Declínio de patrimônio de meio bilhão em um ano e investimentos de risco não foram os únicos problemas descritos no relatório da Fundação Instituto de Administração (FIA), sobre auditoria realizada nas contas do Instituto de Previdência de Campos (Previcampos). Movimentações intensas entre agosto e dezembro de 2016 repassaram R$ 376,9 milhões dos cofres do Previcampos para a Prefeitura. Em três dias do último mês de 2016 (1º, 12 e 21) foram R$ 96,7 milhões, a respeito dos quais não existe qualquer documento comprobatório.
As movimentações se intensificaram em agosto de 2016 e resultaram na liberação de R$ 280 milhões do Previcampos para a Prefeitura, que seriam referentes a pagamentos indevidos do Executivo ao Instituto. Entre o que a auditoria apontou como irregularidades, chama a atenção, de acordo com o presidente do Previcampos, André Oliveira, a celeridade do processo que liberou esta verba. Entre o primeiro ofício da então secretaria municipal de Gestão de Pessoas solicitando o repasse e a liberação foram apenas sete dias.
O ofício da secretaria, de 10 de agosto de 2016, falava em identificação de pagamento indevido da Prefeitura para o Previcampos entre 2001 e 2015. O valor citado era de R$ 59,5 milhões. Dois dias depois, a então Procuradoria Geral do Município emitiu parecer favorável, reconhecendo o valor, mas corrigido: R$ 266,3 milhões. Seis dias depois há, ainda, um parecer de um escritório de advocacia de Minas Gerais, falando de juros que acrescentaram mais R$ 20 milhões. Um dia antes, em 17 de agosto, os valores começaram a entrar na conta da Prefeitura.
— O ofício da secretaria tinha duas páginas de planilha sem assinatura nenhuma. No dia 12, a Procuradoria do Município emitiu parecer favorável. O parecer, em um assunto complexo como este, também tinha duas páginas. Sendo que o processo tem 570 páginas. Como foi analisado em dois dias? De uma maneira normal, seguindo os trâmites, precisaria de, no mínimo, 60 dias para analisar este processo — afirma André Oliveira.
Outro ponto é que não foram levados em consideração questões importantes, segundo o presidente do Previcampos, que também é secretário municipal de Gestão: “Em momento algum foi verificado se o Instituto possuía déficit atuarial (insuficiência de recursos para cobertura dos compromissos dos Planos de Benefícios). Ou, ainda, se a Prefeitura tinha débito com o Previcampos. E tinha, de R$ 181 milhões. Como ela devia R$ 181 milhões e recebeu R$ 280 milhões? No mínimo tinha que descontar a dívida”, destaca André.
Além disso, há repasses do Previcampos para a Prefeitura em três dias de dezembro de 2016 que totalizam R$ 96,7 milhões. De acordo com a auditoria, não há documentos autorizando ou comprovando o repasse.
— Pela coincidência das datas, no meu entender, este dinheiro pode ter sido usado para pagar folha de pagamento de novembro e dezembro, além do 13º salário daquele ano — afirma o presidente do instituto.
O vereador Genásio (PSC), líder do governo na Câmara, busca instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar possíveis irregularidades no Previcampos.
Conflito de datas em alguns documentos
No célere trâmite de seis dias que resultou na liberação dos R$ 280 milhões do Previcampos para a Prefeitura, até uma reunião que ainda não havia acontecido serviu de justificativa: um ofício do então presidente do instituto, Nelson Afonso Oliveira, datado do dia 12 de agosto de 2016, e encaminhado ao Departamento Financeiro. No documento, ele determina o ressarcimento dos valores devidos ao tesouro municipal.
De acordo com o documento, o ofício 203/2016, da secretaria de Gestão de Pessoas e Contratos, (e que tratava da “cobrança” do suposto valor devido à Prefeitura), teve “regularidade assegurada pela Procuradoria Geral do Município e aprovada pelo Conselho Deliberativo do Instituto de Previdência”. Mas, o Conselho só se reuniu três dias depois, em 15 de agosto, como mostra a ata anexa ao relatório da auditoria.
Apuração de supostas irregularidades em CPI
O líder da bancada governista, vereador Genásio, tem trabalhado para pedir a abertura da CPI do Previcampos. Durante o recesso, ele conseguiu garantir a assinatura de 18 vereadores, número mais que o suficiente para a instalação da CPI.
A intenção é apurar possíveis irregularidades na gestão de recursos da previdência do servidor municipal, como a devolução indevida de recursos à Prefeitura, perda de recursos com investimentos em fundos com ativos frágeis ou inexistentes, realização de investimentos sem observância do Conselho Monetário Nacional e da secretaria de Previdência Social e a diminuição do patrimônio do Previcampos em R$ 500 milhões entre dezembro de 2015 a dezembro de 2016, durante a administração da ex-prefeita Rosinha Garotinho.
A expectativa é que o assunto seja levado ao plenário nas próximas sessões.
Consultor da FIA pontua inconsistências
Consultor da Fundação Instituto de Administração (FIA), entidade com 39 anos de existência, Leonardo Bousquet Schott diz que vários pontos chamaram a atenção na análise do Previcampos: “A celeridade é atípica e pode ter sido o motivo de certo descuido em relação aos princípios da administração pública. Por exemplo: a data de autorização assinada pelo então presidente do Previcampos para transferência à Prefeitura é anterior ao dia da assembleia do conselho do instituto que tratou o assunto. A nota de solicitação de despesa dos R$ 280 milhões é anterior ao primeiro ofício enviado que solicitou o parecer da Procuradoria sobre os ressarcimentos. Além disso, não foram seguidas recomendações e exigências legais e do conselho do Previcampos para aprovar o ressarcimento. Neste processo de ressarcimento não consta memória de cálculo analítica dos valores que foram ressarcidos. Dentre outras identificações que foram apontadas no relatório”, pontua.
Ele destaca que também que foram calculados juros de correção acima da normalidade e com datas bases erradas: “O parecer do escritório de advocacia que consta no processo é claramente contrário ao estatuto do Previcampos. A maior parte do valor ressarcido foi referente a multa paga por atraso no repasse das contribuições previdenciárias, no entanto não existe contabilização identificada dessas multas que foram pagas.
A ata da assembleia do conselho do Previcampos solicitou que fossem feitas avaliações do impacto atuarial e autorização da Secretaria da Previdencia Social, o que não foi feito”, explica.
E acrescenta: “Em dezembro de 2016, os repasses de mais de R$ 96 milhões não possuem memória de cálculo que os justifiquem e nem autorização do conselho.
Resumidamente, o processo de ressarcimento analisado nos parece frágil em relação a documentação comprobatória e a observância dos princípios e normas que regem a administração pública”, conclui.