*Edgar Vianna de Andrade
09/09/2019 16:41 - Atualizado em 16/09/2019 13:17
(It – Capítulo Dois) — Todo filme de terror é, antes de tudo, um drama. Raramente, pode ser uma comédia. Mas existem filmes classificados como terror. No terror, o drama sofre a intervenção de uma ou várias entidades sobrenaturais, assustando os vivos. Entretanto, o sobrenatural pode ser — e comumente é — uma projeção das pessoas, como mostra competentemente o diretor de “Corra!” (Get Out, 2017).
“It: A Coisa” (It, 2017) ganha mais fortemente o caráter de drama psicológico no seu segundo capítulo. De 27 em 27 anos, o palhaço macabro Pennywise (Bill Skarsgard) reaparece numa pequena cidade do interior dos Estados Unidos para assombrar e matar. De preferência, crianças. Temos aí ingredientes clássicos do terror: cidade do interior, casa velha e abandonada (mansão de Pennywise), crianças (entre as quais o medo é mais comum) e um palhaço (figura que alegra e apavora).
Pois Pennywise está de volta 27 anos depois. Ele representa a homofobia, os medos, os remorsos, os arrependimentos. Logo no início, ele participa de uma cena insólita: na margem de um rio, ele salva um homossexual agredido e que se afoga para devorar seu coração. Das crianças sobreviventes ao primeiro filme, uma delas permanece na cidadezinha. Os outros ganham o mundo. Um deles, torna-se escritor de boas histórias, mas com finais fracos (seria alguma alusão a Stephen King?). Todos eles são convocados por Mike (Isaiah Mustafa), que continua a viver na cidade. Ele é negro, o que conta bastante num filme sobre preconceito e medo. Um deles se mata para fugir da responsabilidade. Mike entrou em contato com nativos e aprendeu com eles o segredo de Pennywise, que, na verdade, é uma antiga entidade que só pode ser vencida num ritual sagrado.
Os outros cinco atendem ao chamado de Mike e retornam à cidade que foi palco do drama vivido 27 anos antes e do qual saem vitoriosos. Eles chegam sem claras lembranças do passado, o que reforça a hipótese de que o cérebro apaga registros desagradáveis. Beverly (Jessica Chastain), a única mulher do grupo, sofre violência do marido ao desfazer o casamento e deixá-lo. A partir de então, o drama assume um caráter mais intenso. Por meio de flashbacks, cada personagem é confrontando com seu passado, com seus temores, com seus sentimentos de culpa. Pennyiwise catalisa tudo e faz novas vítimas. Assim se desenrola o longo filme até o ritual final, substituído por um ardil psicológico: o medo pode ser reduzido se superado. O palhaço está em nós e fora de nós.
Os ingredientes para um bom resultado foram bem apresentados por Stephen King, o autor do livro, mas não devidamente aproveitados pelo roteirista Gary Dauberman. Voltaire disse: “se eu tivesse mais tempo, escreveria uma carta mais breve”. Transformar um livro volumoso num roteiro enxuto exige tempo.
Contando com um roteiro pontilhado de incoerências, o diretor Andy Muschietti também não conseguiu imprimir ao filme a devida força dramática. O recurso a excessivos flashbacks e a situações previsíveis alongou desnecessariamente o filme. É um clichê bastante explorado transformar um covarde em herói. Penso em Stanley Kubrick dirigindo “O iluminado”, também tomando a seu modo um livro de King. Mas já é pedir muito.