Aldir Sales, Arnaldo Neto e Aluysio Abreu Barbosa
29/10/2019 23:39 - Atualizado em 01/11/2019 15:10
A 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio de Janeiro cassou, ontem, uma liminar anterior e determinou novamente a prisão dos ex-governadores Anthony e Rosinha Garotinho. Eles são acusados de receber propina da Odebrecht para beneficiar a empreiteira nas licitações para construção das casas populares do Morar Feliz durante a gestão de Rosinha na Prefeitura de Campos. As ordens de prisão foram expedidas imediatamente após o julgamento, mas o casal continuava em liberdade até o fechamento desta edição.
Garotinho e Rosinha chegaram a ser presos no último dia 3 de setembro, dentro do mesmo processo, durante operação Secretus Domus, deflagrada pelo Ministério Público (MP) estadual. Além deles, também acabaram detidos o então subsecretário estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, Sérgio dos Santos Barcelos, e os assessores parlamentares da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Ângelo Cardoso Gomes e Gabriela Quintanilha. Todos foram soltos na madrugada do dia seguinte por decisão do polêmico desembargador Siro Darlan, que estava no plantão judiciário. Os habeas corpus de Sérgio, Ângelo e Gabriela foram mantidos e eles seguem respondendo em liberdade.
O magistrado é investigado pela Polícia Federal (PF) por suspeita de participar de um esquema de venda de sentenças. Ele foi alvo de uma operação da PF no último dia 24 de setembro, mas Darlan negou qualquer irregularidade.
Durante o julgamento de ontem, o MP citou o relato de uma testemunha que diz ter sido ameaçada de morte desde o início operação Chequinho, na qual Garotinho foi condenado em primeira instância por comandar o que o Ministério Público chamou de “escandaloso esquema” de troca de votos por Cheque Cidadão na última eleição municipal. Um dia após a soltura do casal Garotinho, em 5 de setembro, o canal de TV por assinatura Globo News revelou trechos do depoimento. “Que desde que a declarante falou tudo o que tem conhecimento no âmbito da chamada ‘operação Chequinho’ recebeu vários recados na rua de pessoas falando que a declarante vai ser morta ou de que alguém de sua família será atingida, como seu esposo e seu filho; que os recados sempre vêm no sentido de que a declarante já falou demais e que deveria ficar quieta quanto a outros fatos que tenha conhecimento para não morrer”, diz a testemunha.
Desde então, a promotoria afirmou que iria recorrer da decisão de Siro Darlan e pedir, novamente, a prisão dos ex-governadores.
Inicialmente, o processo foi distribuído para a 1ª Câmara Criminal, que é presidida por Luiz Zveiter. O desembargador possui vários processos contra Garotinho por injúria e difamação. Por causa disso, o colegiado se declarou suspeição e os autos remetidos, após sorteio, à 2ª Câmara Criminal, considerada uma das mais “rígidas” do Tribunal de Justiça.
O relator do caso, desembargador Celso Ferreira Filho votou contra a prisão do casal Garotinho, mas foi vencido pelos votos dos colegas Rosa Helena Penna Macedo Guita e Flávio Marcelo de Azevedo Horta Fernandes.
Além de propina de R$ 25 milhões, Garotinho e Rosinha também são acusados de superfaturamento no valor de R$ 63 milhões nos contratos com a Odebrecht. As duas licitações do Morar Feliz custaram aos cofres do município R$ 1 bilhão.
Houve também abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Municipal para investigar os contratos com a empreiteira. Capitaneado pelo vereador Paulo César Genásio (PSC), o relatório apontou diversos indícios de crimes, como associação criminosa, fraude em licitação, corrupção passiva, caixa dois eleitoral e lavagem de dinheiro. O documento, citado pela investigação do Ministério Público, também sugeriu o indiciamento do casal Garotinho por corrupção passiva, caixa dois eleitoral, improbidade administrativa, entre outros.
Político da Lapa alega perseguição política
Em nota, Anthony Garotinho voltou a alegar perseguição do Judiciário e do Ministério Público de Campos. “Desde que denunciei a quadrilha do ex-governador Sérgio Cabral, com braços no legislativo, no Ministério Público como já ficou provado e também em outros poderes do Estado, a perseguição contra meu grupo político e minha família tornou-se insuportável. É um verdadeiro massacre que fazem contra nós”.
O ex-governador diz, ainda, que não há provas contra ele. “Meus adversários nunca respondem aos meus desafios. Onde está o dinheiro que supostamente teria sido desviado? Não temos mala como Geddel e Rocha Loures. Não temos contas no exterior e mansões como Sérgio Cabral. Não temos fazendas e vacas milionárias como Picciani. Não encontram nada, porque não roubamos”.
Além disso, Garotinho afirma que a testemunha que relata ameaças é considerada “sem fé pública”. “Usaram as palavras mentirosas de uma testemunha que já mudou seu depoimento mais de seis vezes e já foi considerada sem fé pública por um ministro do STF.
