Virna Alencar
05/10/2019 17:08 - Atualizado em 07/10/2019 16:20
Igrejas de Campos mobilizam campanhas e tentam eleger representantes durante as eleições para o Conselho Tutelar, que acontecem neste domingo (6), em todos os municípios brasileiros. Se de um lado a Constituição Federal garante que o Brasil é oficialmente um estado laico, ou seja, que as suas regras, leis e instituições públicas não podem ser estabelecidas com base em determinada religião ou credo, líderes religiosos da cidade defendem a liberdade de crença como fator determinante da formação de crianças e adolescentes com base em princípios cristãos.
Para o bispo da Diocese de Campos, Dom Roberto Francisco Ferrería Paz, a religião trabalha os valores cristãos, mas não as impõe. Ele afirmou ainda que a igreja não se aproveita dos espaços públicos para impor a sua crença e, sim, para lutar pelo bem comum, de todos os cidadãos.
— Nenhum cristão pode atrelar ao estado a sua igreja, isso não é válido. Quando indicamos um candidato a trabalhar no Conselho Tutelar, que é muito importante para a resolução pacífica dos conflitos familiares, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a pretensão não é fazer voto de cabresto ou impor a nossa igreja como se fosse um projeto político, mas sim trabalhar pelo reino de Cristo no mundo. A igreja sempre trabalha pelo bem comum, portanto, não podemos tornar os cargos públicos como se fossem privilégios de cristãos. A aliança da igreja com o poder sempre foi um fracasso. A igreja é para servir a toda humanidade, é a igreja do lava pés, serve as pessoas onde elas estão, porque nosso interesse é a salvação, não o interesse político — disse o bispo.
Assim como os católicos, o presidente da Associação Evangélica de Campos, pastor Renan Siqueira, disse que a igreja segue uma linha cristocêntrica. O objetivo de indicar candidatos, segundo ele, não é lutar por uma bandeira denominacional e, sim, por princípio e ética que são do “reino de Deus”.
— A nossa proposta de apoiar os conselheiros que abraçam essa fé é que os princípios de Cristo sejam voltados para o desenvolvimento completo do ser humano, seja espiritual, emocional, cívico, familiar e profissional. Portanto, esta defesa que a gente faz com relação aos nossos conselheiros, tem como proposta, promover para as crianças e adolescentes um desenvolvimento saudável no relacionamento com Deus e com o próximo, porque isso se resume a vida do ser humano. Existe um provérbio que diz ‘ensina a criança no caminho em que ela deve andar, e mesmo, e, ainda quando for velho, não se desviará dele’. Se ensinarmos no caminho do amor, da verdade, no temor a Deus, teremos daqui a alguns anos uma sociedade muito melhor e cheia de paz. O ser humano que vive em teorias sem fundamentos ele na verdade está perdido, ele precisa ter as suas bases firmadas principalmente em princípios e valores que norteiam o ser humano como um todo, que são espirituais e cristãos”.
De acordo com a presidente da Comissão Especial Eleitoral do Conselho Municipal de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, Fernanda Carneiro, a indicação de candidatos católicos ou evangélicos é permitida desde que não haja coação de eleitores, conforme previsto no edital do processo publicado no Diário Oficial do município e apresentado a todos os candidatos habilitados, em reunião no último dia 9 de agosto, no auditório do Tribunal Regional Eleitoral (TRE).
— Entre as regras está a proibição para que o candidato tenha vinculação político partidária. O pastor, padre, ou qualquer líder religioso, como cidadão, pode indicar seus candidatos, desde que não seja em púlpito, com intuito de coagir eleitores. Não tivemos denúncia de qualquer irregularidade nesse sentido. Dependendo da gravidade da conduta, a pessoa vai sofrer desde uma advertência a uma exclusão do processo”, finalizou.
Qualquer cidadão pode denunciar irregularidades, desde que formalize reclamação com comprovações perante os administradores de pátio, responsáveis pelos locais de votação, ou por meio do telefone 98175-0304, no dia da eleição. O anonimato é garantido.
Advogada e sociólogo opinam sobre pleito
A advogada especializada na área de família e infância e juventude, mestre em sociologia política pela Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), Thais Moore, acredita que o processo eleitoral em que se colocam as convicções religiosas não garante que alguém qualificado venha assumir o cargo no Conselho Tutelar.
— A nossa Constituição, no art. 5, inciso 6º, vai falar sobre a liberdade de expressão, vivemos em um país laico. Acho que o direcionamento para lidar com a criança e o adolescente não deve ser a Bíblia e, sim, o ECA, a Constituição Federal. A pessoa vai ser eleita por um quantitativo que pertence a uma determinada religião e não porque ela terá melhor qualificação para assumir o cargo. Será que ela tem conhecimento das legislações que protegem a criança e o adolescente, dos tratados internacionais, da proteção integral? Muitos colegas desistiram de passar pelo processo por conta da questão da religiosidade — disse Thaís.
O sociólogo e professor da Uenf, Roberto Dutra, destacou que ao longo dos anos há muita variedade de candidatos que são declaradamente religiosos a assumir cargos públicos e essa realidade é possível encontrar nas eleições do Conselho. “Com certeza nessas eleições tem candidatos muito mais preocupados com questões morais, como, por exemplo, o que chamam de ideologia de gênero, essa agenda de guerra cultural sobre comportamento e orientação sexual, do que com questões reais que envolvem o Conselho Tutelar ligados à violência e abandono. Por outro lado, há na base das igrejas uma vocação assistencial muito forte e genuína para atuar nos Conselhos. É preciso conhecer esses candidatos e suas propostas”, finalizou.
Mais de 100 candidatos no páreo em Campos
As eleições para conselheiros tutelares em Campos acontecem neste domingo (6), das 8h às 17h. Estão aptos a votar os eleitores que estiverem com a situação regular no TRE. O eleitor somente poderá votar no local correspondente à sua zona e seção eleitoral, conforme os parâmetros do TRE. Mais de 100 candidatos concorrem às 50 vagas oferecidas, sendo 25 para conselheiros tutelares titulares e 25 suplentes. Os cinco primeiros mais votados de cada Conselho Tutelar serão convocados e receberão salários de R$ 2.887,63, além de benefícios. Já os 25 suplentes só serão remunerados caso assumam a titularidade.
A presidente da Comissão Especial Eleitoral, Fernanda Carneiro, destacou que este ano o processo passará por algumas mudanças como a adesão da urna eletrônica que substituirá a urna de lona. “Não são todos os municípios que receberão essas urnas, somos um dos onze contemplados no estado do Rio de Janeiro. Então, vai facilitar bastante o acesso dos eleitores, irá diminuir as filas e aumentar a lisura do processo. A gente também dobrou a quantidade de locais de votação, antigamente eram sete e hoje estamos com 15”, informou.
As eleições são a segunda e última etapa do processo de escolha para a próxima gestão de conselheiros tutelares. Em julho último, ocorreu a primeira etapa, que consistiu na aplicação de prova. Foram aprovados e considerados aptos a participar do processo eleitoral aqueles que obtiveram, no mínimo, 60% de pontuação total.