O programa Mais Médicos trouxe milhares de cubanos para o Brasil, para uns oportunidade de ganho e para outros de deixar de vez a Ilha dos Castros. No início de 2019, extinto o programa, muitos foram os que optaram em não voltar para terra pátria, fechada por uma redoma do socialismo. Na planície goitacá, a comunidade cubana já soma mais de 70 pessoas, que hoje ocupa diversas camadas sociais, como motoristas de aplicativo, médicos, empresários, professores e até posições em governos, como a secretária de Saúde de São João da Barra, Arleny Váldés.
No momento, o Brasil vive forte polarização entre esquerda e direita. Conversas, discussões e brigas foram, e são, os resultados. Fiéis defensores de sua corrente de pensamento pegam exemplos diversos de onde, supostamente, aquilo que defendem e pregam deu certo. Geralmente tais lugares são tidos como “paraísos na terra”, quando ambos apresentam pontos positivos e negativos, não bastando apenas conhecer a história, mas viver no local.
Dentre os muitos cubanos na região, está o empresário e professor Sérgio Luís Gonzalez. Ele veio para o Brasil para fazer mestrado e doutorado na cidade do Rio de Janeiro, e resolveu permanecer no Brasil, vindo para Campos em 2003. Aqui, Sérgio abriu um restaurante com o tema caribenho, típico de sua pátria, e culinária mista entre Cuba e Colômbia, toques da terra de sua esposa. Virou empresário, inclusive, contribuindo com a empregabilidade de três funcionários. Além disso, ele leciona no curso de Engenharia Civil da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf).
Sérgio também não reclama de ser chamado, na brincadeira, de “cubano cabrunco”, bem à moda da Baixada Campista, mais precisamente em Baixa Grande, onde aportou no final da década de 50 uns dos primeiros cubanos a chegar à região, Fernando Edmundo de La Riva, que saiu de Cuba por causa da revolução e deixou para trás quatro usinas, dois hotéis e vinte fazendas. Em Campos, também apostou em usina de cana de açúcar.
Segundo Sérgio, Cuba tem uma história que necessita ser compreendida. “Quando houve a revolução que derrubou a ditadura de Fulgêncio Batista, Cuba era subdesenvolvida”, explica. A afirmação é corroborada pelas estatísticas pré-revolução, que utilizam como prova documentos de organizações internacionais da época. Tais documentos classificam a Cuba pré-revolução como uma neo-colônia dos EUA, com um ditador, Fulgêncio Batista, e governo extremamente corrupto, financiado pelo crime organizado dos EUA, com 60% das fazendas e indústrias açucareiras nas mãos de estadunidenses. Um terço da mão de obra local, em sua maioria negros, vivia em regime de extrema pobreza, além da baixa taxa de alfabetização nos anos 50. Os números também mostram pontos positivos: Cuba era um dos cinco países mais desenvolvidos da América Latina, tinha uma taxa de expectativa de vida próxima dos EUA (inclusive maior que estados como Mississipi e Carolina do Sul) e mais médicos, per capita, do que países como França e Inglaterra.
Falta de meios para suprir necessidades
“Quando Fidel assumiu, os primeiros anos foram muito positivos. Tudo foi nacionalizado e centralizado. Todos ficaram igualmente sem dinheiro, mas passaram a ter acesso aos níveis de educação superior”, abordou Sérgio ao ressaltar que ele fez parte dessa geração que teve acesso ao nível de educação superior graças ao sistema, por ser filho de um trabalhador rural, que hoje mora em Campos, junto com toda a família de Sérgio – com exceção da irmã e do cunhado.
Para ele, o governo não levou em conta o “instinto humano” de desejar cada vez mais acumular bens e, de acordo com Sérgio, “o estado cubano não desenvolveu meios para suprir essa necessidade natural de crescimento individual. Isso vai contra os princípios de propriedade privada, conceito que, em Cuba, perdeu-se a noção”.
A situação econômica piorou depois da implosão da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), responsável por 80% do comércio com Cuba, que sofria com os embargos comerciais dos EUA “Não havia escova de dentes”, contou.
Outro ponto levantado foi a corrupção dos chefes de estado. “É melhor ser ministro em Cuba do que milionário em qualquer lugar do mundo. É um absolutismo formado por chefes de governo”, afirmou o empresário.
Atual presidente é visto como extremista
É impossível não perguntar o ponto de vista de Sérgio, vindo de um país socialista, sobre o governo do presidente Jair Bolsonaro e o crescimento da direita no Brasil. Para o cubano: “Bolsonaro é muito extremista, não sabe falar, apesar de ter razão algumas das vezes, como na questão dos servidores públicos”, e afirmou que existem pessoas no funcionalismo público que são “sanguessugas” do Estado.
Ele declarou que observa com bons olhos a política liberal do Paulo Guedes, pois entende que o espírito empreendedor é inerente da pessoa, não do estado centralizado, citando o próprio exemplo de administração do restaurante. “Qualquer extremo é ruim. Hoje o governo do Brasil é de extrema-direita, mas o anterior era de extrema-esquerda”, afirmou, descartando qualquer possibilidade de chance, por mais que o PT tivesse ganhado a eleição, de o Brasil chegar ao nível de Cuba.
Segundo ele, as transformações que ocorreram em Cuba foram em outro tempo, não havia internet, fora a diferença de extensão territorial, questões fronteiriças, etc. “Existem coisas que são muito boas em Cuba, como sair de madrugada sem se preocupar em ser roubado ou assaltado; até porque, quem vai roubar quem? São todos igualmente pobres”, pontuou.