Paulo Renato Porto
20/07/2019 15:06 - Atualizado em 05/08/2019 14:09
Com uma área territorial de mais de 4 mil km², Campos é o maior município em extensão do Estado do Rio de Janeiro, cortado por rios, lagoas e canais, favorecido pela excelência de um reconhecido pólo acadêmico e de pesquisa. No entanto, quando se debruça em torno da produtividade e renda per capita ou por hectare da produção agropecuária, o município perde para outros de menores potencialidades. Estes gargalos, com base em dados de 2017, são retratados no livro A Economia Fluminense, o mais recente trabalho do professor Alcimar Chagas Ribeiro, da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf). Nesta entrevista ele trata da obra, cutuca o excesso de entusiasmo por empreendimentos como o Complexo do Açu, faz comparações e admite que os municípios da região produtora de petróleo precisam criar uma nova modelagem de desenvolvimento voltado para o aproveitamento de suas riquezas naturais para não depender das incertezas dos royalties. O pesquisador insiste na necessidade de mais investimentos na agricultura familiar com economia de escala e maior valor agregado na produção.
— Campos e São Francisco de Itabapoana respondem pela maior parte da produção agrícola regional. Mas quando se vai comparar a produtividade, Campos registra um ganho de R$ 3.600 por hectare, enquanto São Francisco tem R$ 7.800. Porciúncula aparece com R$ 7.300 e Varre Sai com R$ 4.200. Isto em razão de uma maior diversificação agrícola. Em Campos, temos 97% da produção voltada para a cana. Ela não atrapalha, mas poderíamos produzir a cana e outras culturas — constata Alcimar, que com base nos últimos dados oficiais (2017) trabalhou seis mesorregiões do Estado.
Quanto se trata do gado leiteiro, a produtividade de Campos é de 1 mil litros/ano por cabeça, enquanto São Fidélis chega a R$ 1.200 litros. São Francisco é outro grande produtor, mas sofreu os efeitos de uma prolongada seca que reduziu sua produtividade para 300 litros. Na comparação com o Sul Fluminense, a disparidade aumenta, com destaque para Barra Mansa (2.700 litros), Valença (1.500) e Resende (1.200).
— No caso de Campos, com tanta tradição na produção agropecuária, a produtividade é lamentável. Temos o maior rebanho, mas com produtividade baixa, por falta de um confinamento adequado, aplicação de tecnologia no rebanho e melhores tratos. Isso desestimula o produtor. A região como um todo não foge muito desta média. O volume de leite anual por cabeça aqui é de 890 litros, enquanto no Sul Fluminense é de 2 mil litros — esmiuçou.
Campos é o primeiro entre os 10 maiores
Quando se trata da contribuição dos principais municípios produtores de carne bovina no Estado, Campos se destaca como primeiro entre os dez que mais contribuíram para a produção de carne bovina no Estado, ao lado de Itaperuna. Juntos contribuíram com15% da produção estadual. No ranking, Campos (10%), Itaperuna (5%), Macaé (4%), Valença, Silva Jardim, São Fidélis, São Francisco de Itabapoana, Bom Jesus do Itabapoana, Cantagalo, Araruama (todos com 3%).
Quanto se trata de renda per capita anual, Campos não desponta entre os 10 municípios na bovinocultura leiteira no Estado do Rio de Janeiro(mil reais/ano). Pela ordem, os que aparecem na lista são Resende, Barra Mansa, Vassouras, Rio das Flores, Paraíba do Sul, São Pedro da Aldeia, Tanguá, Valença, Porto Real e Paraty.
Controvérsias sobre os impactos do Açu
Alcimar Chagas demonstra comedido entusiasmo quando analisa grandes empreendimentos como o Porto do Açu, entre outros. Para ele, há controvérsias neste debate.
— O Porto do Açu e o petróleo são atividades sobre as quais não temos controle. Depende das oscilações do mercado internacional, entre outros fatores. Boa parte dos trabalhadores vem de fora e transfere uma boa fatia de seus salários para as suas famílias que moram fora. Se fosse tão bom assim não teríamos os problemas que temos como a estagnação no comércio de São João da Barra. Os dados do Caged mostram que a realidade não é bem assim. Dentro deste contexto, Campos se beneficia mais do porto do que São João da Barra porque tem uma oferta melhor de serviços. Mas temos que aproveitar o projeto no que for possível — analisou.
Melhor orçamento para a agropecuária
Assim, o economista defende a alocação de maior volume orçamentário na agropecuária, para o desenvolvimento das atividades tradicionais, mas ressalva que o cenário não é favorável. Ele constata que, mesmo com os royalties, os municípios produtores de petróleo tem baixo nível de execução orçamentária, em razão dos gastos com o custeio da máquina administrativa.
— Dependência do petróleo faz com que a região se mantenha acomodada no dinheiro fácil dos royalties. Assim, também não há vontade política em pensar a cidade ou a região com projetos de sustentabilidade de longo prazo. Os políticos estão sempre pensando nas próximas eleições. Dinheiro não resolve tudo sozinho, como a política e o conhecimento também sozinhos não resolvem nada. É preciso grupo de proteção ao pequeno produtor para que ele ganhe confiança e trabalhe de forma integrada— avaliou ainda.
Números do emprego na safra da cana
O pesquisador da Uenf exibe argumentos que ancoram a necessidade de mais investimentos nas atividades tradicionais como agricultura e pecuária.
— A economia de Campos ainda é dependente do setor sucroalcooleiro. Este ano temos uma safra mais prolongada o que reflete melhores resultados na geração de empregos. Então, em que pese as atividades do porto, é ainda a cana a geradora de empregos do município. Basta olhar o Caged na safra e fora dela. Exemplos como a Coagro deveriam ser estimulados em outras atividades como a própria pecuária, com uma produção em escala de maior valor agregado que gere mais trabalho e renda — concluiu.