e fortalecer o tecido de relações de sua comu-nidade acadêmica.
Raúl – Acredito que um dos principais objetivos será o aprofundamento da democratização da universidade e trabalhar o sentimento de pertencimento da comunidade universitária pela universidade. Nesse sentido, a descentralização orçamentária, o desenvolvimento de um programa amplo de cultura, o debate da graduação através do Fórum permanente e a consolidação de parceiras, além de aumentar o nível de responsabilidade de cada membro da comunidade, permitem um maior engajamento dos estudantes, técnicos e professores nos assuntos universitários. Outro aspecto a ser destacado é que pela primeira vez a Uenf vai trabalhar com uma real autonomia financeira. A execução dos recursos com responsabilidade, transparência e eficiência será um tremendo desafio. O desenvolvimento contínuo dos programas de pós-graduação, principalmente, no tocante a auto avaliação e financiamento das pesquisas realizadas é outro dos desafios a serem vencidos. Entendo que as universidades públicas têm a capacidade e a responsabilidade de apresentar um projeto concreto e alternativo ao neoliberalismo de desenvolvimento do Brasil, como nação realmente independente. Teremos que trabalhar na preparação e consolidação desse projeto em que o ser humano e suas necessidades são prioridades. Penso que todos esses desafios, com diferentes graus de complexidade, serão também os desafios do reitor Jefferson.
Folha – Em que a Uenf pode ajudar o IFF? Em que o IFF pode ajudar a Uenf?
Raúl – Em quase tudo. Imagina que na minha sala de aula, na disciplina físico-química, eu tenha 20 alunos e poderia ter 30, por que não disponibilizar essas vagas para os estudantes do IFF ou da UFF? O IFF tem uma política cultural definida e vamos utilizar essa experiência para fazer a nossa política cultural e oferecê-la com qualidade à sociedade campista. Temos excelentes instalações, como o Centro de Convenções e a Villa Maria, onde poderíamos fazer apresentações conjuntas para a população. Há alguns dias conversava com Jefferson em re-lação a interesses comuns sobre agricultura familiar e agroecologia. A pedido da Uenf está sendo modificado o estatuto da Fundação do IFF, para aumentar a nossa parceria. Penso que as duas instituições se complementam. É importante destacar que buscaremos ampliar parceria com a UFF. Na semana passada conversamos com o vice-reitor da UFF e entregamos uma minuta do convênio de colaboração a ser assinada pelas duas universidades, a UFF também nos complementa.
Jefferson – A Uenf e o IFF vêm construindo relações cada vez mais consistentes e ampliando o número de ações conjuntas. Cada vez mais as parcerias vão se tornando estratégicas para a superação dos desafios coletivos que vão se tornando cada vez mais complexos. Fiquei muito feliz quando o Rául, no dia seguinte de sua eleição, me ligou propondo um conjunto novo de possibilidades para atuarmos ainda mais integrados. Junto com o Passoni, atual reitor e grande parceiro, já realizamos uma reunião conjunta e elencamos novas possibilidades de parcerias. Não tenho dúvida de que estaremos nos próximos anos desenvolvendo novas ações para o bem dos nossos estudantes, educadores e, principalmente, de nossa sociedade.
Folha – Qual o papel o Fórum Institucional de Dirigentes do Ensino Superior de Campos (Fidesc), ora presidido por Jefferson, desempenha no IFF, na Uenf e nas demais instituições de ensino superior do município?
Jefferson – Como destaquei anteriormente, a atuação conjunta e as parcerias estão se tornando cada vez mais estratégicas para o enfrentamento dos problemas comuns e coletivos. O Fidesc vem aproximando cada vez mais as instituições de educação superior de nossa cidade e, preservando nossas particularidades, vem possibilitando a formulação de ações conjuntas que estão nos fortalecendo mutuamente e possibilitando novos diálogos com muitos outros atores sociais. A última ação conjunta foi a Feira de Oportunidades, um evento organizado pelas nossas instituições constituindo um diálogo muito promissor entre nossas instituições e o setor produtivo. Acredito que no próximo ano conseguiremos realizar uma Conferência de Direitos Humanos e, muito em breve, fortaleceremos ainda mais a relação entre nossas comunidades com a realização dos Jogos Universitários e eventos científicos e culturais conjuntos.
