Verônica Nascimento e Camila Silva
19/08/2019 10:25 - Atualizado em 21/08/2019 15:18
O lutador de muay thai e professor de uma academia em Campos Francinei Farinazo foi preso, na madrugada desse domingo (18), por suspeita de agredir a namorada Cíntia Silva Maciel, uma médica de 32 anos. Os dois estavam juntos há cerca de cinco meses. Ela foi levada inconsciente pelo próprio suspeito para o Hospital Ferreira Machado (HFM), onde a médica trabalha. Francinei teria alegado que o casal havia sofrido um acidente de carro, mas os ferimentos da mulher despertaram suspeitas do policial militar de plantão na unidade hospitalar, que prendeu o lutador em flagrante. O caso de violência doméstica, que chocou a sociedade, ganhou as redes sociais e, em pleno Agosto Lilás, mês de combate à violência doméstica, chamou também a atenção de outras vítimas e movimentos de defesa da mulher. Nesta segunda-feira (19), Júlia Oliveira, do coletivo Nós por Nós, acompanhava Jakeline Maysa Rangel Henriques, 46 anos, na 134ª Delegacia de Polícia (Centro), vítima, por mais de 10 anos, de diversos tipos de agressão, por parte do ex-companheiro, que agora é procurado por tentativa de feminicídio.
Francinei foi autuado por “lesão corporal no âmbito da violência doméstica”, na Lei Maria da Penha, e liberado após pagamento de fiança no valor de R$ 10 mil. A médica recebeu alta do hospital no início da tarde desta segunda e, em seguida, prestou depoimento durante quatro horas na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam).
— A Cíntia está muito abalada psicologicamente e com muitos danos físicos. O rosto dela ficou desfigurado. O inquérito está sob sigilo, alguns depoimentos estão sendo colhidos e estamos aguardando a medida protetiva, que está sendo pedida. Lógico que ele é uma pessoa bem violenta, pelo que ele fez com ela. Há cerca de três semanas, durante um desentendimento, ele já havia agredido a Cíntia física e verbalmente — afirmou o advogado da vítima, Luiz Felipe Gomes. Segundo ele, a discussão entre o casal, nesse domingo, começou ainda em um restaurante e, quando os dois chegaram ao carro, ele começou a desferir socos na namorada, que ficou inconsciente.
Por meio de nota, a Polícia Civil informou que, inicialmente, o caso foi registrado como “lesão corporal no âmbito da violência doméstica e, conforme determina a lei, o pagamento da fiança pode ser arbitrado quando a pena não ultrapassar quatro anos. De acordo com a Deam de Campos, a investigação está em andamento, a vítima, após ser ouvida, será encaminhada para exame de corpo de delito para avaliar a gravidade das lesões. Diligências estão em andamento para apurar as circunstâncias do fato”.
A academia em que Francinei trabalha informou que soube do ocorrido por redes sociais e publicou uma nota. “(...) Comunicamos que não compactuamos com qualquer tipo de violência e entendemos que, nos moldes previstos na Constituição Federal, a Polícia deve investigar profundamente o caso e a Justiça julgá-lo, oferecendo ao acusado a oportunidade de se defender”. A postagem atraiu críticas e, em resposta aos comentários, alguns dando conta de que a empresa e alunos chegaram a fazer vaquinha para ajudar no pagamento da fiança, em nova nota, a academia informou que o professor será desligado da unidade e que “não procede a informação de que (a direção) efetuou qualquer pagamento de fiança ao mesmo”.
A Prefeitura também emitiu nota na manhã desta segunda-feira, afirmando que “lamenta imensamente o ocorrido e se disponibiliza ao auxílio no que for necessário. Através do 180, denúncias podem ser feitas à Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência. A ligação preserva anonimato. O serviço funciona 24 horas todos os dias da semana, inclusive, finais de semana e feriados. Os Centros de Referência Especializados de Serviço Social (Creas) mais próximos também podem ser buscados”.
A equipe de reportagem da Folha entrou em contato por telefone com o lutador, que atendeu a ligação e disse que só vai se manifestar por meio do advogado. O defensor Amyr Hamden Moussallem informou que aguarda o depoimento da vítima e o término das diligências para se manifestar. “Mas já foi protocolada uma petição nos pondo à disposição da delegada (Ana Paula Carvalho)”, disse.
Coletivo de apoio a mulheres questiona proteção às vítimas
Membro do coletivo Nós por Nós, que auxilia, com assistência jurídica, psicológica, assistência social e outras medidas, mulheres vítimas de agressão e abusos, a jornalista Julia Oliveira demonstrou indignação diante dos relatos de violência à mulher.
— A situação é alarmante. A gente faz parte desse coletivo, que tem uma rede de apoio e acompanha vários casos absurdos e as negligências das autoridades, tanto do governo, como da delegacia. Não tem explicação. As mulheres estão morrendo. A gente não sabe mais o que fazer. A gente fez um movimento ontem (domingo) para a academia se posicionar. Fizeram um posicionamento horroroso e, depois, se retrataram, dizendo que iriam afastar o lutador da academia. O país inteiro deveria ter mais segurança para essas mulheres, que estão morrendo todos os dias — ressaltou.
O coletivo acompanhou uma vítima que, segundo Júlia, está com medo de morrer. “Estou com uma vítima aqui que está com medo de morrer, que está se escondendo, fugindo de casa em casa para poder sobreviver. A gente faz esse trabalho com muito carinho, mas não deveria ser nossa obrigação. A cidade, o estado e o país inteiro deveriam oferecer mais segurança a essas mulheres, que estão morrendo”.
Outro caso — A vítima de violência doméstica acompanhada pelo coletivo Nós por Nós esteve na delegacia para pedir auxílio. Jakeline Maysa Rangel Barcelos, de 46 anos, tem três filhos. Ela viveu 11 anos com o companheiro, dez deles sendo agredida. “Me agredia fisicamente, moralmente, sexualmente. Eu não tinha noção do que eu passava, dominada por ele. A gente não consegue se libertar, a gente fica vulnerável, a gente acha que é culpada e, aí, vira uma bola de neve, e a gente fica sem saber o que fazer”, contou, acrescentando que, na primeira vez que denunciou seu agressor na Deam, em 2016, viu o ex-companheiro sair livre da delegacia e chegou a ouvir que ela teria se autolesionado.
Em 2018, quando o homem quase quebrou a clavícula dela, na casa do pai, a vítima fez nova denúncia e conseguiu a medida protetiva. “No dia 4 de abril deste ano, ele chegou à minha casa, com mais quatro pessoas dentro do carro, me ameaçando e eu voltei até a Deam. Como ele não havia recebido a notificação da medida protetiva para mim, a Deam disse que não havia como solicitar um mandado de prisão para ele. Aí, em maio, procurei o Ministério Público, que conseguiu na Justiça o mandado de prisão preventiva por tentativa de feminicídio contra ele. Só que ele está foragido desde então e a Deam não se movimenta para prendê-lo. Meu filho descobriu onde ele está morando e informou o caso à 134ª DP, na página oficial da delegacia. Inspetores tentaram prendê-lo sábado, mas ele fugiu. Neste momento, ele pode estar atrás de mim e dos meus filhos para nos matar. Eu não quero que essa medida protetiva que carrego na bolsa sirva para enxugar as lágrimas dos meus filhos, caso eu seja morta”.
Após conversar com a equipe de reportagem, no pátio da delegacia, Jakeline, chorando, pediu ajuda ao delegado titular da 134ª DP quando ele saía. Bruno Cleuder respondeu que os inspetores estão trabalhando para resolver o problema dela.