Camilla Silva
29/06/2019 14:40 - Atualizado em 22/10/2019 19:09
Os olhos marejados de lágrimas aguardam em frente à Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) em Campos. Mais uma vítima de violência procura a unidade para tentar se proteger de um homem agressor. O suspeito é um ex-companheiro que a aguardava na esquina do seu trabalho com um facão e fazia ameaças. O caso que aconteceu na última sexta-feira (28), no Parque João Maria, se repete em números mostrados pelo Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP). No último ano, a cada oito horas, uma mulher buscou a polícia com denúncias de agressão ou ameaça em Campos. Dois meses após reclamações de mau atendimento na unidade ganharem repercussão, a Folha voltou à Deam para verificar a situação, mas casos de interrupção de atendimento para realização de diligências externas e exigência de testemunhas ainda acontecem, segundo organizações de apoio a mulher vítimas de violência doméstica.
Após denúncias ocorridas em abril, integrantes do Movimento Unificado de Mulheres (Movimentum), do coletivo Nós Por Nós e do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Campos realizaram um encontro com defensoras públicas para mostrar problemas.
— Até o momento, não temos respostas conclusivas sobre o andamento dos dossiês. Mas estamos acompanhando constantemente as denúncias das mulheres vítimas de violência. Infelizmente, os relatos de negligência na Deam continuam chegando, como na última semana que atendemos três vítimas que relataram a mesma situação — disse Rafaelly Galossi, do Coletivo Nós Por Nós.
Um dos casos relatados é o da vítima de um estupro ocorrido em 19 de junho em Travessão. No dia seguinte ao crime, feriado de Corpus Christi, uma senhora de 68 anos procurou a unidade para relatar que havia sido estuprada pelo seu filho, de 36. No local foi informada que a equipe de plantão teria que sair para atender uma solicitação de outra vítima de estupro e, segundo testemunhas, teria sido solicitado que ela voltasse no próximo dia. “É muito triste porque ela não tinha para onde voltar, já que o filho ainda estava na casa onde moravam”, contou a testemunha que preferiu não se identificar. Após a negativa, a vítima procurou policiais militares que foram ao local e realizaram a prisão do suspeito.
Sobre este caso, a delegada responsável pela Delegacia de Atendimento à Mulher, Ana Paula Carvalho, afirmou em nota, na última segunda, que foram procurados pela vítima, acompanhada da filha e cunhado, mas que “em razão do volume de atendimentos e de outro registro de estupro já em andamento, decidiram não aguardar o atendimento”.
Ainda segundo a nota, a delegada da Deam representou pela prisão preventiva do autor junto ao Juiz de Plantão, tendo sido expedido o mandado e cumprido pelos policiais civis”.
A Folha tentou contato com a delegada responsável pela unidade na última sexta, sem sucesso. Segundo a Polícia Civil, a Delegacia de Atendimento à Mulher (Campos) está realizando um estudo para a reestruturação da unidade. Sobre a exigência de testemunhas, a instituição informou em nota que “os registros de ocorrência são feitos independente de testemunhas, uma vez que muitos crimes não são presenciados por uma terceira pessoa”. Sobre a interrupção do serviço, eles informaram que “quando há diligências externas em dias de feriado e final de semana com a saída da equipe policial, é solicitado que a vítima aguarde atendimento na delegacia para o registro”.
Ameaça — O autor das ameaças à mulher que estava na Deam na última sexta foi preso em flagrante por policiais da unidade. No local, foi estipulada a fiança de R$ 10 mil, mas até o fechamento desta edição não há informações sobre o pagamento do valor estabelecido.
Reclamações chegam à CPI da Alerj e Nudem
Em abril, mais de 50 relatos chegaram aos grupos e outros mais de 700, às pessoas próximas à mulher agredida por um DJ de Campos. O agressor chegou a ser preso, mas foi liberado horas depois, mediante pagamento de fiança. “Fizemos um dossiê completo com todos os casos que chegaram a nós relativos à negligência na Deam. Encaminhamos esse dossiê ao Nudem [Nucleo Especial de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública] no Rio e à Alerj”, contou Rafaelly Galossi, do coletivo Nós Por Nós.
A Coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher, defensora Flávia Nascimento, afirmou em nota que o caso está sendo acompanhado pela Defensoria e que as providências necessárias estão sendo tomadas.
A Alerj, por meio da CPI do Feminicídio, disse que a denúncia sobre problemas no atendimento na Deam de Campos chegou à CPI do Feminicídio por meio do gabinete da deputada estadual Mônica Francisco. “Já está agendada para agosto uma audiência pública na cidade para debater o feminicídio, as denúncias, além de uma visita à delegacia”, completou.
Estupro: vítimas são menores de 11 anos
Os dados divulgados pelo Dossiê Mulher 2019 mostram constantes casos de violência contra a mulher. O levantamento de crimes em Campos revela que companheiros e ex-companheiros das vítimas são os principais autores dos crimes. Nos casos de agressão, foram 550 no total, eles foram denunciados em 68,4% dos registros. Nos casos de ameaça o número é ainda maior: de um total de 503 crimes, em 88,8% eles são considerados suspeitos. O maior número de vítimas destes crimes está na fase adulta, entre 18 a 59 anos - 84% e 88%, respectivamente.
Dos 106 estupros registrados no município no ano passado, 76,4% casos ocorreram dentro das residências. A característica das vítimas é inversa a dos crimes anteriores: elas são menores de idade em 82,1% dos casos. Meninas de 0 a 11 anos representam 51,9% e adolescentes de 12 a 17, 30,2%.
O município de Campos informou que atendeu pelo Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI) dos CREAS – serviço central direcionado às famílias e pessoas que estão em situação de risco social ou que tiveram seus direitos violados – 53 mulheres no primeiro trimestre deste ano, sendo 20 maiores de 18 anos. Em todo o ano de 2018, foram acompanhadas 247 novas mulheres vitimadas, sendo 97 destas mulheres adultas. “O município conta com uma rede de proteção, que inclui os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) e a Casa Benta Pereira, além da parceria com a superintendência de Justiça e Assistência Judiciária, que oferece suporte jurídico”.