Raúl – Acredito que temos que trabalhar no fortalecimento do Fidesc. Tenho que reconhecer que quase não tenho participado do fórum, mas, entendo que temos pontos em comuns a serem resolvidos. Certamente juntos somos mais fortes.
Folha – Campos vive uma crise financeira sem precedentes, com a queda acentuada nas re-ceitas do petróleo. Matéria da Folha publicada em 17 de agosto, mostrou que em valor nominal, sem correção pelo IPCA, Rosinha teve nos seus oito anos de governo a média de R$ 120 milhões na Participação Especial (PE) trimestral, valor que caiu para R$ 40 milhões na média dos dois anos e meio do governo Rafael. E que recebeu na última PE apenas R$ 16,9 milhões. Há solução? Qual? Em que Uenf e IFF poderiam ajudar o município?
Raúl – Acredito que a única possibilidade para o futuro de Campos está na participação ativa da população. A população precisa entender o tamanho do problema financeiro da Prefeitura e estabelecer um debate cívico sobre alternativas futuras ao desenvolvimento de Campos. Ao mesmo tempo a comunidade campista, com conhecimento da situação, apoiaria, de for-ma efetiva, a iniciativa para a taxação do combustível na origem e a necessidade de rever o pacto federativo de distribuição de impostos. As universidades podem ajudar de muitas formas. A principal está relacionada com a formação de cidadãos mais conscientes com o seu papel social, bem como profissionais de altíssimo gabarito. As universidades podem apontar a saída para a crise trazendo novos modelos de negócio e novas tecnologias para diferentes áreas. Já existem políticas públicas, dentro das universidades, que poderiam ser adotadas pelos gestores públicos com apoio da iniciativa privada e da população. A realização de parceria pública-pública entre a Uenf e a Prefeitura de Campos tem permitido o desenvolvimento de projetos sociais que atendem à população residente nas proximidades da Uenf. Para os próximos anos teremos o credenciamento da extensão nos programas de graduação. Em termos de formação de recursos humanos temos estagiários em várias secretarias do município. Paralelamente temos aplicação dos resultados das pesquisas nas diferentes áreas do conhecimento.
Jefferson – Não tenho dúvida alguma de que a crise que estamos atravessando nos últimos anos está sendo ainda mais aguda no estado do Rio de Janeiro, em especial em nossa cidade, visto nossa grande dependência histórica do arranjo produtivo do petróleo e gás. Algo muito complexo que exige decisões difíceis e com resultados que muitas vezes só serão percebidos a médio e longo prazo. Infelizmente, o debate público polarizado constrói algumas narrativas que talvez minimizam a gravidade do problema, sua historicidade e, muitas vezes, simplificam sobremaneira as possíveis soluções e repercussões das mesmas. Aliado à urgência de de-mandas sociais que se acumulam e se agravam, exigindo respostas cada vez mais imediatas, o cenário de gestão vai tornando-se cada vez mais difícil. Nossas instituições estão sempre buscando o diálogo com as diversas secretarias e órgãos da administração pública a fim de desenvolvermos ações conjuntas, o que vem ocorrendo com sucesso. Vamos continuar intensificando essas ações e buscando envolver um maior número de instituições. Vejo o papel estratégico do Fidesc como facilitador desse diálogo.
Folha – Como professor, que nota daria ao governo Rafael Diniz (Cidadania)? Em seu entender, quais seus principais erros e acertos? Saído de uma eleição na sua instituição de ensino em 2019, como projeta a eleição municipal de Campos em 2020?
