*Felipe Fernandes
08/11/2019 19:46 - Atualizado em 16/11/2019 12:07
(O REI) — As monarquias europeias e suas diferentes nações parecem fontes inesgotáveis para adaptações cinematográficas. São histórias que se repetem, se cruzam, personagens retratados de forma totalmente oposta, em contextos históricos muitos similares e estéticas parecidíssimos. É difícil encontra uma obra que se destaque, como o insano “A favorita” (The Favourite, 2018), de Yorgos Lanthimos, que traz uma abordagem arrojada e usa do humor ácido e da estética de seu criativo diretor como diferenciais.
“O Rei” (The King, 2019), nova produção da Netflix aborda a história do rei Henrique V (Timothée Chalamet) e toma algumas liberdades criativas visando simplificar a história e tornar tudo mais cinematográfico. Decisão que não é nenhuma novidade dentro das adaptações históricas, nem prejudica a narrativa, apenas a deixa mais redonda. Usando elementos característicos desse tipo de obra, o filme não traz nenhuma novidade temática e se utiliza de uma abordagem mais pé no chão.
O roteiro escrito pelo diretor David Michôd e por Joel Edgerton traz Henrique na jornada do herói clássico. O protagonista que não quer assumir a coroa, mas, devido às necessidades com a eminente morte do pai e o desejo do irmão de seguir os passos do mesmo, ele assume o trono, deixando para trás uma vida de excessos. Adotando um tom reconciliador, completamente diferente da forma como seu pai conduzia seu reinado, ele pretende unir o Reino Unido, mas sua pouca idade e essa nova diretriz fazem com que ele seja mal visto entre os conselheiros, e logo ameaças vindas da França chegam, levando o jovem rei a um dilema entre seguir seus desejos de reconciliação ou ganhar o respeito da população em uma demonstração de força.
Grande parte da produção se passa em um cerco ao castelo do rei francês, onde o tempo todo ele precisa lidar com os conselheiros e questões para manutenção daquela situação. A desconfiança e os dilemas do portador da coroa, são os elementos que melhor funcionam. Os pontos altos do filme são as relações de Henrique com o conselheiro William (Sean Harris) e com seu grande amigo Falstaff (Joel Edgerton), um personagem aparentemente desimportante que se torna a bússola moral do protagonista.
O filme foge do tom épico e da glamourização, traz uma simplificação de cenários e artifícios, principalmente nas cenas de batalha. É tudo muito cru, sujo, não espere batalhas com incontáveis soldados. A sensação que fica é de que as batalhas são travadas por pequenos exércitos, criando uma sensação de realidade. Essas cenas são realizadas com poucos cortes, com planos mais longos e muita violência. Na maior batalha do filme, o diretor nos insere dentro da ação, onde acompanhamos o protagonista em um plano longo no meio do calor da batalha, rodeado de soldados, sangue e lama.
Destaque para o trabalho de Timothée Chalamet, que, com um porte físico franzino, consegue construir um personagem que se impõe, mesmo que nunca deixe de transparecer suas dúvidas internas com suas decisões. Sean Harris também rouba suas cenas. Com seu andar torto, voz rouca e rosto enigmático, ele faz do conselheiro William uma verdadeira incógnita, e mesmo que o roteiro seja previsível, sua atuação salva um personagem que poderia prejudicar seriamente a obra. Joel Edgerton (um dos roteiristas do filme) cria um personagem carismático, que convence com muito pouco. Fechando o elenco, Robert Pattinson dá vida ao filho do rei francês, um personagem que é uma caricatura irritante e o extremo contraponto do protagonista em termos de personalidade.
“O Rei” é uma produção sem personalidade, com roteiro previsível. Acredito que o objetivo dos realizadores era dar voz ao tom conciliador do rei, num momento em que o mundo carece de líderes que busquem esse tipo de postura. Notem que, fora nos campos de batalha, em nenhum momento o povo surge na tela, mesmo que o filme encerre com seu brado, em gritos eufóricos de uma massa que não faz ideia do que se passa nos muros dos castelos. Aparentemente, nem seu rei tem controle sobre isso. A desinformação é uma ferramenta poderosa desde aquela época.