Por fim, o político da Lapa disse que continua confiando na Justiça e que vai recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Continuo confiando que a maioria da Justiça é composta por pessoas do bem que não se intimidará diante do que ocorre hoje em nosso Estado. Tudo que tenho afirmado ao longo desses anos enviei ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e ao Conselho Nacional do Ministério Público e espero que providências sejam tomadas”.
Repercussão política da planície ao Planalto
Da planície ao Planalto, a repercussão sobre a nova decisão do TJRJ em mandar prender o casal Garotinho foi imediata, tanto em Campos como em Brasília, passando pelo Rio de Janeiro.
O prefeito Rafael Diniz (Cidadania) lamentou o fato do nome do município estar em destaque na imprensa nacional por conta de denúncias de corrupção. “É triste ver o nome de Campos mais uma vez associado às páginas policiais. O momento é delicado, porque vivemos a situação financeira mais grave de nossa história recente, que pode se agravar ainda mais caso, no dia 20 de novembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) vote a favor da partilha dos royalties. Mas, pelo bem de nossa população, espero que a Justiça cumpra o seu papel. Vamos continuar trabalhando para nossa cidade superar o passado e dar a volta por cima”.
Já o filho do casal Garotinho e deputado federal, Wladimir Garotinho (PSD),questionou o relato da testemunha. “Mais uma vez o Tribunal do Rio dá uma decisão curiosa, mesmo com o voto do relator sendo pela manutenção da liberdade. Não existe fato novo algum que justifique, a motivação é de uma testemunha que continua se dizendo ameaçada sem provar como, onde ou quem a ameaça. Essa testemunha é a mesma conhecida de sempre, Beth Megafone, que já mudou de versão inúmeras vezes e foi chamada pelo ministro Luiz Fux de indigna de fé. A defesa vai recorrer ao STJ contra mais essa injustiça e arbitrariedade”.
Presidente da Câmara de Campos, Fred Machado (Cidadania) foi outro a lamentar a notícia, mas lembrou do que chamou de “flagelo da corrupção”. “Recebemos mais uma vez a noticia da prisão do casal Anthony Garotinho e Rosinha Garotinho com imenso pesar, pois não há nada para comemorar. Tudo o que está acontecendo é consequência dos atos ilícitos praticados pelo casal e que lesaram o erário público, causando prejuízos de toda a ordem ao governo municipal. Lamentavelmente, a maior vítima dos danos causados é a população da nossa amada Campos. Hoje, o Poder Judiciário dá mais um grande passo contra o flagelo da corrupção e esperamos que continue a cumprir o seu papel, para que, no fim, a Justiça prevaleça”.
Irmã de Wladimir e também deputada federal, Clarissa Garotinho (Pros) usou tribuna da Câmara, ontem, para defender os pais do que chamou de “palhaçada”. “Existe alguma pena maior do que privar um ser humano de sua liberdade? E tudo porque uma maluca qualquer, que precisa passar por um exame de sanidade mental, que passou por isso (ameaça de morte). Essa mulher transita livremente em Campos. Ela se negou a fazer parte do programa de testemunha, mas, ao mesmo tempo, diz que se sente ameaçada de morte pelo casal Garotinho. Isso é uma palhaçada. A minha família, desde que meu pai fez sérias denúncias à Procuradoria-Geral da República, vem sofrendo uma série de perseguições políticas”.
Também na tribuna, mas na Câmara Municipal de Campos, o líder do governo, vereador Paulo César Genásio (PSC), também comentou sobre a decisão da 2ª Câmara Criminal. “Quero parabenizar o Tribunal, que está fazendo Justiça mais uma vez. Se todo o dinheiro desviado fosse recuperado, teríamos sucesso do transporte público. Talvez esse não seja um assunto interessante para alguns vereadores aqui. Foi no Previcampos, por onde passaram eles meteram a mão. É uma tristeza ver nossa cidade estampada nos jornais por causa da prisão do casal. E muita gente não consegue entender de onde eles tiram dinheiro para pagar seus advogados.
Em nota, o deputado estadual Gil Vianna (PSL) disse que está ao lado da Justiça “Reitero, mais uma vez, meu posicionamento ao lado da Justiça. Que todo caso, quando necessário, seja investigado e a decisão seja cumprida”.
A posição é compartilhada pelo deputado federal Christino Áureo (PP): “Reitero posição que já expressei anteriormente de que o amplo direito de defesa deve ser respeitado e que prisões realizadas, sem a observância desse princípio constitui ato que ofende a ordem democrática.
A prefeita de Quissamã, Fátima Pacheco (DEM), os deputados estaduais Rodrigo Bacellar (SD), Bruno Dauaire (PSC) e Chico Machado (PSD) não quiseram se posicionar.
A reportagem não conseguiu contato com a prefeita de São João da Barra, Carla Machado (PP), nem com os deputados estaduais Welberth Rezende (Cidadania), Jair Bittencourt (PP) e João Peixoto (DC), assim como o deputado federal Felício Laterça (PSL).