Jefferson – A percepção por parte das pessoas dos resultados da atual administração municipal no cotidiano da cidade não é nada animador. Como dito anteriormente, a crise vem se mostrando mais aguda em nosso estado e em nossa cidade. O cenário financeiro das contas públicas municipais são graves. E já eram há alguns anos, inclusive anterior ao início da atual administração. Talvez um dos possíveis erros tenha sido minimizar a gravidade deste cenário e de suas soluções no próprio debate eleitoral passado. Em uma eleição e em um debate público muito polarizados, as simplificações das análises e das proposições estão muito mais presas às ênfases dos discursos do que aos seus conteúdos. Também julgo que a atual administração possa não ter tido o êxito de comunicar adequadamente a gravidade da situação com que se deparou. Alguns apontam que parte da equipe que assumiu a gestão carecia de uma maior experiência na gestão pública. Nos poucos momentos que tive a oportunidade de estar com o prefeito, sempre percebi um gestor com muita vontade de querer acertar e diante de grandes dificuldades. Como gestor de uma instituição pública, sempre busquei, como dever com minha cidade e região, disponibilizar nossa instituição para desenvolver parcerias em prol de nossa população e da diminuição dos seus grandes contrastes sociais. Fico feliz em ver uma diversidade de nomes se colocando para o próximo pleito municipal. Torço para que seja um debate maduro e que as soluções fáceis e fantasiosas não tenham espaço.
Raúl – A situação é complexa, sem dinheiro não dá para fazer milagres. Entretanto, sem apoio popular, nenhum politico sobrevive. Poderia apontar como pontos não resolvidos a falta de interação com a população de maneira geral , o isolamento do prefeito no seu gabinete, a pouca interação com o funcionalismo municipal, falta de explicação da situação financeira do município e o fato de não ter aproveitado corretamente o apoio que teve quando foi eleito. Como aspectos positivos poderíamos apontar o trabalho na área de esporte e educação, a preocupação e seriedade com que Rafael trata o cargo em que está empossado, a coragem que teve para fazer algumas mudanças no transporte e na saúde e ter avançado apesar dos problemas. Penso que ele fez uma administração responsável e séria, mas que não soube aproveitar corretamente o apoio com que foi eleito. Em relação à eleição, acho que vai ser muito acirrada. Não existem alternativas milagrosas, precisamos redimensionar a cidade e esse processo só poderá ser efetivamente realizado em conjunto com a população.
Folha – A crise financeira de Campos, que não parece ter solução boa ou fácil, pode afetar a condição de polo universitário que a cidade alcançou no tempo das vacas gordas dos royalties do petróleo?
Raúl – Não acredito, acho que o polo universitário de Campos tem contribuído e muito para o desenvolvimento da cidade, principalmente do ponto de vista intelectual. A consolidação do polo universitário tem mudado a forma de pensar dos campistas. Penso que ninguém tem dúvidas que o setor terciário da economia campista tem sobrevivido principalmente pelo fortalecimento do seu polo universitário.
Jefferson – Se houver mudanças na partilha dos royalties, é unânime de que as administrações do estado do Rio de Janeiro e de boa parte de seus municípios se inviabilizam. Não vejo alternativa se não houver uma ampla e profunda reforma tributária nacional, incluindo a par-tilha dos royalties. Repensar a partilha dos royalties de maneira isolada é decretar a falência do nosso estado e de nossa cidade. Todos serão afetados.
Folha – A eleição a reitor da Uenf foi a mais polarizada dos seus 26 anos de vida. O vencedor e seus apoiadores, inclusive líderes estudantis, sofreram tentativas públicas de desqualificação, com uso de fake news por parte de veículo digital de pouca credibilidade. Se não foi tão polarizada, a eleição no IFF teve seu vencedor também alvo de ataques da direita bolsonarista nas redes sociais, onde foi “acusado” de petista. De fora das escolas para dentro, essa será a tônica dos processos eleitorais daqui em diante, no Brasil e no mundo? Como elevar o nível?
Jefferson – Ainda não estamos preparados para a vida virtual e todas suas possibilidades e consequências. Nossos hábitos ainda estão em profundo tensionamento com as novas potencialidades que estão sendo criadas pelas facilidades das “conexões” virtuais. Ainda não desenvolvemos a criticidade necessária aos tempos cada vez mais tecnológicos. Ainda estamos muito reféns dos novos tempos. Como destacado pelo escritor e filólogo italiano Umberto Eco, as redes sociais dão o direito à palavra a uma “legião de imbecis” que antes falavam apenas “em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade...agora eles têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel”.
