Reações campistas a Bolsonaro
Aldir Sales 01/06/2019 19:30 - Atualizado em 06/06/2019 16:03
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) declarou, na sexta-feira, durante evento da Assembleia de Deus Ministério Madureira, em Goiânia, que o Supremo Tribunal Federal (STF) estaria “legislando” ao julgar a equiparação da homofobia e transfobia ao crime de racismo. Para o público religioso, ele ainda questionou se não seria o momento de ter um ministro evangélico na Corte. As declarações causaram polêmica e geraram reações dentro do próprio STF. O ministro Alexandre de Moraes rebateu o presidente e afirmou que a Constituição protege minorias. As alegações do presidente também dividiram as opiniões dentro do meio jurídico campista.
O juiz Glaucenir Oliveira disse que o importante para o ministro é o conhecimento técnico e que a opção religiosa não pode influenciar as decisões. “Essa é uma percepção pessoal, subjetiva. O importante é que os julgadores sejam honestos, corajosos, que tenham conhecimento da aplicação do direito e que não sejam políticos. Sou contra juiz ser político, aliás. Ele tem que aplicar as leis e a opção religiosa não pode influenciar, seja a pessoa evangélica, católica, muçulmana ou de qualquer religião. Mas é uma questão bastante complexa”.
Colega de Glaucenir, o juiz Ralph Manhães concorda com Bolsonaro e também aponta interferências do STF em matérias que seriam assuntos do Legislativo. “Concordo com o que disse o presidente. No caso específico da criminalização da homofobia, faço críticas, pois não existe reserva legal no direito penal. Está invadindo a competência do Legislativo. Acho também que é um direito do presidente de escolher o ministro, independente da religião, desde que tenha capacidade para ocupar o cargo. Não há nada demais”.
O promotor de Justiça Marcelo Lessa também é favor do posicionamento de Bolsonaro. “Estou de pleno acordo com a declaração do presidente. O STF tem invadido o campo de atuação de outro poder, o Legislativo, que é quem tem que legislar, fazer as leis. Sobre um ministro evangélico, acho que a religião não é preponderante. A religião não deveria influenciar. Mas acho um erro crasso do STF neste caso específico, o Judiciário não pode legislar. É uma intervenção do Supremo e que traz desequilíbrio institucional ao país”.
Por outro lado, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Campos, Cristiano Miller, chamou de equivocada a posição de Bolsonaro quanto à interferência do STF. “As declarações do presidente, a meu ver, mostram-se equivocadas quando ele fala que o STF estaria legislando de forma indevida no caso da criminalização da homofobia. Não vejo assim. Trata-se de um tema até o momento ignorado pelo legislativo, mesmo sendo o Brasil um dos países que mais matam homossexuais e transexuais. Na hipótese, o que o STF fez foi apenas aplicar o que a Constituição prevê, em especial na ação de Mandado de Injunção. Quanto ao segundo ponto da declaração de Bolsonaro, penso que ele tem toda liberdade de indicar quem ele bem entender, desde que atenda aos requisitos constitucionais”, pontuou.
Fragilidade legislativa causa ativismo judicial
Para o ex-procurador-geral da Câmara de Campos Robson Maciel, o ativismo judicial é uma consequência da fragilidade do processo legislativo e descrédito da política.
— Temos no Brasil um grande debate que entremeia o meio jurídico e político relacionado ao ativismo judicial. A declaração de Bolsonaro toca nesse sensível debate já existente há anos. O ativismo judicial reclamado por muitos é resultado de um processo legislativo fragilizado em decorrência do descrédito da classe política. Entendo que, independentemente de termos um ministro do STF evangélico, o principal caminho a ser percorrido deve ser a retomada de proeminência do parlamento brasileiro. O local adequado para as disputas entre grupos é o processo legislativo. Resolver tais impasses pelo processo judicial é a prova de que algo está errado — declarou.
Professor da Faculdade de Direito de Campos, Rafael Crespo chamou a atenção para a demora em regulamentações. “Com certa frequência, ocorrem tensões entre os poderes constituídos, especialmente quando o Executivo e o Legislativo entendem que o Judiciário acabou por usurpar suas funções. O fato é que, em muitos casos, há demora do Legislativo em regulamentar alguns direitos constitucionais”, concluiu.
Alexandre de Moraes nega interferência
Após as declarações de Bolsonaro, o ministro Alexandre de Moraes saiu em defesa dos colegas ministro e afirmou que o Supremo Tribunal Federal não tem usurpado a função do Poder Legislativo.
— Não há nada de legislar. O que há é a aplicação da efetividade da Constituição, (que é) protetiva de uma minoria que no Brasil sofre violência tão somente por sua orientação sexual. O Brasil é o quarto país do mundo com maior índice de agressões a pessoas tão somente em virtude de sua orientação sexual. Não é possível continuar com isso — afirmou o ministro.
No último dia 23, o STF formou maioria para enquadrar a homofobia e a transfobia como crimes equivalentes ao racismo. Na ocasião, chegou a seis o número de ministros da que votaram nesse sentido. Ainda restam cinco votos, e o julgamento deve ser retomado na próxima quarta-feira.
As ações analisadas pelo Supremo pedem a criminalização de todas as formas de ofensas, individuais e coletivas, homicídios, agressões e discriminações motivadas pela orientação sexual e/ou identidade de gênero, real ou suposta, da vítima. Os ministros que já votaram de acordo com o pedido são: Celso de Mello, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux.
No início do julgamento, em fevereiro, os relatores das ações, os ministros Celso de Mello e Edson Fachin, entenderam que o Congresso Nacional foi omisso e que houve uma demora inconstitucional do Legislativo em aprovar uma lei para proteger homossexuais e transexuais.
Para eles, cabe ao Supremo aplicar a lei do racismo para preencher esse espaço, até que os parlamentares legislem sobre o tema.
 
 

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