A defesa de um fundo soberano
Paulo Renato Porto 26/10/2019 15:37 - Atualizado em 01/11/2019 14:51
Os bons anos de estrada na vida acadêmica enriquecida por experiências e andanças pelo Brasil e outros países em seminários e debates sobre planejamento urbano, desenvolvimento regional e utilização dos royalties do petróleo credenciam o professor, sociólogo e pesquisador José Luís Vianna da Cruz a entrar neste debate no justo momento em que o Estado do Rio e os municípios produtores de petróleo vêem de perto o risco de perder os atuais repasses da indenização petrolífera. No último dia 09, o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), que integrou, na década de 1980, a equipe do projeto Cidades de Porte Médio e edita um portal (da Universidade Cândido Mendes) que esmiúça as rendas e os gastos com os royalties, participou do “Seminário Recursos do Petróleo no litoral Norte de São Paulo – reação de dependência e estratégias futuras”, em Caraguatatuba (SP), com a apresentação e análise de alguns aspectos da experiência dos municípios da Bacia de Campos. O pesquisador campista tratou do temas “Controle social do aporte de recursos da indústria de petróleo e gás no litoral norte: o que já foi feito e o que ainda deve ser realizado” e “Consequências dos aportes de recursos da cadeia do P&G e dependência do uso dos royalties e outros recursos da cadeia do Petróleo”. 
Os municípios produtores deverão preparar sua musculatura nesta disputa que se configura como adversa em face da interpretação dos ministros do STF e a reação radical dos demais municípios brasileiros.
— Em nome da lógica atual, o STF já decidiu que não é inconstitucional a reivindicação dos demais municípios em relação ao direito de receber parte dos recursos dos royalties. Daí que a única defesa dos estados do Rio, S. Paulo e Espírito Santo é postergar a suspensão da liminar. O mérito já está julgado. Todos sabem que a Lei não é inconstitucional. Governadores, deputados, senadores, prefeitos e vereadores já sabem disso. Houve um erro também, no início da distribuição dos royalties, por ter concentrado demais em poucos municípios. Isso gerou uma reação radical dos demais. Agora, diante da riqueza do pré-sal isso transbordou. Estamos num impasse — disse.
No próximo dia 20, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a Lei de Partilha dos royalties aprovada em 2013, mas sustada por uma liminar da ministra Carmem Lúcia, no STF. Se a decisão for contrária aos produtores e a lei entrar mesmo em vigor, o Rio e, particularmente os municípios da Bacia de Campos, entram em estado de anemia financeira de consequências trágicas.
A crônica da tragédia anunciada entre nós
No Painel “Apresentação e análise de alguns aspectos selecionados da experiência dos municípios da Bacia de Campos”, José Luís destacou aspectos positivos como o aumento do orçamento municipal das cidades da região e o emprego direto nas empresas e instalações petrolíferas, mas se debruçou também sobre o conjunto de mazelas que se somaram com o advento da exploração do petróleo na região como a “grande atração de trabalhadores de fora, despreparo da força de trabalho local e regional, acelerado inchamento urbano, aumento das despesas públicas com a demanda de serviços, aumento da segregação, tendência à favelização e agravamento das condições nas periferias com endividamento e o desmonte de políticas públicas”.
Parodiando o escritor Gabriel García Marquez, o pesquisador denominou o cenário como a “crônica de uma morte anunciada”, face ao somatório de desafios no enfrentamento dos problemas regionais e o declínio do ciclo produtivo da Bacia de Campos, o que reflete em sucessivas quedas nos repasses. “Apesar da recuperação parcial dos preços, a produção permanece em queda e as rendas diminuíram muito, principalmente a parcela de Participações Especiais”.
As mazelas enfraquecem o RJ na disputa
O fato de, nos últimos anos, o Rio de Janeiro ter sido quase destruído em suas finanças por administrações corruptas com governadores, deputados e conselheiros do Tribunal de Contas do Estado presos, na avaliação de José Luís, pesam contra o Estado na luta política pelos royalties. “Enfraquece, sem dúvida. Nesses seminários sobre a temática das rendas petrolíferas de que tenho participado, em cidades do Rio de Janeiro, Sergipe e, agora, em São Paulo, nossa posição é indefensável. Estamos desmoralizados. Isso reforça os pleitos dos demais municípios. E, quando se reivindica a manutenção da situação atual, ninguém aborda propostas para resolver o problema. Só se fala em manter como está. Se mantiver como está, já vimos esse filme, já vivemos a crônica de uma morte anunciada. O Fundecam é o exemplo típico, as gestões municipais e do Estado também já mostraram isso. A quem queremos enganar? Ou se criam as instâncias democráticas, regionais, baseadas na solidariedade social e territorial, ou vamos no rumo de uma nova tragédia”.
Declínio de produção e ameaça de perda no STF
Ainda com relação à queda de produção nos poços descobertos nas décadas de 1970/80, o professor José Luís comparou o período de bonança com os tempos atuais, enfatizando que no período de abundância de óleo nas jazidas da região com forte impacto nas rendas petrolíferas, a Bacia de Campos chegou a contribuir com 80% da produção nacional de petróleo, mas hoje esta participação é de menos de 30%, segundo dados da Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANP).
O pesquisador criticou também algumas políticas equivocadas como a canalização de rendas para favorecimento de grupos de interesse mais próximo, a criação de grupo político imbatível, além do desperdício com obras de fachada. No inventário das mazelas, houve espaço para outras experiências mal sucedidas, entre elas a criação do Fundecam (Fundo de Desenvolvimento de Campos) com aporte de financiamentos não pagos a empresas que faliram ou sequer saíram do papel, mas que deixaram um rombo de R$ 400 milhões nos cofres públicos municipais.
Exemplos que deram certo e são ignorados
José Luís defende a criação de um fundo pelos produtores de petróleo, a exemplo do que ocorre em outros países e experiências que também começam a ser testadas em alguns poucos municípios brasileiros. “Os municípios recorreriam às suas reservas, para atravessar esse ciclo e quando os preços voltassem a subir, eles voltariam a poupar uma parte para engrossar o fundo de reserva. E, assim, teriam recurso s infinitamente, pois esses fundos são investidos. Isso acontece em muitos e muitos países, desde a Noruega até os Estados Unidos. E o município de Ilhabela, que é o mais novo rico do pré-sal, em São Paulo, acabou de fazer isso. Criou um fundo soberano que estipula quanto deve ser, gradativamente sacado a cada ano, para políticas locais. Em resumo: os municípios devem separar o orçamento das rendas. Maricá e Niterói criaram fundos no espírito do fundo soberano; o Espírito Santo criou um fundo estadual; neste Seminário de São Paulo eles começaram a pensar em criar um fundo regional, que seria utilizado também para os municípios que não recebem royalties. O Orçamento é constante, as rendas são variáveis e finitas, que devem ser tratadas não como parte do orçamento, mas como um extra para complementar o orçamento e constituir um fundo de reserva que mantenha esses recursos como uma reserva infinita”.

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