Raúl – A utilização da tecnologia e da comunicação de forma inescrupulosa me preocupa. Não existem mecanismos de controles eficientes neste sentido. Toda e qualquer pessoa se acha no direito de publicar qualquer impropério escondendo-se atrás do suposto direito de imprensa. Não incentivar isso já seria o inicio da solução do problema, mas hoje, quando um ministro faz uso desses mecanismos para agredir as universidades, ao invés de punir, o governo incentiva esse comportamento. O problema, como qualquer processo entrópico é de difícil controle. Na pratica só piora a qualidade do debate, que só interessa a quem não tem argumento.
Folha – Embora os três candidatos a reitor da Uenf fossem alinhados ao campo político da esquerda, o derrotado no segundo turno tinha maior proximidade ao Psol. Já no IFF, pela primeira vez desde a redemocratização do país em 1985, um candidato a reitor era de direita, declaradamente alinhado ao bolsonarismo. É uma mudança de paradigma? A esquerda brasileira começa a ser ameaçada nas instituições públicas de ensino, seu tradicional bastião? A alternância, inclusive ideológica, não deveria ser uma marca da democracia?
Raúl – Nas universidades temos todas a correntes ideológicas e todas convivem ou coexistem no mesmo ambiente. A mesma coisa com as religiões. O problema está no fato em que o projeto de convivência da sociedade é diferente ao projeto de convivência nas universidades. Talvez devêssemos replicar o nosso projeto para a sociedade. A própria palavra universidade faz referencia à universalidade dentro da instituição. Na sua concepção a universidade é progressista, pois só dessa forma consegue subsistir à presença de tantos universos diferentes. Em relação a eleição do reitor, mais que o partido político a que a pessoa física possa pertencer, o debate das ideias é o que define a eleição dentro de uma universidade.
Jefferson – Se analisarmos os processos eleitorais dos últimos 20 anos em nossa instituição, vamos perceber que nossa comunidade acadêmica se posiciona no campo progressista da educação. Não vejo ela flertar com os extremos. Os candidatos que se colocaram nessa posição, não foram bem sucedidos.
Folha – Na Uenf, a eleição pode ter dois turnos, e no seu colégio eleitoral o voto dos professores tem peso de 50%, com 25% aos demais servidores e 25% aos alunos. O pleito do IFF é em turno único, mas as três categorias têm o mesmo peso. Em seu entender, qual é o pro-cesso mais democrático? E por quê?
Jefferson – Eu acredito que a ponderação das eleições de nossa instituição sugere uma maior representatividade dos diversos atores que são responsáveis pelo processo educativo. Inclusive, havia um movimento crescente de adoção desse modelo nas universidades federais.
Raúl – Certamente o processo do IFF é mais democrático. Entendo que todas as categorias são importantes para o desenvolvimento da universidade. Sem a presença dos alunos não poderíamos ser chamados de universidade. E sem a participação do corpo técnico não teríamos o correto desenvolvimento do tripé universitário. Se entendemos a importância de cada uma das categorias, porque dar pesos diferenciados a elas? Ao desequilibrar as forças alguém poderia pensar que só o voto de uma categoria é importante, quando de fato a nossa eleição demostrou a importância de todos os setores.
Folha – Facção mais radical do bolsonarismo, o olavismo domina as pastas da Educação e da Cultura no governo federal. Por parte dessa “direita incultural”, como a batizou o conserva-dor Delfim Netto, é inegável o ressentimento vingativo contra a intelectualidade do país nas artes, na cultura e nas universidades públicas. No última quarta (11), diante da Comissão da Educação da Câmara Federal, o ministro Abraham Weintraub reafirmou a existência de plantações de maconha e laboratórios de produção de drogas nas universidades federais. Como reagir a esse tipo de ataque?
Raúl – De forma simples, firme e serena. A associação de Reitores das Universidades Federais acionou a pessoa física do ministro na Justiça. Esta é uma solução. Desmentir ele na Câmara Federal e colocar bem claro a importância das universidades para o Brasil é outra forma. Trabalhar na criação de um Plano Universitário para o Desenvolvimento Humano e Sustentável do Brasil é outra. Criticando a sua postura e pedindo para sair é mais uma. Poderíamos citar muitas, mas não vale a pena. Acho que esse já vai, o problema agora é quem virá?
