Os ex-governadores Anthony e Rosinha Garotinho foram presos, no início da manhã desta terça-feira (3), no apartamento onde moram, no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro. A denúncia, cujos pedidos de prisão e de busca e apreensão foram acatados pelo juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Campos, foi formulada a partir de investigações sobre superfaturamento em contratos entre a Prefeitura de Campos e a Odebrecht para a construção de casas populares dos programas Morar Feliz I e Morar Feliz II durante os dois mandatos de Rosinha como prefeita (2009/2016). A defesa do casal Garotinho diz que vai recorrer e considera a decisão “absolutamente ilegal, infundada”.
Garotinho e Rosinha passaram por exame de corpo de delito e, na sequência, foram encaminhados para o presídio de Benfica, no Rio de Janeiro.
A ação fez parte da operação Secretum Domus, deflagrada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), com o apoio da Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI) do Ministério Público (MP) estadual. Além dos ex-governadores, também foram presos Sérgio dos Santos Barcelos, Ângelo Alvarenga Cardoso Gomes e Gabriela Trindade Quintanilha, acusados de serem intermediários do esquema.
Os bastidores dos contratos celebrados entre o município de Campos e a Odebrecht foram revelados após delação premiada dos ex-executivos da empreiteira, Leandro Azevedo e Benedicto Junior, no âmbito da operação Lava Jato. A partir das informações prestadas, a promotoria verificou as licitações e, segundo o MP, os procedimentos foram “flagrantemente direcionadas” para que a Odebrecht ganhasse a concorrência.
A Folha vem acompanhando o caso desde o início. A coluna Ponto Final foi que divulgou pela primeira vez (aqui) que a licitação do Morar Feliz teria sido montada com critérios para garantir a vitória da Odebrecht. O jornal também divulgou em diversas ocasiões as citações ao casal no esquema. Confira (aqui) e (aqui), no Blog Opiniões e (aqui) no Blog do Arnaldo Neto.
Em julho de 2017, (aqui) o blog Na Curva do Rio trouxe os depoimentos de Benedicto Júnior e Leandro Azevedo, mas na 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Ministério Público estadual em Campos. Na ocasião, os dois confirmaram os depoimentos anteriores na Lava Jato. Eles falaram, entre outras coisas, sobre pagamento, parte através de caixa 2, para a campanha de Rosinha Garotinho à Prefeitura de Campos em 2008 e 2010 e para Anthony Garotinho, que concorreu ao Governo do Estado em 2014.
O vídeo de Leandro Andrade Azevedo, confirmando que repassou R$ 5 milhões para a primeira campanha de Rosinha foi divulgado (aqui) no blog do Arnaldo Neto.
Valores da licitação
De acordo com o MP, somadas, as licitações ultrapassaram o valor de R$ 1 bilhão e que as contratações seriam superfaturadas”. O Ministério Público relata ainda na denúncia, que o superfaturamento seria de R$ 29.197.561,07 no Morar Feliz I e de mais R$ 33.368.648,18 no Morar Feliz II.
“Durante o primeiro mandato de Rosinha como prefeita de Campos, após licitação em lote único, em outubro de 2009, foi celebrado o contrato nº 306/2009 (Morar Feliz I) entre o município e a empresa, tendo como objeto a construção de 5.100 unidades habitacionais e a urbanização de seus respectivos loteamentos, com pagamento do valor inicial de R$ 357.497.893,43, além dos aditivos que se seguiram. Posteriormente, por ocasião da reeleição de Rosinha, nos mesmos moldes da contratação anterior, em fevereiro de 2013, foi celebrado o contrato nº 85/2013 (Morar Feliz II), que previa a construção de 4.574 unidades habitacionais, pelo valor inicial de R$ 476.519.379,31. Ambos os editais de licitação continham cláusulas extremamente restritivas, o que evidenciava que o instrumento convocatório havia sido preparado para que a Odebrecht fosse a vencedora dos certames”, ressaltou o MP, em nota.
Segundo a promotoria, as planilhas entregues pelos ex-executivos da empreiteira indicavam o codinome do beneficiário direto, valor, data do pagamento e, em alguns casos, até mesmo a obra vinculada ao pagamento da quantia, por exemplo, “Casas Campos II”. A denúncia narra também que os valores eram entregues pelo operador Álvaro Novis e da Transportadora Transmar.
As investigações apontam, ainda, o pagamento de R$ 25 milhões em propina aos ex-governadores, além do prejuízo aos cofres públicos do município no valor mínimo de R$ 62 milhões em razão do superfaturamento das obras.