Jefferson – A Educação é muito lucrativa em todo o mundo. Há no Brasil um movimento cada vez mais intenso de enfraquecimento da educação pública brasileira. Falas como essas contribuem para isso e deturpam a realidade. Vou falar em alto e bom som: a educação superior pública neste país é de altíssima qualidade e muito superior à oferta privada, o que não significa que não haja universidades privadas de alta qualidade no país. Todos os números dos indicadores de qualidade estabelecidos pelo ministério da Educação confirmam o que digo. O que também não significa dizer que não há problemas nas instituições de educação superior públicas. Estamos, infelizmente, na sociedade do espetáculo. As exceções são apresentadas tão intensamente, que parecem ser a regra. Sugiro que possamos “invadir” a internet postando nosso cotidiano educativo: o que ocorre em nossas salas de aula, em nossos laboratórios, em nossos eventos, em nossas pesquisas e desenvolvimento tecnológicos, em nossas aulas de campo, em nossas ações culturais e esportivas. Não tenho nenhuma dúvida de que a sociedade ficará encantada com o que verá.
Folha – Qual é o papel das universidades e escolas públicas em um mundo onde cada vez mais pessoas questionam abertamente fatos científicos como a esfericidade da Terra, o heliocentrismo, a ida do homem à Lua, o nazismo ser de direita e até a validade das vacinas?
Raúl – Temos duas coisas diferentes dentro do mesmo grupo, pois entendo que a validade das vacinas estão num grupo a parte. Das outras entendo como uma forma de se contrapor tudo o que conhecemos como fato. Dessa forma atacam as nossas bases de sustentação do pensamento lógico, pode parecer idiota, mas não é. Seria como uma forma de resetar a mente humana e deixar o cidadão vulnerável a aceitar conceitos errados sobre sociedade e comunidade. Se conseguem fazer com que questionemos a forma da Terra, poderemos questionar qualquer conhecimento, assim, temos que lutar com conhecimento. A Terra é redonda e ponto, isso é um fato. Em relação às vacinas a questão é mais perigosa, envolve vidas, mui-tas vezes de pouca idade. Nesse caso entendo que temos que atuar de forma mais rápida, inclusive judicialmente, se for o caso.
Jefferson – Este cenário é muito preocupante, mas é resultado direto da baixa escolaridade de nossa população. Infelizmente, o direito a uma educação de qualidade para todas as pessoas ainda está muito distante em grande parte dos países do mundo, inclusive o Brasil.
Folha – Nas eleições de 2018, entre 23 e 25 de outubro, até que o Supremo Tribunal Federal (STF) desse um basta, a Justiça Eleitoral fez ações de fiscalização em 13 instituições de ensino público superior nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul. Mas tudo começou em Campos, onde em 13 de setembro a fiscalização do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) foi à UFF da cidade. E depois também teria IFF e Uenf como alvos. Em seu entender, houve exagero? Por quê?
Jefferson – Acredito que devemos analisar cada caso em suas peculiaridades. O que posso dizer, de maneira geral, é que cresce a concepção de que as nossas instituições de educação pública são repartições públicas. Os ambientes educacionais precisam tematizar debates sobre a vida em toda a sua amplitude e aspectos. A formação cidadã, como preconiza o Art. 205 da Constituição Federal, exige abordar os temas a que estamos expostos em nosso cotidiano. Para exercitarmos a plena cidadania, o tema política é importante. O que não se pode confundir é que ao discutir política estou defendendo ou promovendo um partido político. É bom ressaltar que existe uma área do conhecimento chamado Ciência Política, com suas tradições e linhas filosóficas. Portanto, isto também é fazer ciência. Além do mais, democracia não é apenas um tema a ser estudado na escola. A democracia precisa ser vivenciada. Portanto, o processo de escolha dos nossos dirigentes faz parte da prática educacional de formação de cidadania.
Raúl – Entendo que o voto e a manifestação democrática são sagrados dentro da democracia. Tentar cercear a manifestações democráticas é no mínimo um absurdo, todos têm direito a se manifestar. Qualquer coisa diferente a isso é censura, simples assim. Ao iniciar o processo eleitoral nos reunimos com o juiz eleitoral de Campos e conversamos sobre o direito dos estudantes se manifestarem. Especificamente na Uenf, não tivemos problemas com manifestação estudantil. Também combinamos que perante qualquer denúncia, contra algum funcionário público, seríamos os primeiros a ser avisados e acompanharíamos o fiscal até o local da denúncia. Só tivemos um caso que foi prontamente desmentido. O único problema complexo que tivemos não veio da fiscalização eleitoral.
Folha – Divulgado no início de dezembro, o Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (Pisa) revelou o abismo que há entre as escolas particulares de elite brasileiras, que ficaram em 5º lugar, e as escolas públicas do país, na 65º posição entre 79 países. Como professor e dirigente de escola pública no Brasil, o que fazer? E como?
Raúl – Acredito que temos dois grupos diferentes de escolas públicas. Se utilizarmos o resultados dos estudantes dos IFFs, do Pedro II e dos Colégios de Aplicação, a posição das escolas públicas seria melhor que o 5° lugar. A resposta é simples, repetir a mesma estrutura, financiamento, projeto pedagógico nas outras escolas publicas.
Jefferson – Mais do que ficarmos espantados com os resultados obtidos por nossas escolas com relação ao mundo, deveríamos ficar abismados e exigir providências devido a essa tendência que vai se consolidando de distanciamento do resultado das escolas particulares das públicas. Se não enfrentarmos esse problema, de frente, com base na realidade e não em discussões ideológicas de efeitos midiáticos, nosso sistema público de ensino será cada vez mais um consolidador das injustiças e distanciamentos sociais históricos. Vamos estar iludindo as famílias mais empobrecidas de que seus filhos estão indo para uma escola que mudará o seu destino. Eu acredito em uma educação transformadora e promotora de vida.
Folha – Para Campos e região, há erro em afirmar que a Uenf é a maior universidade e o IFF é a maior instituição de ensino? Quem papel ambas têm nas comunidades em que estão inseridas? Como ampliá-lo?
Jefferson – São duas grandes instituições que precisam ser fortalecidas e cada vez mais de-vem atuar de maneira integrada para o bem de nossa região. Nosso município e nossa região são “privilegiados” em ter instituições desse quilate. Patrimônio pública que deve estar a serviço do desenvolvimento de nossa região. Para todos!
Raúl – Como falamos anteriormente ambas instituições se complementam, não existe com-petição entre as instituições, só colaboração. A Uenf direciona seus esforços na formação de licenciados e bacharéis. No IFF o ensino superior é tecnológico. A excelente formação dos alunos oriundos do ensino médio do IFF permite que os mesmos ao ingressarem na Uenf apresentem uma inserção mais rápida na pesquisa e na extensão. A Uenf apresenta uma infraestrutura de pesquisa muito forte, onde muitos professores do IFF realizaram e realizam seus cursos de pós graduação. Ambas aportamos muito ao desenvolvimento da cidade. Um número elevado de professores das outras instituições formaram parte das nossas comunidades acadêmicas. Temos um forte engajamento político. No caso da Uenf, estadual e municipal. No do IFF, federal e municipal.
Folha – Acredita que o cidadão médio de Campos e região tenham a devida noção de pertencimento quanto à Uenf e ao IFF? Como ampliar a consciência que essas duas instituições são também dele, financiada por seus impostos, mesmo que nunca tenham estudado nelas?
Raúl – Acredito esse sentimento tenha melhorado muito, mas temos que continuar trabalhando. Na Uenf temos o programa “Uenf Portas Abertas” que interage com a comunidade jovem. Dentro do programa temos o projeto “Conhecendo a Uenf”, que no ano passado trouxe para visitação da universidade mais de 4 mil estudantes de Campos. Temos o Vestibular social, o Teorema, as feiras itinerantes. Para o próximo ano vamos aumentar a interação com a sociedade através de projetos de cultura. Todo o trabalho desenvolvido nos últimos quatro anos na Villa Maria será estendido aos campis Leonel Brizola e Macaé.
Jefferson – Não tenho dúvidas de que hoje, tanto a Uenf quanto o IFF já estão inseridas no cotidiano da vida de nossa cidade. Não é possível imaginar Campos dos Goytacazes sem essas duas potências educativas. Mas sempre podemos nos integrar mais e fazer melhor. Tenho absoluta certeza de que esta disposição é similar em nossas duas instituições.