Além de Garotinho, Rosinha, Leandro e Benedicto, também foram denunciados outro executivo da empresa, Eduardo Fontenelle, e três pessoas de confiança do casal Garotinho que exerciam funções de apoio.
Outros presos
Sérgio Barcelos é subsecretário estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos e ex-chefe de gabinete da liderança do PSL na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) quando o cargo era ocupado pelo deputado Gil Vianna. Angelo Gomes, por sua vez, é assessor parlamentar do vice-presidente da Alerj e ex-prefeito de Itaperuna, Jair Bittencourt (PP). E Gabriela Quintanilha é lotada no gabinete da deputada estadual Lucinha (PSDB).
O governador Wilson Witzel informou que determinou a exoneração de Barcelos.
Por nota, Gil Vianna esclareceu que Sérgio Barcelos “não atuou, em nenhum período, como chefe de gabinete do parlamentar. Sérgio participou da liderança do PSL na Alerj, onde o deputado esteve como líder por quatro meses. Gil Vianna afirma que como cidadão e político, busca e acredita na Justiça do país. O parlamentar reitera que, de maneira nenhuma, irá compactuar com corrupção ou algo que infrinja nossas leis. O parlamentar defende que a vida política seja clara e trabalhada em prol do cidadão, nada além disso. E garante estar ao lado da verdade e apoiando, sempre que for necessário, que todo caso seja investigado e a Justiça seja cumprida”.
Jair Bittencourt informou que o seu funcionário foi exonerado da liderança do PP e nomeado assessor parlamentar, onde trabalhava até ser preso. Agora, ele será exonerado. Já Lucinha disse que vai aguardar a conclusão da investigação. "Gabriela Quintanilha exerce a função de assessora parlamentar em meu gabinete desde 2015. Durante este período não ocorreu nada que desabonasse a conduta dela. Vou esperar o curso das investigações, para tomar as medidas cabíveis", disse a deputada estadual.
Construsan
Na mesma decisão, o juízo da 2ª Vara Criminal de Campos deferiu o cumprimento de mandado de busca e apreensão em contra Construsan, subcontratada da Odebrecht para a realização de uma parcela da obra no valor de mais de R$ 140 milhões.
Defesa
Por meio de nota, a Odebrecht disse que a empresa tem colaborado de forma permanente e eficaz com as autoridades, em busca do pleno esclarecimento de fatos do passado e que hoje, a empresa está inteiramente transformada e que usa as mais recomendadas normas de conformidade em seus processos internos e segue comprometida com uma atuação ética, íntegra e transparente.
Já a defesa do casal Garotinho, em nota assinada pelo advogado Vanildo José da Costa Junior, informa que vai recorrer da decisão: “A defesa dos ex-governadores Rosinha e Garotinho afirma que a prisão determinada pela segunda vara criminal de Campos é absolutamente ilegal, infundada e se refere a supostos fatos pretéritos. A defesa enfatiza que a Prefeitura de Campos pagou apenas pelas casas efetivamente prontas e entregues pela construtora Odebrecht. A defesa enfatiza ainda que a Odebrecht considerou ter sofrido prejuízo no contrato firmado com a Prefeitura de Campos e ingressou com ação contra o município para receber mais de 33 milhões de reais. A ação ainda não foi julgada e em janeiro deste ano a Justiça determinou uma perícia que sequer foi realizada. A defesa estranha, portanto, que o Ministério Público fale em superfaturamento quando a própria empresa alega judicialmente ter sofrido prejuízo. A defesa de Rosinha e Garotinho lamentam a politização do Judiciário de Campos e do Ministério Público Estadual, que teve vários de seus integrantes denunciados pelo ex-governador Antonhy Garotinho à Procuradoria-Geral da República”.
Garotinho preso pela quarta vez
A primeira prisão de Anthony Garotinho aconteceu em 16 de novembro de 2016, na Operação Chequinho, como ficou conhecido o escandaloso esquema de compra de votos através da distribuição de benefícios no programa social Cheque Cidadão.
No dia 13 de setembro de 2017, Garotinho foi preso durante a apresentação do seu programa de rádio, na emissora Tupi, no Rio de Janeiro. Desta vez, a prisão foi determinada pelo juiz Ralph Manhães, da 100ª Zona Eleitoral de Campos. Neste processo, Garotinho foi condenado a 9 anos e 11 meses de prisão por corrupção eleitoral, associação criminosa, coação de testemunhas e supressão de documentos.
Em 22 de novembro de 2017, Rosinha e Garotinho foram presos preventivamente, numa operação que apurava crimes de corrupção, concussão, participação em organização criminosa e falsidade na prestação das contas eleitorais.